1384 I SÉRIE -NÚMERO 42
O fenómeno desportivo não pode, no entanto, ser excepção. Devem ser tomadas medidas tendentes a prevenir e punir as manifestações de corrupção associadas ao desporto, mas não se podem fechar os olhos - como faz o Governo na maior parte dos casos - perante situações indiciando fenómenos de corrupção, detectadas em diversos domínios da vida nacional e envolvendo, em alguns casos, serviços e responsáveis pela Administração Pública.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A atitude do Governo e do PSD perante o fenómeno da corrupção no nosso país não é digna de servir de exemplo edificante. Sc no que se refere ao fenómeno desportivo o Governo acordou tarde, sectores haverá em que ainda ressona ruidosamente.
No momento em que exprimimos a nossa concordância de princípio em relação à necessidade de combater - inclusivamente com recurso à via punitiva - a corrupção no fenómeno desportivo, consideramos como um imperativo deixar aqui a nossa veemente chamada de atenção para outros fenómenos que envolvem casos de corrupção.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Considerando agora, em concreto, o pedido de autorização legislativa em apreciação, e expressa que foi a nossa posição de princípio, importa assinalar-lhe alguns reparos sobre aspectos do seu conteúdo que não podemos, de forma alguma, considerar secundários.
No preâmbulo da proposta de autorização legislativa afirma-se o seguinte: «A luta contra a corrupção no fenómeno desportivo há-de desenvolver-se segundo dois modos complementares: a prevenção, através da formação e educação dos agentes desportivos e, como último limite, a via repressiva, pela definição dos comportamentos lesivos e das respectivas sanções.»
Pois bem, o Governo propõe-se legislar sobre o último limite e quanto ao primeiro propõe zero! Se é verdade que a penalização pode ter efeitos preventivos, ela não pode dispensar nem substituir a adopção de medidas preventivas. O Governo, porém, vai pelo mais simples: propõe que se reprima e os outros que previnam! O Governo reconhece que «deve atribuir-se particular relevo à escolha e desenvolvimento das acções de índole preventiva», mas não se propõe desenvolver qualquer acção a esse nível.
Mas, dirão os Srs. Deputados do PSD, o Governo propõe a criação de um Conselho de Ética Desportiva.
Respondemos não saber de que órgão se trata. A proposta de lei, para além do nome, pouco mais adianta. Não se sabe se o dito Conselho será composto pelo Ministro da Educação e respectivos Secretários de Estado, se integra ou não representantes das federações ou de quaisquer entidades ligadas ao fenómeno desportivo ou se é composto por personalidades independentes, a contactar pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nos merece séria discordância a previsão da aplicação de penas acessórias aos agentes dos crimes previstos na proposta de lei, que podem consistir na suspensão temporária ou mesmo, em alguns casos, na interdição definitiva da participação em competições desportivas ou do exercício de funções ou actividades desportivas por árbitros ou dirigentes.
Partindo do princípio óbvio - de que a proposta de lei também parte - de que o exercício da acção penal pelos crimes previstos no próprio diploma não prejudica as providências, nomeadamente de natureza disciplinar, previstas nos regulamentos das federações desportivas e a competência própria dos respectivos órgãos, não pode vir o legislador prever a aplicação, pelos tribunais comuns, de sanções, que devem competir, em exclusivo, às instâncias federativas competentes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A presente proposta de lei, tal como se apresenta, não presta bom serviço aos objectivos que proclama. Está tecnicamente incorrecta, é omissa em aspectos fundamentais e encobre largas margens de discricionariedade governativa. De aproveitável fica só o propósito declarado de combater a corrupção, que, quando e onde ocorre, mancha e desvirtua o fenómeno desportivo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O fenómeno desportivo está a precisar de levar uma grande volta. A avaliar pelo que se ouve e sobretudo pelo que se lê, constata-se a existência de um autêntico bas-fond com laivos próximos de gangsterismo e com contornos que qualquer família mafiosa não enjeitaria. Desde casamentos feitos à pressão com vista à naturalização formal de um qualquer estrangeiro, que é preciso tomar português para cumprimento dos limites percentuais de nacionais nas equipas, a actos notórios de corrupção do mais qualificado quilate e a manobras de bastidores tendentes a criar aparelhos que façam dar o toque de legalidade às mais inconcebíveis manobras, de tudo um pouco tem existido no domínio da competição desportiva.
Parafraseando Frei Bartolomeu dos Mártires, desassombrado bispo bracarense, afirmaria que o desporto de competição está mesmo a precisar de uma desportivíssima reforma. As sequelas da situação existente atingem já tal dimensão que começou a diminuir o número de espectadores nos estádios, absolutamente enojados com o estado a que se chegou.
De vez em quando e para iludir lá se fabrica uma vítima, mais ou menos responsável, mantendo-se contudo intactas todas as estruturas profundamente viciadas.
Se é verdade que, noutros tempos, os candidatos a dirigentes safam do grupo de pessoas de boa vontade e de empenhamento na vida comunitária, passando depois a aparecer o grupo dos que buscavam no desporto a afirmação social que a riqueza obtida apressada e talvez nebulosamente não lhes garantia, hoje constata-se o império dos que pretendem obter proventos de outro tipo. E quando começa a afirmar-se o primado dos interesses económicos, abre-se a porta para o vale tudo que envergonha muitos cidadãos honestos que ainda existem a nível dos dirigentes desportivos mas que, desiludidos e angustiados, se vão afastando. Pena é que, no meio de tudo isto, se vilipendiem valores fundamentais, se fira a dignidade pessoal e se destruam os legítimos ideais da juventude, que deseja certamente praticar desporto, enquanto valor formativo, e mesmo ganhar a vida, enquanto profissionais, de forma digna.
Perante este quadro, urgia fazer qualquer coisa. De facto, não bastam as recriminações mais ou menos fundamentadas, as críticas e as denúncias das situações detectadas.
Neste contexto, cumpre-me saudar a proposta de lei n.º 174/V, que pretende autorizar o Governo a definir e qualificar como crimes comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da competição desportiva. Acresce ainda o facto, louvável também, de, neste caso, o pedido