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2742 I SÉRIE -NÚMERO 82

dem assegurar a qualidade do ensino na multiplicação de instituições que vai pelo País e que não podem reproduzir o seu corpo docente.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta é a situação real do País. Esta é a situação em relação à qual não se pode fechar os olhos. Não podemos continuar a esconder que multiplicamos o aparelho do ensino para responder à quantidade, mas que é difícil demonstrar que temos capacidade para desenvolver a qualidade de resposta, que é indispensável. Apaziguamos os sintomas, mas não resolvemos a essência do problema.
E quando se diz isto não se está a criticar um governo, um plano ou um programa, está-se a olhar para a situação real da comunidade portuguesa. Uma comunidade para a qual é necessário encontrar soluções e ajudas rápidas para enfrentar um futuro que está extremamente próximo. Penso, aliás, que ele está tão próximo que toda a humildade é indispensável para assumir o problema.
Sinto-me sempre com dificuldades quando alguém me fala em nome de uma geração, porque parece-me um mandato tão pesado que dificilmente vejo quem seja capaz de o assumir. Fico sempre remetido para a humildade do ensino quando alguém pode aparecer como apóstolo dos novos tempos que estão para vir, porque a experiência modesta que eu tenho não é essa. Tenho a experiência de Leibniz, que dizia «se eu consegui ver mais longe é porque subi aos ombros de gigantes». Ele não precisou que aqueles que o antecederam não tivessem estatura. Precisou que fossem gigantes para poder subir aos ombros deles e ver mais longe.
Por outro lado, também me tem acontecido que me encontro na mesma geração de homens que nunca pude ver, morreram há séculos, e tenho dificuldade em encontrar-me na mesma geração de muitos contemporâneos.
Não consigo ter resposta para quem se assume em nome de uma geração. Mas posso ter alguma palavra em nome daqueles que depois são as vítimas de todos os projectos que depois não resultam, isso sim. E em nome desses projectos que não resultam e imaginando uma sessão nesta Câmara dentro de meio século, onde aparecerá alguém a falar em nome da nova geração e a queixar-se das deficiências de toda esta nova época de grandes realizações, eu gostaria de salientar aquele que penso ser o problema mais grave desta nossa luta constante pelo ensino.
Volto à observação que fiz no sentido de que o aparelho do ensino já não responde a uma sociedade orientada por valores e fidelidades verticais. É uma sociedade orientada, cada vez mais, por valores e fidelidades horizontais. Lembro que quando entregamos um jovem ao aparelho integrador do Estado, onde ele vai passar duas dezenas de anos, o ensinamento antigo pensava que o estava a preparar para um lugar que o esperava na sociedade organizada; a licenciatura era um grau que o instalava definitivamente na estrutura social, dava-lhe função, emprego, hierarquia, dignidade e futuro.
Actualmente sabemos - pelo menos os que se dedicam a essa tarefa de ensinar - que a velocidade da mudança da sociedade é mais rápida do que a nossa capacidade de encontrar respostas e que por isso mesmo esse acto solene da vida do estudante que é a entrega do seu diploma de licenciatura hoje só tem um significado: dá-se-lhe licença para estudar sozinho, mas não se garante
que ele esteja habilitado, porque é provável que a sociedade, na qual ele foi integrado durante duas dezenas de anos, já lá não esteja quando ele lá chega! E isso exige uma modificação radical da nossa mentalidade de dirigir, de ser responsável pelos planos, de executar e de ensinar.
Talvez já seja possível dar pela necessidade dessa modificação, mas não creio que haja muita gente preparada para assumir o que exige maior humildade ainda: temos de aprender a ensinar para a incerteza e é por isso que há razão para ter alguma inquietação quando aquilo que nos anunciam, aquilo de que nos informam, aquilo que nos garantem, tudo é baseado em raras dúvidas e completas certezas.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Gostaria de o ouvir sobre o assunto que vou abordar.
Observa-se que os alunos do ensino superior estão e saem dele com um lastimável desconhecimento, já não digo dos pilares da cultura universal, como competiria a um ensino universitário reanimador de uma cultura humanista numa noção interdisciplinar, mas dos expoentes da cultura nacional e dos movimentos que os geraram ou que eles desencadearam.
As infracções linguísticas no que respeita à nossa língua são assustadoras, consequência de um ensino básico viciado pela ausência de técnicas de redacção e de leitura que ministrem o bem escrever e o bem falar, estando este, como nos diz, e bem, a neolinguística, conexado com o saber pensar. A fórmula sagrada de que no princípio estava o verbo não é uma arbitrariedade mítica, mas uma verdade antropológica.
De aberrações gramaticais como a famigerada insistência, mesmo na boca de altos dignitários da Nação, no emprego da proposição «de» ligada ao pronome relativo «que» em construções frásicas que não consentem essa anomalia, estão os nossos ouvidos massacradamente poluídos, consequência de um ensino universitário deficiente em matéria linguística.
E tal é a incultura no nosso ensino de nível superior que, falando eu, noutro dia, na psique a uma aluna de Psicologia, confessou-me ela que não sabia o que isso queria dizer.
Apraz-me tomar conhecimento de que esta manhã, não estando eu presente, defendeu o Sr. Ministro uma noção do ensino que desse lugar ao sonho e à poesia. Tal é a posição dos intérpretes mais modernos dos saberes.
Mas a poesia só por milagre, Sr. Ministro!..., só por milagre telúrico!..., irrompe de terrenos mentais sáfaros em cultura e não vai muito longe. A sua maior dimensão, atingida por um Camões, um Pessoa e um Pascoaes, ensina-nos que a cultura é um material indispensável ao poeta para que o seu pensamento voe em todas as direcções, porque o conhecimento é instrumento da sabedoria.
Para terminar direi que me orgulho de que alunos de uma universidade portuguesa tenham agora escolhido uma frase de minha autoria como lema do seu protesto contra um ensino universitário que repudiam. A frase é a seguinte: «A universidade é o serviço militar do espírito.»
Efectivamente, não vejo que a cultura, que podia iluminar as mentes dos alunos com a poesia e o sonho