19 DE JUNHO DE 1991 3161
supérfluo feérico, na incúria, no pauperismo, num fluir contristante dos frutos da razão acrílica. Impulsão insubstituível para transformar destinos e felicitar o homem, na insubmissa criatividade -não secundarizável face à justeza da preservação das obras do passado - e na habitação dos lazeres, vemo-la, pelo contrário, a predeterminar políticas (económicas, sociais, ambientais, de investigação tecnológica) e a gerar o renovo.
Isto é: a agir inversamente ao modelo conservantístico do PSD!
É, porventura, ocasião de lembrar que não defini da nossa atitude de oposição e enunciação programática qualquer proposta que se acantone no reivindicativismo quantitativista, tudo pressuponha nascido do Estado, considerando inerte uma comunidade que deu provas de dinamia, designadamente associativa, com que o Governo ido se sintoniza. Preconizamos, sim, a gramática da Constituição da República, que, ao acolher a vitalização dos mercados, não desobriga os poderes públicos de peculiares deveres. Está o Executivo vinculado ao desígnio de conceder os meios para a criação e a fruição culturais, a elas induzindo um generalizado acesso, não se compadecendo com os arquipélagos de ácido abandono ou gritante insubsistência. Terá de ser ele, e não somente numa óptica residual e estritamente complementarista, a corrigir assimetrias, a diminuir -até à sonhada solvência - os pesados débitos que, neste domínio, os Portugueses sofrem. Não será esta uma das vias dilectas, na era da integração europeia, para a proclamada defesa das nossas identidade e independência nacional?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Isto dito, cabe ainda um olhar particularizante - que, no decurso da interpelação, a bancada do PCP retomará- sobre áreas mais indisfarçavelmente em crise.
O catálogo de governação de Santana Lopes, para um quadriénio que acabará em 94, bradava a indeclinável prioridade da salvaguarda do património. Que se fez, entretanto? O IPPC foi praticamente desmantelado e há quem o vá percebendo como um cadáver adiado que nem sequer procria.
A margem de montantes básicos, incumpre protocolos, exime-se, por inércia ou obscuros desideratos, a intervir onde a lei lhe exigia um especial zelo, sucumbe ante o surto de seres com competência paralela -como é o caso do Conselho Superior para a Defesa e Salvaguarda do Património - que se devotam a um labor pontual desinserido de uma qualquer lógica coordenada. As obras previstas para o Museu Nacional de Arte Antiga são insignificantes; o Museu de Arte Popular não foi revitalizado, existindo em situação de quase clandestinidade após a extinção que se lhe decretara; o Museu da Criança, muito discutível, não se lobriga; a recuperação do Palácio da Ajuda e zona envolvente acha-se estacionada na indefinição-e não se detecta explicação credível para os factos danosos a que, nesta Casa, em devido tempo, aludi; o «prodígio» de Sagres sente-se acometido de paraplegia irremível; os prémios D. Fernando são burundanga sem lastro; o propósito de ligações do Terreiro do Paço à Ribeira das Naus não era, claro, para levar a sério... Enquanto isto, valerá a pena evocar o descaso ante a degradação de edificações, de espécimes arqueológicos ou etnográficos, das modestas e honrosas pedras que são, «na minha aldeia», «maiores do que o Tejo»?
Os museus, por seu turno, matam uma outra vez, por exangues de recursos pecuniários e humanos, os acervos que contêm. Outro tanto se dirá dos arquivos -de que as normas legais de utilização teimam em tardar! - e das bibliotecas, do decréscimo de implantação da rede Bibliopólis, da ausência de um plano de incentivo à leitura. Acresce indagar: porque se insiste na iniquidade de compelir as destinatárias do depósito legal ao pagamento dos portes, destroçando as suas magras disponibilidades?
O artesanato é um reino que a SEC ignora, a que nem sequer manda uma «saudade roxa»... Para quando a lei quadro e o estatuto do artesão, as monografias que urgem, a revisão do actual perfil dos certames, o alargamento aos seus criadores do previsto no artigo 45.º da legislação dos benefícios fiscais, cuja revisão, advogada, de há muito, pelo PCP, não vislumbra eco na maioria PSD, apesar de irrecusável?
E alguns feixes telegráficos, mas relevantes, de interrogações:
Primeiro: onde poderemos descortinar as novas livrarias, florindo pelo Portugal menos abastado, prometidas a folhas 15 do opúsculo que, modestamente, se designou «Os anos de ouro» da cultural! Quando se instaurou o princípio do preço fixo para o livro? Em que momentos da RTP alaranjada se visiona a divulgação de títulos e autores? Que medidas de suporte à edição, além dos convénios celebráveis com o IPLL, demasiado consumidos por trabalhos de circulação restrita?
Segundo: em que data nos veremos a braços com a declarada avalancha de orquestras por numerosos municípios, à medida que a Régie Sinfonia agoniza, se subavalia e inviabiliza a do São Carlos, desconsiderando os seus trabalhadores, depois da destruição das Sinfónicas da RDP? O que intenta com a ameaça de privatização do nosso único teatro de ópera ou a sua transfiguração em empresa comercial? Que garantias de avigoramento indispensável da Biblioteca Básica?
Terceiro: o Festival Internacional de Teatro, que, diferentemente do anunciado, só ocorreu em Lisboa, no Porto e em Évora. O que ficou dele, para lá do vistoso improdutivo? A que se circunscreve a reabilitação de espaços? Que apoios foram ou serão prestados às companhias portuguesas proscritas - e muitas se conhecem? Os subsídios de montagem teriam de ser públicos até 15 de Maio. Em que mês concreto parou o seu calendário, Sr. Secretário de Estado? O senhor sabe -de passagem enuncio uma irónica curiosidade- que o mais oneroso e evoluído equipamento de iluminação com que funcionam, entre nós, os grupos profissionais é o que, por exemplo, em Inglaterra nem para os amadores se reputa óptimo?
O Teatro D. Maria degrada-se, no entretanto, com insustentáveis disfunções. Travestido de «salão de festas» da SEC, carrega aos ombros uma gorda burocracia dirigente e orgânica, dinheiros parcos, níveis baixos de produtividade, infra-aproveitamento de actores, escolhas questionáveis de repertório, um corte irresponsável com os agentes teatrais disseminados pelo País. Que correcções se introduziram com real impacte? Apetece replicar, sem maniqueísmos: provavelmente nenhumas!
Quarto: diagnosticados os males que afectam o cinema português, a montante e a jusante da produção, vive-se de providências casuísticas, desenquadradas e polémicas. Assinala-se a panaceia da abertura a entes privados de um terço do capital social da Tobis; mas desconhecem-se diligências de fundo, verbalizadas e nunca prosseguidas, para inverter os caminhos de atenuamento drástico do público, de encerramento de salas, de dramática frugalidade no assistir ao surto do empenho e renovação este-