15 DE FEVEREIRO DE 1991 1381
Mas seja por que razão for, pareceu-me que estas penas de três e quatro anos de prisão vão contra esta tendência, que já é uma tendência actual da legislação e do direito português de excepcionalidade de penas de enclausuramento ou penas de prisão e, principalmente, de penas de longa duração.
O que é que levou o Sr. Ministro da Educação ou o Governo a remar contra a maré, digamos assim, desta orientação, para consagrar neste diploma penas tão duras, em vez de ir por fases, isto 6, só aplicar essas penas em casos lealmente muitíssimo excepcionais, começando por multas muito fortes, multas que pudessem remediar o mal, que 6 a falta de ética desportiva.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Sr. Deputado Narana Coissoró sabe, o direito penal é referido a valores. É um direito de dimensão ética que procura na dosimetria das penas ajustar a punição à densidade do valor violado.
Tínhamos no sistema penal português apenas o crime de corrupção para funcionários públicos, entendendo-se que apenas quando o agente activo da corrupção exercia uma função pública o direito penal devia intervir, considerando que o valor violado era um valor de dimensão justificativa da intervenção desse ramo do direito.
O Governo, ao vir estender o crime de corrupção à prática desportiva, assume uma posição fundamental, não a ler-se pela negativa mas a afirmar-se pela positiva. Significa isso que o Governo eleva a prática e a actividade desportivas à natureza de interesse público e, portanto, àquilo que, no fundo, viola a ética da prática desportiva a um valor merecedor da dignidade jurídico-criminal.
Simplesmente, o Governo entendeu não dever elevá-lo a tal ponto que considerasse as penas previstas pelo actual diploma ao mesmo nível das que estão previstas no Código Penal para a pena de corrupção praticada por funcionários públicos.
As penas previstas no diploma que agora está em apreciação são inferiores às que o Código Penal prevê para a corrupção por funcionário público mas são, por outro lado, suficientemente elevadas para garantir a resposta penal àquilo que se considera ser a densidade do valor violado nestas circunstâncias.
Para terminar, limito-me a chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto de que a tendência da criminologia moderna não é tanto para reduzir as penas longas de prisão mas, sim, para evitar as penas curtas de prisão, sendo que os sistemas alternativos que o Código Penal prevê, e o diploma não exclui, podem permitir que, embora na medida abstracta da pena, ela tenha uma medida máxima elevada, o funcionamento entenda, caso concreto, que a pena aplicada seja ajustada a cada facto cometido à culpa do agente e, portanto, seja, em concreto, uma pena reduzida.
Portanto, isto significa que iodas as considerações foram tomadas em conta na elaboração deste diploma. A dosimetria da pena está prevista já na filosofia daquilo que virá a ser a revisão próxima do Código Penal. Assim, eu chamaria a atenção para um aspecto importante, que fica de vez resolvido neste diploma, isto é, a questão da alternativa entre pena de prisão e pena de multa.
O Código Penal actual manda aplicar penas de prisão e multa mas, como ele virá brevemente a ser revisto -se conseguir o beneplácito desta Câmara-, colocam-se as penas em alternativa, ou seja, pena de prisão ou multa. Ora, no caso concreto já está feita a previsão da pena de prisão ou multa, portanto creio que, por esta via, se responde à interpelação de V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.
O Sr. Miranda Caiba (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 174/V, através da qual se pretendem criminalizar comportamentos, acções ou omissões contrários aos princípios da ética desportiva com o fim de alterar a verdade, lealdade e correcção da competição desportiva ou seu resultado mereceu de um reputado penalista, o Professor Figueiredo Dias, em recente entrevista concedida a um órgão de comunicação social, o comentário de que, a ser aprovada tal criminalização, seria mais uma das originalidades portuguesas no campo do direito penal.
Também nós, pelas razões que adiante se enumeram, vemos com preocupação a aprovação desta proposta com cujo sentido, fundamentação e alcance não podemos estar de acorda
Em primeiro lugar, esta proposta constitui mais um passo grave, e grave no sentido de, claramente, se publicizar a actividade desportiva bem como as federações desportivas que organizam. Isto é, o Governo pretende enredar o movimento associativo desportivo num largo emaranhado de leis, regulamentos e normas, subtraindo-lhe competências que lhe são próprias, transferindo a problemática desportiva do campo do direito privado -onde, naturalmente, tem assento - para o campo do direito público com a consequência de que a sociedade civil desportiva tem cada vez menos espaço de manobra e autonomia e vê cada vez mais constrangida e reduzida a sua capacidade de intervenção.
O Governo sabe que, sob pena de a sua proposta de lei vir a ser declarada inconstitucional, não pode criminalizar comportamentos que decorram em qualquer competição desportiva, por isso no preâmbulo da sua proposta vem referir que apenas visa a actividade desportiva que se apresenta organizada, regulamentada e exercida através dos organismos que, por qualquer modo, detenham competência nesta matéria, ou seja, organizações desportivas oficiais. Fica-se, assim, a saber que para o Governo há organizações desportivas oficiais. Mas quais são? Não o diz a proposta de lei.
Atente-se agora no projecto de diploma que acompanha esta proposta e pela leitura do seu artigo 1.º fica-se a saber que o diploma se circunscreve à actividade desportiva organizada por organismos desportivos oficiais, os quais são, justamente, os que organizam as competições desportivas oficiais. E é bem de ver as competições desportivas oficiais são aquelas que, por sua vez, são organizadas pelos organismos desportivos oficiais.
Não se conclua aqui que houve apenas falta de rigor jurídico ou falta de escrúpulo na preparação do diploma... Este tipo de abordagem do problema tem outra razão de ser. É que a presente proposta é cópia de uma lei que apenas existe num país -a Itália-, e o Governo sabe que não pode transpor para a realidade portuguesa essa lei italiana e não pode fazê-lo pela razão muito simples de que a Itália é o único país do mundo em que as federações desportivas são, por força da lei, órgãos de uma pessoa colectiva de direito público-o Comité Olímpico Nacional Italiano-e. por isso mesmo, são igualmente consideradas como pessoas colectivas de direito público.