11 DE MAIO DE 1990 2459
Por outro lado, prevêem-se expressamente, nas alterações propostas, os casos de excepção ao princípio tradicional da estabilidade da competência.
São expressamente definidas as hipóteses, quer de ocorrência de cisão entre a competência para a preparação e o julgamento de um mesmo processo, quer de separação entre a competência para a tramitação da causa principal e o processamento de um incidente ou determinada fase processual, sem autonomia dos autos da causa principal, ou por apenso a estes.
Por fim, o artigo 3.º da proposta de lei em análise determina a sua aplicação imediata, salvaguardando dois princípios fundamentais: o respeito pelo caso julgado formado acerca da competência e a não interrupção de audiência de julgamento já iniciada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para concluir, pode dizer-se que a presente proposta de lei, clarificando as situações que, na prática, têm suscitado dúvidas de interpretação, é bem demonstrativa da atenção que o legislador tem tido, e deve sempre ter, perante a evolução das realidades concretas e o modo como se articula com os normativos instituídos.
Aplausos do PSD.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): -Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar por fazer uma saudação especial ao Sr. Ministro, pessoa que, pela sua qualidade humana, científica e política, me merece o maior respeito e a quem gostaria de, com toda a formalidade que este lugar exige, dirigir uma saudação muito efusiva pela sua coragem política, pela sua coragem cívica e pela sua competência técnica.
A sua coragem política é óbvia, uma vez que faz parte deste Governo, o que é, em si, um acto de coragem.
A sua coragem cívica resulta do seu empenhamento, que já vem de há muitos anos, nas questões públicas do interesse da comunidade. É essa homenagem que lhe quero prestar, sabendo que o facto de estar no Governo não limita essa disposição, mas, pelo contrário, até a poderá potenciar.
A sua competência técnica é óbvia e resulta do longo trabalho feito ao serviço da justiça e dos tribunais.
Dito isto, queria pedir desculpa ao Sr. Ministro e à Câmara do seguinte: por razões que têm a ver com o funcionamento da Assembleia da República, cheguei ligeiramente atrasado, pelo que não tive o privilégio de ouvir a exposição inicial do Sr. Ministro, que me dizem ter sido excelente do ponto de vista geral e do ponto de vista da filosofia do direito.
Talvez não fosse essa a exposição que hoje aqui esperávamos ouvir. Tanto quanto me foi dado perceber, por aquilo que me disseram e por aquilo que li, o Sr. Ministro fez uma exposição globalizante, ou seja, de filosofia global do sistema judiciário português. Permita-me que diga, com toda a simpatia, que foi uma árvore muito frondosa mas com um fruto muito escasso: uma ligeira alteração à Lei Orgânica dos Tribunais. A árvore poderia ter dado sombra para nela se protegerem, destes calores estivais que aí vêm, os males que acometem a nossa justiça.
Sabe V. Ex.ª - e sabe-o porque há muito que trabalha como autoridade especialmente empenhada nas questões relativas aos tribunais - que os tribunais portugueses e a justiça portuguesa vão mal. Vão mesmo muito mal, e de nada vale esgrimir com estatísticas! Não vale a pena que os defensores do não mexer e do não mudar venham dizer, o que é algo extremamente discutível, que a média de demora judicial dos tribunais portugueses não anda longe da média europeia. Esse é um famoso engano, idêntico àquele que ocorre quando se diz que se uma pessoa come um bife e a outra não come a média é a de meio bife para cada pessoa. Não faz sentido! Em Portugal há, de facto, comarcas, áreas judiciais, onde a justiça é, em termos de demoras, perfeitamente satisfatória. No entanto, também é verdade que há outras áreas onde, Sr. Ministro, é urgente intervir. Podemos encontrar essas áreas de norte a sul do País e, por vezes, esse problema até não tem nada a ver com a interioridade e a litoralidade. Tem, sim, a ver com questões que se arrastam há muito tempo.
O Sr. Ministro tem, com certeza, a informação, que lhe veio de pessoas que reputará ou não de idóneas, de que em Portugal a justiça vai muito mal, que não há Estado de direito que suporte a situação de os cidadãos não terem acesso atempado ao direito. Não ter acesso atempado é não ter acesso! Exigir a um cidadão que espere anos para ver resolvida uma questão que em princípio se deveria resolver em poucos meses é recusar-lhe a justiça. Aliás, o Estado Português vê-se frequentemente confrontado com queixas sucessivas no Tribunal Europeu - e penso que no futuro se irá ver confrontado com casos mais frequentes, que seriam perfeitamente evitáveis.
Sr. Ministro, V. Ex.ª, por dever do cargo e por dever da sua experiência, sabe melhor do que eu que são necessárias medidas excepcionais que reponham a legalidade democrática do Estado de direito nos tribunais que têm atrasos médios de, pelo menos, cinco anos. E isso não se pode fazer, Sr. Ministro, com normas ou com reformas como aquela que trouxe aqui hoje. Isso tem de ser feito com uma task force - e utilizo esta expressão não lusitana porque não está aqui a minha colega de bancada Sr.ª Deputada Edite Estrela -, o que em si diz muita coisa, pois é algo criado para uma tarefa excepcional, para um período excepcional, e que depois acaba. É preciso dar aos novos juízes, que assumem o poder judicial, tribunais em dia. Quando se entrega a um juiz uma comarca e ele entra no gabinete e vê processos até ao tecto que estão ali há cerca de 10 anos, é condenar esse mesmo juíz a prosseguir a mesma tarefa.
Outra medida, Sr. Ministro, que lhe sugiro - que não tem a ver com as que constam desta proposta de lei, que, na minha opinião, resolvem casos menores mas não o essencial - é a que diz respeito à estabilidade dos juízes.
Não é possível recuperar o atraso dos tribunais portugueses quando um juiz é nomeado para uma comarca que tem muitos processos em atraso e para onde ele só vai porque não tem outra saída melhor. Quando ele chega lá e tem à sua espera uma montanha de processos para julgar e preparar e sabe que daí a seis meses pode sair, ele não se vai empenhar! Humanamente isso é impossível! Não se pode exigir a esse juiz que se dedique a trabalhar durante meses quando ele está à espera de sair daquela comarca ao fim desse tempo ou ao fim de três meses. Não é exigível! Ele está a trabalhar - passe a expressão - «para o boneco». Ele tem de saber que está a fazer uma tarefa da qual ele próprio vai mais tarde - talvez daí a dois ou três anos - colher os frutos.