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2276 I SÉRIE - NÚMERO 67

Nos ditos tribunais plenários, ao abrigo de uma toga de advogado, honrosa e honrada, tudo se aproveitava para, embora no pouco tempo concedido, se dizer aquilo que se não podia referir em qualquer outro lugar. Enquanto não nos retiravam a palavra, ou não nos prendiam até, era um consolo, embora momentâneo, falar mal da polícia política, falar mal do regime ditatorial e falar bem da democracia e da liberdade. Normalmente, retiravam-nos a palavra a meio, mas algo ficava.
E não resisto à tentação -perdoar-me-ão, apesar da solenidade do dia- de contar-lhes aqui duas histórias, que dizem bem do que eram esses ditos tribunais plenários.
As testemunhas de acusação eram, praticamente, sempre as mesmas: o chefe de brigada da PIDE e dois agentes, que, normalmente, só sabiam dizer que os réus tinham prestado declarações de forma livre e espontânea e que tinham confessado tudo. Porque sabiam que nós não acreditávamos nisso, chegavam a fazê-lo de forma cínica, com um sorriso de superioridade que, aliás, neles não era de espantar.
Um dia - defendia eu um comunista, porque também eu defendi comunistas, nessa altura-, atrevi-me a perguntar ao chefe de brigada o que é que ele entendia por comunismo. O presidente do tribunal, porque sabia de antemão que o PIDE não sabia responder, proibiu-me logo a pergunta. Levantou-se alguma celeuma e eu, creio que com alguma legitimidade, continuava a dizer que a pergunta era pertinente - ninguém podia ter instruído um processo no qual se imputavam ideias comunistas a um réu sem que soubesse o que eram essas ideias e o que era esse comunismo. Mas não lucrei nada com isso. Com grande satisfação do PIDE, o presidente do tribunal continuou a impedir a pergunta. Mas nem todos os juízes que estiveram nesses tribunais plenários eram como o foi esse presidente. Um dos vogais juízes, no final dó interrogatório do PIDE, dispara-lhe a pergunta: «O que entende por comunismo?» - a pergunta que eu fizera. O presidente do tribunal entrou em histeria, mas o juiz, muito calmo, disse-lhe: «O Sr. Presidente, a mim, juiz, não pode proibir a pergunta». E fê-la, num momento de euforia da bancada da defesa, como bem devem calcular, e onde, para além de mim, estavam outros advogados. É claro que o PIDE não respondeu, porque não fazia a. menor ideia do que fosse o comunismo.
Uma outra história, esta de teor algo diferente: um dia, num desses julgamentos, respondiam 46 réus (normalmente, a polícia política agrupava muitos). Entre eles, réus, o velho democrata que, em vida, se chamou Artur Santos Silva. Na bancada da defesa um outro democrata ilustre, o velho Bento de Melo, que, com o seu monóculo faiscante, ia reduzindo a pó um PIDE que, como é evidente, era testemunha. Estava a ser um verdadeiro massacre. O presidente do tribunal lança a bóia de salvação ao PIDE e retira a palavra ao Bento de Melo. Mas o Bento de Melo não era homem de se calar à primeira. Daí, até à ordem de prisão, foi um instante. Sim, porque, nessa altura - é preciso não esquecer-se-, até os advogados estavam sujeitos a ser presos em pleno julgamento. Bento de Melo, histérico, capaz de tudo, absolutamente de cabeça perdida, começa por subir para a cadeira e, daí,, para cima da mesa da bancada da defesa, gritando: «Prender-me a mim, que envergo uma toga honrada e que não quero outra coisa que não seja a verdade, é o cúmulo das prepotências.» O presidente do tribunal grita para o pobre comandante da GNR, dizendo: «Prenda-o, prenda-o, prenda-o!» Mas a verdade é que, para além de alguns gestos, este pobre comandante da GNR nada fazia porque, em sua consciência, não queria prender ninguém. E é então que, no meio de todo aquele burburinho, o velho Artur Santos Silva, que era réu, como disse, mas esquecido de que o era, levanta-se do seu lugar e,, fazendo menção de sair, afirma bem alto: «Isto é uma vergonha, estou enojado, vou-me embora.»

Risos gerais.

Aplausos do PSD, do PS e do PRD.

Ele, que era réu, ia-se embora, sem mais nem menos. Gargalhada geral, que serviu, e bem, para que Bento, de Melo acabasse por não ter sido preso; gargalhada geral que foi como que um escape vitorioso da liberdade contra a opressão.
Poderão ser, e são, pequenas histórias, cujo pitoresco até não deixa de ter um significado que, aqui e hoje, mal não fica. A história não é mais do que um conjunto de pequenas histórias. É que são histórias da opressão da liberdade. É que, ao contá-las, vem ao de cima a luta que se travou e que tão dura foi.
Os mais novos, porque não viveram a época, é possível que apenas lhe .achem alguma graça. Os mais velhos - e estou aqui a ver alguns que comigo estiveram nesses tribunais plenários -, esses recordá-las-ão com o preciso significado que elas têm.
Era este o clima que se vivia no País. Um grito permanente de revolta que nunca mais acabava de sair da garganta, uma opressão que nunca mais acabava.
Até que chegou o 25 de Abril! O regime estava podre e tinha de chegar um 25 de Abril. Data que não é propriedade exclusiva de nenhuma força política mas, antes, de todas. Alguém querer apropriar-se dela só para si é coisa de lesa-democracia.
Com o 25 de Abril, acabou-se o medo e renasceu a liberdade.
Foi uma revolução de todo um povo, da iniciativa de alguns bons militares, militares diferentes dos que tinham implantado a ditadura.
Por isso, não houve sequer sangue, já que não houve opositores à revolução. Todo o Portugal a queria, todo um povo' a festejou.
Nesta data, nesse 25 de Abril, vi realizada a esperança de toda uma vida: Por isso lhe venho dando o pouco que sei e que posso. Como todos vós, como todo um povo, com a certeza de que o 25 de Abril é irreversível.
E será com muita saudade, mesmo muita, que aqui relembrarei nomes de velhos democratas que passaram por esta Casa e que dedicaram as suas vidas à conquista da liberdade e da democracia - Nuno Rodrigues dos Santos, António Macedo, Artur Santos Silva, Olívio França, Strecht Monteiro, Francisco Sá Carneiro, Teófilo Carvalho dos Santos e tantos outros que, porventura, esqueci.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e de Os Verdes.

Obrigado a eles, obrigado a todos vós, obrigado a todo o nosso povo.
E, por fim, uma palavra de muita confiança nos jovens deste País, já que é para eles que estamos a construir um Portugal melhor.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Pre-