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25 DE MAIO DE 1990 2595

uma vez que poderia haver alguma confusão. Isto porque ontem, em sede de conferência de líderes, o presidente do Grupo Parlamentar do PS fez saber das suas preocupações relacionadas com a forma como têm sido colhidas e transmitidas à opinião pública as imagens deste hemiciclo.
Por outro lado, faço também esta intervenção para esclarecer que essa nossa posição tem a ver com as condições técnicas, com a forma como são colhidas as imagens, e não com os critérios de informação subjacentes as notícias que a seguir são transmitidas para o exterior.
Como já aqui foi referido, é verdade que há algumas bancadas que são sistematicamente filmadas de costas - os Portugueses conhecem as costas de alguns Srs. Deputados e não lhes conhecem a cara - e isso é, de facto, lesivo do direito à igualdade de oportunidades.
Por vezes, outras circunstâncias nos fizeram tomar algumas atitudes em relação à televisão. Porém, neste caso, esteve só em vista, não os critérios e a forma como é dada a informação, mas o modo como são colhidas as imagens.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora dar início ao debate da matéria agendada para hoje e que já tive, aliás, oportunidade de referir.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na disponibilidade do recurso ao referendo ficaremos mais aptos e mais ricos. A democracia ganha um novo instrumento; a hierarquia dos órgãos de decisão uma nova cúpula; os cidadãos uma nova dignidade; os poderes um novo factor de equilíbrio; a unidade do Estado um novo factor de presa; a estabilidade política uma nova esperança.
O referendo é um instituto apaixonante. Através dele, o representante devolve o poder de decisão ao representado; o órgão de soberania faz subir a decisão até ao soberano.
Vêm, no entanto, de longe as disputas de escola, arrolando virtudes e defeitos. Uns, na esteira de Rousseau, a partir das utopias ligadas à democracia directa; outros, seguidores de Montesquieu, realçando os méritos do instituto da representação.
A um tempo, os democratas amam-no e receiam-no. Receiam-no, sobretudo, na sua perversão plebiscitaria, como forma de legitimação de um chefe ou de reanimação de um executivo agonizante.
Baseada na soberania popular, por abandono da soberania nacional, a nova República Portuguesa nasceu moldada para a exaltação do referendo. Mas este surgiu com o assento tónico na sua dimensão constituinte e logo empancou na memória do pecado original da aprovação plebiscitaria da Constituição de 1933, agravada pela validação das abstenções como votos positivos. É conhecida essa vergonha.
Também tentada pela validação das abstenções, a Constituição de Weimar equiparou-as aos votos negativos- do mal o menos...
Salazar preferiu copiar Napoleão, que impôs aquele ardil aos Suíços - nem só os bons espíritos se encontram!...
Mais recentemente, De Gaulle, sem equiparações ignóbeis, lançou mão do plebiscito como forma de glorificação pessoal.
Mais cerzida às exigências do Estado de direito, a nossa Constituição não foi por aí. Terá ouvido o grande Proudhon, quando disse que «a ideia do direito é incompatível com o seu exercício obrigatório».
Fiquemos, desde já, tranquilos: neste aspecto, quer o projecto do PS quer o do PSD validam a maioria, imunizando-a contra as percentagens das abstenções ou dos votos brancos, quaisquer que sejam.
Coincidem em muitos outros aspectos, embora noutros divirjam. Prolongam, de certo modo, a carga polémica que sublinha o percurso histórico deste instrumento democrático.
Tenhamos, no entanto, consciência de que o referendo não é uma rosa sem espinhos. De passo que reforça o equilíbrio dos poderes, dá novo sentido à participação democrática dos cidadãos e constitui um privilegiado instrumento profiláctico de crises. Contudo, pode ser também portador de «enzimas» que, em certos casos, podem desestabilizar o sistema.
Tomemos três exemplos.
Primeiro exemplo: em matéria do maior relevo (nuclear, sim ou não; regiões administrativas verticais ou horizontais, muitas ou poucas; Europa assim ou Europa assado), a Assembleia, e sobretudo o Governo, bate-se por uma resposta. O povo, esmagadoramente, sufraga a contrária.
Constitucionalmente, tudo bem. E institucionalmente? E legitimariamente? Com que saúde permanece no seu posto o órgão de soberania desfeiteado pelo soberano?
Segundo exemplo: em matéria de profundo significado ético (o aborto, sim ou não, por exemplo), o povo, questionado, responde num sentido que violenta a consciência de um certo número de deputados ou de membros do Governo.
Como se sabe, a resposta é vinculativa e o órgão de soberania proponente fica adstrito a incorporá-la com escrupuloso rigor no texto da lei, do decreto-lei ou da convenção de que se trate. Aqueles deputados e ministros, em crise de consciência, vítimas quiçá do síndroma de Balduíno, têm de aceitar a violência com a só alternativa da demissão? Com que consequências no plano do regular funcionamento das instituições?
Terceiro exemplo: um governo, ou mesmo uma maioria parlamentar, bate-se por uma resposta, alegando que a resposta contrária violentará a sua consciência. Mas é a resposta contrária que faz vencimento. Em demonstração de que consciência é coisa que lhes não falta, preferem demitir-se a cumprir o mandato popular. O síndroma de Balduíno não é aqui de fim de semana. Que efeito produz a resposta do povo sobre a nova assembleia ou o novo executivo? Renova-se a vinculação? E se, neste caso, se renova a recusa?
Como se vê, mesmo sem extremos de imaginação, são concebíveis situações em que o referendo conduz a efeitos perversos, se não mesmo contrários aos que em perspectiva normal o legitimam.
Estes exemplos ficam a documentar, por um lado, que não convém tentar prever tudo - nomeadamente no capítulo dos efeitos do resultado do referendo sobre os órgãos -, sob pena de se complicar o que se pretende simplificar, e, por outro, que, não tentando, se dá livre curso à vida, sempre tão imaginativa na sua aptidão para criar surpresas.