O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2596 I SÉRIE - NÚMERO 78

Quando uma assembleia legislativa dispõe de dois projectos como os que temos no tomo, extrair deles uma boa lei é um dever reforçado. E dito que fica que considero o projecto dos Srs. Deputados do PSD em muitos aspectos digno de apreço, bastante completo e de bom recorte técnico,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... passo a enumerar-lhe os, em meu entender, defeitos, que, aliás, representam menos erros de execução do que de concepção. Os seus ilustres subscritores, aparentemente, quiseram errar. Não se estranhará, pois, que as nossas divergências sejam mais políticas do que técnicas.
Passando sobre as inúmeras coincidências e sobre as felizes complementaridades dos dois projectos e deixando de lado, por agora, reparos técnicos de pormenor que pertencem à especialidade, entro na apreciação da divergência maior, a qual há-de consistir na manifesta inconstitucionalidade resultante da violação do disposto no n.º 1 do artigo 118.º da Constituição.
Neste se diz que podem ser chamados a pronunciar-se directamente através de referendo «os cidadãos eleitores recenseados no território nacional». Estes, e só estes! - foi a opção do legislador constituinte, como, aliás, decorre da acta dos trabalhos da revisão.
Que faz o projecto dos Srs. Deputados do PSD? Assegura o direito de participação no referendo «aos cidadãos eleitores maiores de 18, anos» (artigo 29.º).
O requisito do recenseamento no território nacional esfumou-se!
Poderia pensar-se que, noutra norma, nomeadamente a relativa ao recenseamento, a exigência seria recuperada. Mas não! O artigo 33.º, a isso destinado, diz-nos:
O recenseamento dos eleitores para efeito de participação no referendo é o recenseamento eleitora] nos termos da respectiva lei.
Ficamos, assim, a saber, que não há um recenseamento separado para os participantes no referendo, diverso do oficioso, obrigatório, permanente e único, em que se baseiam as eleições por sufrágio directo e universal.
Diga-se que nem de outro modo poderia ser. O n.º l do artigo 118.º confere o direito de pronúncia, via referendo, aos cidadãos eleitores -e não a todos os cidadãos - recenseados no território nacional. E o n.º 7 do artigo 118.º manda
aplicar ao referendo o princípio da unicidade do recenseamento, constante do n.º 2 do artigo 116.º
Busca-se e rebusca-se no projecto dos Srs. Deputados do PSD e nem uma só vez se depara com a referida limitação do sufrágio para efeitos de referendo aos cidadãos eleitores «recenseados no território nacional». A omissão é, obviamente, intencional. A inconstitucionalidade é claramente assumida.
Bem pelo contrário, o que se nos depara é a orgia das referências aos «eleitores residentes no estrangeiro».
Fica-se, a pensar: se a inconstitucionalidade é tão patente, por que é assim? Creio que por puro acto de estratégia política. O PSD sabe que o eleitor residente no estrangeiro não pode votar para efeito de referendo. Mas cai uma vez mais na tentação de lhe significar, a ele, emigrante, que é esse o seu íntimo desejo, e que só não votará uma vez mais porque as malvadas oposições a isso se opõem. O PSD confia em que os emigrantes não saibam, ou não recordem, que a Constituição proíbe a sua participação e o seu voto no referendo.
Tudo se torna claro quando se chega ao artigo 125.º, onde se consagra o direito dos eleitores residentes no estrangeiro a votarem por correspondência.
Anote-se que, no projecto do PSD, nunca se referem os cidadãos eleitores recenseados no estrangeiro, mas, apenas, residentes no estrangeiro. Será que toda esta construção vive do engano de que é possível, ou deve passar a sê-lo, residir-se no estrangeiro e estar-se recenseado no território nacional?
Não chegaria sequer a ser bem achado!
Antes de mais porque, nesse caso, o mínimo que se exigia do projecto do PSD era que dissesse isso mesmo! Depois, porque o universo participante no referendo é o dos eleitores, e o recenseamento eleitoral e único. O próprio projecto o confirma: «O recenseamento para efeito de referendo é o recenseamento eleitoral.» Mas este é organizado, como se sabe, por referência à residência habitual do cidadão recenseado - locus regit actum. Nem podia, com realismo e com lógica, ser de outro modo, até porque é assim em toda a parte.
Mais: sempre que se muda de residência, altera-se a inscrição. E altera-se, inclusivamente, por via oficiosa, sob pena de multa!
Imagine-se o absurdo: se o projecto do PSD pretendesse alterar este entendimento e este critério, a alteração passaria a ser a regra, dado que constaria de uma lei orgânica e, portanto, de valor reforçado. À inconstitucionalidade acresceria, neste caso, o terramoto!
O critério do domicílio, como local de recenseamento, foi adoptado por exigências que valem seguramente mais do que as razões que, em regra, se invocam para a atribuição aos cidadãos eleitores residentes no estrangeiro do direito de participação no referendo. É que desenraizar o eleitor ou votante em referendo seria uma vez mais exigir dele que se pronuncie sobre o que desconhece, quer porque vive longe da realidade ou da situação questionada, quer porque, em relação a ele, a campanha de esclarecimento se reduziria, na própria economia do projecto do PSD, à «remessa de documentação escrita».
Para o votante emigrado, reforçado seria o risco de ser analfabeto!
Nesta matéria, de resto, o PSD tem cadastro! É sabido que, em anteriores momentos, tentou fazer passar propostas de idêntico sentido.
Na sequência de uma delas, pude eu afirmar aqui, neste mesmo lugar, «que um bandido com cadastro, um louco, um morto ou mesmo um abexim podiam ser eleitores».
São desse tempo a proposta de criação de um novo círculo eleitoral com o punhado de eleitores dê Macau; a proposta de aumento do número de deputados pelos círculos da emigração; a proposta de pôr os emigrantes a eleger o Presidente da República; a proposta de «atafulhar» de eleitores, até abarrotarem, os cadernos eleitorais dos círculos do exterior, inclusive pondo-os a «promover a sua inscrição por via postal», com total despersonalização da intervenção do inscrito e não menor sacrifício da genuidade da sua inscrição.
Fiz eu então esta profecia, apesar de não ser bruxo:
Não tarda aí a segunda parte deste ardiloso desiderato: a consagração, já' não da inscrição por via postal, mas do exercício do voto por essa mesma via. Será integralizada a consagração do voto por correspondência.