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3278 I SÉRIE - NÚMERO 95

protecção às vítimas de crimes, até à desprotecção dos grupos sociais economicamente mais débeis e desfavorecidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aprofundamento do exercício democrático e da realização do direito é uma tarefa constante, na qual é nuclear a acção do Parlamento. É esse o nosso desafio, que temos condições para vencer!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Assembleia da República discute hoje um importante conjunto de iniciativas relativas ao estatuto e aos poderes do Provedor de Justiça e aos direitos de cidadãos perante este.
O momento é, devemos dizê-lo, a todas as luzes, excelente! Acaba de abrir-se um novo ciclo no exercício do magistério do Provedor de Justiça; é o tempo exacto para reflectir sobre o futuro, para rever ideias, leis, meios e métodos.
Entre nós o Provedor de Justiça é visto, e porventura justamente, como uma espécie de Madre Teresa de Calcutá das liberdades, laicamente sediado na Avenida de S de Outubro, uma espécie de São Jorge que combate o dragão dos abusos e das injustiças com a lança da Constituição e da autoridade ética. Não creio que seja uma visão errada!
Cabe ao Provedor de Justiça, constitucionalmente, ser a voz dos que não têm voz, o guia dos enredados nas malhas da burocracia asfixiante, advogado dos que têm queixas a mais e dinheiro a menos, cavaleiro andante, afinal, da grande causa dos direitos do homem.
Em tomo da figura do Provedor gerou-se, entre nós, uma expectactiva considerável: ele é, em primeira linha, um grande ouvidor. Sabe-se que regista as queixas; ouve, não faz «orelhas moucas» ao que lhe dizem, e isso, em Portugal ou em qualquer sítio, é extremamente importante. Mas ele é, acima de tudo, um promotor de acção: acção de inquirição, de apuramento, de insistência, de recomendação.
Pede-se-lhe constitucionalmente que seja, simultaneamente, investigador, jurista, diplomata, administrativista, mediador, sem se confundir, todavia, com a polícia, com a magistratura, com a advocacia e até com a própria acção parlamentar. Tem como interlocutores os órgãos de soberania - incluindo a Assembleia da República e o Tribunal Constitucional- e toda a espécie de serviços públicos, de empresas públicas, da administração central, da administração regional, da administração local e da administração autónoma.
O que se lhe pede é que seja rápido quanto os tribunais são lentos; seja tão infatigável no combate às injustiças quanto os poderes públicos o são em praticá-las; que esteja acordado quando os outros ressonam sobre dossiers; e que saiba defender os nossos interesses quando eles são atingidos.
Ao quadro de dificuldades que decorre deste mandato constitucional somam-se as que decorrem do facto de a Administração Pública Portuguesa estar, ainda hoje, por reformar e não haver ainda lei da administração aberta - apesar de os diplomas estarem aprovados na generalidade pela Assembleia da República - nem regime jurídico do direito de petição, nem código do procedimento administrativo gracioso, nem reforma do contencioso administrativo, nem clarificação das relações entre o Provedor e as Forças Armadas.
Por outro lado, a complexidade da vida económica e social tem vindo a interpelar por toda a parte os provedores colocando-lhes o desafio do alargamento das actividades a novos campos, como, por exemplo, a defesa do ambiente, a defesa do consumidor, o combate à corrupção, que se toma, inevitavelmente, necessário.
Ocorre também que a mundialização dos problemas faz perfilar no horizonte o projecto de uma espécie de Ombudsman universal, não como utopia kantiana, mas sim como possibilidade, num tempo em que todos os muros caem e a própria grande muralha da China não traça já as fronteiras entre dois mundos estanques.
No caso português, a revisão constitucional de 1989 veio consolidar, para além de qualquer dúvida, a existência e o Estatuto do Provedor de Justiça como órgão autónomo, aperfeiçoando-o em dois pontos cruciais: por um lado, definindo em termos mais consequentes e rigorosos o seu estatuto de órgão independente, por outro lado, estatuindo, de forma inequívoca, o dever de colaboração da administração pública em relação às missões próprias do Provedor.
Creio que a experiência de 14 anos e quatro provedores revela que a instituição se enraizou profundamente entre nós, mas também revela alguns vícios de funcionamento. É altura de trazer aqui alguma reflexão sobre cies.
Em primeiro lugar, o Provedor é lisboeta demais e insuficientemente conhecido dos que habitam o interior e as regiões autónomas. O Provedor desloca-se com facilidade no sector público administrativo, menos no empresarial e tem dificuldades em ultrapassar as muralhas da administração civil. Está bloqueada há sete anos a regulamentação do direito de queixa dos militares perante o Provedor de Justiça e é praticamente irrelevante o seu relacionamento com a instituição militar.
O Provedor tem ainda dificuldade em afirmar-se no terreno das grandes campanhas de sensibilização para a defesa de direitos em perigo, designadamente os direitos de vítimas de crimes, da violência, da violação da legislação laboral, e outros.
O Provedor tem dificuldade em jogar na prevenção e converteu-se, afinal, em instância de resolução de conflitos que são postos em crise pelo bloqueamento dos tribunais administrativos. Está, como todos reconhecem, transformado numa espécie de «tribunal antes do tribunal», numa espécie de instância antes da instância, por força do bloqueamento descomunal e da crise geral da nossa justiça administrativa.
Verifica-se ainda que as recomendações do Provedor à Assembleia da República não têm tido qualquer eco, juízo que abrange todas as recomendações de todos os provedores.
Quanto às recomendações à Administração Pública são uma figura com um êxito escasso e há, pelo contrário, vestígios de uma resistência tenaz ao seu acatamento.
Finalmente, a colaboração entre o Provedor e as autoridades públicas tem revelado sucessivas dificuldades. Por isso mesmo, aliás, a revisão constitucional, como referi, teve ocasião de dar dignidade constitucional ao dever de colaboração. Trata-se agora de extrair todas as consequências dessa nova norma da lei fundamental.
É, pois, neste quadro que devemos inserir a reflexão sobre a iniciativa apresentada pelo PS quanto à revisão do Estatuto do Provedor de Justiça. Diga-se, desde já, que o projecto de lei apresentado pelo PS adianta alterações para