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14 DE JULHO DE 1990 3599

Não descreverei este diploma, o que já foi feito por oradores que me antecederam e tombem pelo Sr. Secretário de Estado, mas, para terminar, quero deixar três observações críticas relacionadas com o espírito desta convenção.
A primeira observação diz respeito à inexistência, em Portugal, de colectividades regionais. Ora não só a ideia destas cabe nesta Carta Europeia da Autonomia Local, como, do meu ponto de vista, decorre do princípio da descentralização, consagrado no artigo 4.º deste documento.
Em Portugal, esse princípio da descentralização implica que além do município, como realidade privilegiada, haja também a região, como receptáculo de poderes descentralizados do Estado, para colectividades mais próximas da população, dos espaços económicos, das culturas e das entidades locais e regionais.
A segunda observação crítica tem a ver com recursos financeiros.
É verdade que as autarquias portuguesas gozam de autonomia financeira; todavia, os recursos postos à sua disposição suo diminutos. Na verdade, a dotação de 4,5% do Orçamento do Estado, de que dispõem, é uma fatia exígua daquele Orçamento.
Ora um caminho de descentralização e de reforço das autonomias locais passa, necessariamente, pela transferencia de maiores recursos financeiros para as autarquias, acompanhada das correspondentes competências e atribuições. Não se trata de proceder a transferências de recursos de forma abstracta, para serem esbanjados ou para criar empolamento burocrático, mas sim para as autarquias locais poderem desempenhar tarefas com maior eficiência e em maior proximidade das populações.
Finalmente, a terceira observação relaciona-se com aquilo a que pode chamar-se a tentação de todos os governos, particularmente deste - não serei tão radical como a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo -, em interferirem no exercício dos poderes e das competências das autarquias locais. Essa tentação controlaria, tutelar, é algo que nos inquieta e preocupa. Daí também o efeito preventivo e pedagógico desta Convenção.
Quando me refiro àquela tentação, não estou a falar apenas por falar, nem a fazer criticas na «estratosfera». E que aquilo a que me refiro manifesta-se por uma tentação de fazer inquéritos, inspecções injustificáveis, como mero instrumento de luta política.
Na verdade, em casos recentes que me dispenso de citar, o próprio partido governamental tem tido a tentação de recorrer ao Governo, apelando para que este faça uso dos instrumentos tutelares sobre as autarquias locais. Quando assim é, há uma nítida perversão dos códigos da ética democrática e do espírito desta Convenção.
É contra esta tentação de abusar dos poderes de tutela, de fazer interferir luta política naquilo que é normal na tutela das autarquias, que, ao terminar a minha intervenção, quero deixar-vos este alerta e esta advertência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Encontra-se presente a esta Câmara a proposta de resolução n.º 237 V, que aprova, para ratificação, a Carta Europeia da Autonomia Local.
A referida Carta, autêntico hino e consagração ao poder local europeu, foi aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa, em 15 de Outubro de 1985, durante a 20.º Conferência Permanente dos Poderes Locais e Regionais da Europa e de imediato assinada por Portugal.
Trata-se do primeiro jurídico de nível intencional que consagra a autonomia do poder local e da efectiva participação dos cidadãos nas principais decisões que a- eles directamente interessam.
Reconhece a Carta Europeia da Autonomia Local que as autarquias locais são um dos principais fundamentos dos regimes democráticos, que é a nível local que pode ser mais directamente exercido o direito dos cidadãos de participarem na gestão dos assuntos públicos e que essa possibilidade consubstancia, também, a existência de uma administração simultaneamente mais eficaz e próxima dos cidadãos.
O poder local português, na melhor tradição do municipalismo, arejado e renovado na esteira da Constituição de 1975 e das eleições autárquicas de 1976, e tendo presente, igualmente, o enorme esforço participativo, que de si tem dado milhares e milhares de autarcas das assembleias de freguesia à câmara municipal, tem, necessariamente, de rever-se nesta Carta Europeia de Autonomia Local. Aqui se encontram princípios e conceitos muito caros aos nossos autarcas e a algumas das suas estruturas representativas, como a adequação das estruturas e meios administrativos as funções das autarquias locais, as condições do exercício das responsabilidades ao nível local, o âmbito da tutela administrativa, os meios financeiros disponíveis e o direito de associação das autarquias, entre outros.
Pelas razões expostas, o Partido Renovador Democrático apoia vivamente a ratificação da Carta Europeia da Autonomia Local e, igualmente, esclarece que, em sua opinião, não existem motivos suficientemente fortes para se manter a formulação de reservas ao artigo 9.º, n.º 3, da Carta.
Como tal, daremos, naturalmente, o nosso voto favorável.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O S r. f Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de ser curioso verificar que a mesma maioria que, ontem, exaltantemente aplaudiu a intervenção desta Assembleia da República para proceder aos inquéritos relativamente ao exercício dos poderes de duas câmaras municipais, aplaude, hoje, com o mesmo fervor a Carta da autonomia dos municípios portugueses.
Alguma coisa está mal, portanto. Isto é, não se percebe bem como é que, ao felicitarem-se por esta autonomia que a Carta recomenda, os mesmos Srs. Deputados também vão votar favoravelmente a maior interferência do orgão soberano Assembleia da República no sentido de instaurar inquéritos a actos realizados no uso da autonomia das câmaras municipais.
Em segundo lugar, devemos dizer que, para nós, portugueses, esta Carta traz muito pouco de novo. De facto, a nossa Constituição e a nossa legislação, interna estão muito próximas desta Carta e, nalguns aspectos, até a ultrapassam.