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3128 I SÉRIE - NÚMERO 91

O que esta proposta de lei n.º 146/V consagra, efectivamente, é a reconstituição da estrutura latifundiária que a Revolução de Abril havia parcialmente desmantelado. Com ela o Governo empurra o País para o passado, caminhando contra o relógio do tempo.
Enquanto em França e na Grã-Bretanha-apenas dois exemplos - a grande propriedade fundiária foi desmembrada nos séculos XVIII e XIX, em Portugal assiste-se à sua restauração. No nosso pequeno país foram reconstituídos feudos com muitos milhares de hectares e tradicionais famílias de agrários são, outra vez, proprietárias de autênticos condados.
A tentativa de destruição, pela raiz, da reforma agrária envolve um desafio à lógica da história Que conceito de modernidade e progresso é o subjacente a esta proposta de lei, ilegítima, inconstitucional e eticamente monstruosa?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em década e meia de existência, a reforma agrária foi, praticamente, obrigada a lutar cada dia para ir adiante. Sucessivos governos trataram como inimiga a sua gente. Temiam a concorrência de que tanto se fala. Tinham a consciência de que a reforma agrária, pela sua existência e desenvolvimento, carregava um perigo enorme para a velha ordem agrária do Sul. E, contudo, permanentemente agredida, acossada, roubada, sem condições mínimas para se organizar numa atmosfera de paz, a reforma agrária, resistindo para sobreviver, foi afinal o grande motor de mudanças sociais que transformaram na última década a fisionomia das vilas e aldeias do Alentejo. Emerge como o agente da modernidade possível numa época dramática.
Espero que um dia a biblioteca da Assembleia da República reúna as muitas teses de doutoramento inspiradas na nossa reforma agrária e defendidas em prestigiadas universidades da Europa Ocidental, da Sorbonne a Wageningen e Heidelberga. Em quase todas, os autores concluem que dificilmente os. trabalhadores das cooperativas poderiam ter feito mais e melhor no contexto da guerra social contra eles movida pelos detentores do Poder. Não há quem desconheça o que se passou na jornada em que o Caravela e o Casquinha foram assassinados em terras de Santiago do Escoral. Mas milhões de portugueses continuam a saber pouco ou quase nada sobre a violência irracional que ao longo dos anos se abateu sobre cada cooperativa, quase se pode dizer, sobre cada aldeia alentejana a ela ligada.
Saberá o Sr. Ministro da Agricultura o que aconteceu, por exemplo, em Abril de 1980 na aldeia do Sobral da Adiça, no concelho de Moura, quando um bando de agrários, com a cobertura do MAP e de forças militarizadas, invadiu a adega e o lagar da Cooperativa A Vitória É Difícil mas É Nossa?
Srs. Deputados, nesse dia, que ficou na memória colectiva dos sobralenses, os senhores agrários culminaram a sua orgia de violência urinando nas talhas que continham o azeite e o vinho da cooperativa. Foi um gesto definidor da mentalidade do latifúndio.
Saberá o Sr. Ministro que a Fusão de Cooperativas da Volta do Vale, do Couço, hoje destruída, produzia nas suas várzeas mais milho por hectare que os campos de meio Oeste norte-americano? E que nos banos da Terra de Pão, na Salvada, a produtividade do trigo é superior à obtida em muitos países da CEE?
Não é de hoje esta luta e não se diga que a reforma agrária foi obra apenas apoiada por comunistas, embora estes sintam muito orgulho pelo que fizeram e continuarão a fazer em defesa da reforma agrária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta luta vem do fundo da história. As populações do Sul de Portugal tem fome secular de terra para a trabalhar e tomar produtiva. Com a reforma agrária, começou a ser reparada uma injustiça social transparente, até os papas Paulo VI e João Paulo n defenderam em encíclicas, hoje famosas, o direito dos trabalhadores à terra, livres da exploração de proprietários senhoriais. Outra é a opinião do Governo do PSD.
A proposta em debate será aprovada, não tenho dúvidas, mas a reforma agrária vai sobreviver-lhe, por mais estreito e sombrio que seja o túnel para onde a empurram, porque são os trabalhadores e não vós, Srs. Deputados do PSD, nem o Governo quem encarna a defesa de valores e princípios inseparáveis da dignidade da condição humana.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados do PSD: Tendes a força, por ora, mas não a razão. A história condenará a vossa atitude e a vossa lei e fará justiça aos homens e mulheres que, desafiando o impossível aparente, construíram a reforma agrária.

Aplausos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No termo deste extenso debate pareceu-nos ser evidente estarmos perante um assunto que, obviamente, não 6 fácil. Discutimos, anos e anos, um conjunto intrincado de processos, onde não é fácil reparar injustiças que foram criadas, onde não é fácil conciliar os interesses em presença, tão diversos e por vezes contraditórios, e onde não é fácil corrigir distorções. Foi evidente esta dificuldade, perante a qual ninguém tem a mesma opinião. E, não obstante o respeito democrático que tenho pela opinião dos outros, devo dizer que aprofundei cada vez mais a minha convicção acerca do equilíbrio e do bom senso da proposta do Governo.
Esta tem, de facto, na sua base, umas quantas breves opções de fundo: uma opção política clara pelo modelo de privatização da terra; uma assumpção dos compromissos políticos que, ao longo destes anos, o partido que apoia o Governo assumiu, designadamente a estabilidade que conferem aos pequenos e médios agricultores os contratos de arrendamento por prazos que podem ir até aos 19 anos e a possibilidade da venda, com preferência clara a esses mesmos pequenos e médios agricultores, da terra sobrante, aliás, nos termos da Constituição.
Pensamos, portanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que haverá, daqui em diante, com a aplicação desta lei, finalmente, condições para uma estabilidade social nesta zona, para o investimento dos agricultores e, finalmente, para o início de um processo de modernização, que tanto se impõe.
É, pois, um virar de página que, no fundo, corresponde àquilo que está a acontecer em todo o mundo. Veja-se, por exemplo, as propostas existentes na República Democrática Alemã acerca da privatização da terra, do destino a dar às cooperativas estatizadas que antes existiam.