I DE JUNHO DE 1990 2665
singularidade de cada região; alguma, e não despicienda, margem de intervenção na esfera da política externa, facilitando relações com organizações regionais estrangeiras e a participação em estruturas de diálogo e cooperação inter-regional; a garantia da existência de um domínio público regional, que incluirá riquezas essenciais das regiões; a figuração de secções regionais do Tribunal de Contas; o reforço das faculdades-deveres de fiscalização da legalidade pelos deputados regionais, através do recurso para o Tribunal Constitucional; o assegurar nas assembleias regionais de uma maior democraticidade intrínseca, estabelecendo um elenco mínimo de direitos em favor das oposições.
Do que agora curamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta moldura justa e propiciatória, é de estabilizar um ordenamento estatutário para a Região Autónoma da Madeira, numa óptica constitucional e almejando o mais amplo consenso nacional possível.
Como já tive oportunidade de afirmar, a base oferecida pela Assembleia Legislativa da Madeira, caracterizando-se embora pelo abandono de elementos que envenenaram num outrora ainda próximo as discussões havidas entre nós sobre esta matéria, é positiva, mas carece de um atento trabalho de especialidade.
Dianteiramente, perguntar-se-á: «O que é um estatuto? Qual o seu âmbito próprio?»
Sabemos o que não é. Não é uma mini-Constituição para uma parcela do território nacional. Não é uma adaptação da Constituição da República Portuguesa, que é vinculante para todo o território, a uma concreta realidade insular. Não é um diploma híbrido, mesclado de burundanga e de substâncias mal joeiradas, espécime de lugar comum de umas quantas generalidades e outros quantos tropismos de circunstância. Não é um qualquer regulamento, até porque seria ilegítimo cunhar normas dessa índole com o valor reforçado, a estabilidade, a irreversibilidade tendencial que é timbre de um texto como o que aprovaremos, segundo uma tramitação especial.
Tal processo recomenda, pois, prudência, sentido de medida, sob pena de alargamento excessivo das fronteiras estatutárias e correlativa compressão dos usuais poderes dos órgãos de soberania.
Um estatuto, a nosso ver, deve incluir, de forma escorreita, tudo o que seja necessário à boa arquitectura das instituições regionais, suas inter-relações e articulações com os entes soberanos nacionais, bem como os sistemas de controlo e meios de dirimir conflitos de interesses.
A esta luz, opomos seríssimas reservas à inserção, na proposta de lei, de quanto se afigura destinado a produção legislativa infra-estatutária e, por maioria de razão, de inconstitucionalidades patentes ou normas de dúbia constitucionalidade.
Comecemos por estas, em fleumático rastreio. Em primeiro lugar, os artigos relativos à organização judiciária. Não nos parece que seja esta a sede idónea para particularizar o entalhe das vias de réplica a carências conhecidas no tocante a tribunais e a outros equipamentos de justiça na Região Autónoma da Madeira.
O PSD regional terá talvez enterrado as pretensões que, anos a fio, levaram o Dr. Jardim a reivindicar a quebra de princípios gerais e comuns aplicáveis neste âmbito problemático e a multiplicar pressões sobre as magistraturas que exercem funções na Região. Persistem, entretanto, caminhos impróprios, sem prejuízo de entendermos que urge buscar as resoluções concretas, sem que
subsistam suspeições ou dúvidas de nenhuma ordem, para as dificuldades detectadas.
Em segundo lugar, o artigo 14.º, em quanto concerne, no n.º 4, à criação de círculos para a emigração e à alteração do sistema em vigor.
Em terceiro lugar, o artigo 16.º, ao emperrar no requisito da residência habitual na região, como um quid essencial ao reconhecimento da elegibilidade dos cidadãos portugueses eleitores, ao contrário da jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional e sem que alguma vez, nesta Câmara, se tenha deixado de opor uma postura clara e rotundamente negativa a esta intenção.
Em quarto lugar, o artigo 21.º, n.º 3, que retoma uma proposta derrotada na última revisão constitucional, lobrigando fazer competir ao Sr. Presidente da República a abertura solene da primeira sessão de cada legislatura, sendo certo que as normas, actualmente aplicáveis, independentemente de poderem ser melhoradas, respondem, a nosso ver, à problemática de fundo que subjaz à proposta oriunda da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Em quinto lugar, aquilo que qualificaria como um bizarro devaneio presidencialista, constante do artigo 46.º, que, a não ser gralha manifesta, se torna absolutamente risível.
Em sexto lugar, a limitação-denegação do direito de greve, no n.º 6 do artigo 68.º, e, antes dela, a fixação, sem critério discernível, de um salário mínimo nacional da Região Autónoma, cabendo aqui perguntar, ademais, pela lógica que faz preterir a adopção de idênticas medidas para as pensões de reforma, para as remunerações dos funcionários públicos que, do mesmo modo, sendo centralmente definidas pelo Governo da República, aí deveriam consignar-se.
Finalmente, a alínea j) do artigo 70.º e, num meridiano com afinidades, o artigo 75.º, obrigam-nos a proclamar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, e, em especial, Srs. Deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira, que não é este o sítio apropriado para resolver as delicadas questões financeiras madeirenses, resultantes da gestão do Sr. Dr. Alberto João, que reputamos perdulária.
As negociações entre as entidades do Governo regional e do Governo central decorrem. Os jornais dão-nos diariamente notícias delas; só que essas notícias são, por um lado, de segurança dúbia, e, por outro, nascidas à margem da informação correcta, que, ab initio, deveríamos ter na Assembleia da República, uma vez que é aqui que talharemos, na matéria-prima legislativa, e não só, o quadro das dificuldades existentes - todos nós, cada um dos deputados, eleitos seja por que região for, pertencendo seja a que partido seja, porque não faz sentido que, numa matéria de tão alto melindre, se continue um conjunto de conclaves públicos ou ocultos, cuja regra essencial é a obscuridade e a intransparência.
É razoável, numa outra dimensão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o bloco de articulados sem dignidade estatutária. Para lá dos que já mencionei, um tanto de passagem como é típico numa abordagem de generalidade, refiram-se também os artigos 12.º, 49.º n.º 6, 68.º, 69.º, que não é imune a interrogações de teor não meramente formal, e 72.º, entre outros.
Associemos a isto o molhe das imperfeições técnico-redactivas e facilmente se depreenderá da pertinência do qualificado labor que, após a baixa à 3.ª Comissão, se impõe.