19 DE JUNHO DE 1991 3163
Assembleia, de um Museu de Literatura. Ora esse museu está desactivado, a sua direcção foi proibida de aceitar espólios ou ofertas e o seu edifício está, em grande parte, ocupado por uma comissão de arquitectos do IPPC. Na área teatral, é de assinalar a continuidade do FITEI e a realização recente de um festival de teatro infantil, mas a verdade é também que três grupos teatrais, com certa experiência, foram paralisados por falta de apoio e que uma já velha aspiração, a da compra do Teatro de São João, apesar de festivamente anunciada em toda a imprensa, não se concretizou ainda nem está inscrita no Orçamento do Estado para 1991 a verba que seria necessária para tal aquisição.
Apesar da sua precursora história cinematográfica e da sua boa tradição cineclubista, o Porto não dispõe de uma cinemateca, o que significa que os seus cineclubes e outros interessados não tom condições para constituírem-
se em alternativa ao mau cinema comercial, quase todo dependente de empresas distribuidoras. E apenas mais dois apontamentos exemplificativos: o Museu de Etnologia encontra-se em avançado estado de deteriorização, sem que lhe sejam atribuídas verbas que permitam recuperá-lo, e o Arquivo Distrital do Porto tem instalações de há muito ultrapassadas, que criam dificuldades ao cumprimento das suas funções e põem até em risco documentos de grande valor. Imaginem, Srs. Deputados, que conforto pode trazer para esta situação, que me limitei a exemplificar, a construção de um centro cultural em Belém num montante da ordem de algumas dezenas de milhões de contos.
Passo agora ao meu segundo ponto: perspectivas da Associação Portuguesa de Escritores.
Um dos sectores culturais mais notórios, mas também mais carecidos de atenção, é o da literatura portuguesa. Ao longo de mais de sete séculos e meio, a produção literária tem sido um dos mais notáveis títulos de identidade nacional; no entanto, as limitações de dimensão demográfica e, sobretudo, de nível geral de vida e cultura têm condicionado aquela profissionalização editorial, que nos tempos modernos constitui uma condição necessária da criação de fôlego. Raros são aqueles que hoje, em Portugal, se arriscam a viver só da sua pena, porque, inclusivamente, a colaboração regular nas publicações periódicas, recurso fundamental de sobrevivência para os nossos autores do século XIX, perdeu quase toda a sua anterior importância no jornalismo actual. Para defender os direitos morais e materiais dos escritores foi, nos anos 60, fundada a Sociedade Portuguesa de Escritores, hoje Associação Portuguesa de Escritores, que se debate no seguinte círculo vicioso: o nível de profissionalização do escritor português não permite que adquira a necessária eficácia uma instituição que, entre os seus principais objectivos, conta o de contribuir para uma efectiva profissionalidade daqueles que para ela estejam vocacionados. Nestes termos, a APE tem de viver na dependência de subsídios da SEC e de entidades mecenáticas; só que, além de insuficientes, tardios e incertos, estes apoios estuo mais ou menos condicionados pela realização de acções imediatas ou imediatamente visíveis. Daí que a APE apenas seja publicamente conhecida pela instituição de prémios e pela realização espaçada de congressos.
Tenho certa e difícil experiência da gestão da APE e sei que, nas actuais condições de manutenção básica, é impossível romper o referido círculo vicioso. Por exemplo, já, com apoio do Instituto Português do Livro e da Leitura, se tentou a organização de contactos convenientemente programados e preparados de escritores, solicitados por escolas, organismos autárquicos, bibliotecas e outras associações. Quem tenha algum conhecimento sabe a relevância que estas iniciativas, geralmente realizadas de um modo avulso e improvisado, podem assumir, sobretudo em terras onde um colóquio com um escritor conhecido constitui um acontecimento local. No entanto, iniciativas desse género -e várias se tentaram! - revelaram-se inexequíveis para a APE, porque exigem uma base logística permanente que o actual nível de quotas e de subsistência não permitem.
Há uma solução viável, e, pelo menos, adequada, às circunstâncias portuguesas, que há já meio século eslava na base que levou à criação da Sociedade ou Associação de Escritores e que chegou a ser aprovada, em 1981, por uma comissão especializada desta Assembleia da República: a retenção de uma baixa percentagem sobre a edição de obras caídas no domínio público a favor de um Fundo Literário co-administrado pela Associação, ou por associações, de Escritores, pela SEC e pela Associação de Editores e Livreiros. Eu sei que a APEL resiste a uma solução deste tipo, talvez, em parte, porque isso incidiria sobre uma questão também importante e por resolver: a questão da verificação das tiragens editoriais! Penso que a SEC poderia desempenhar um importante papel de mediação entre as justas aspirações dos escritores e os interesses dos editores; sobretudo, penso que uma das melhores homenagens que poderemos prestar a Camões, Camilo, Eça, Pessoa - e tantos outros autores que viveram, em geral, nas maiores dificuldades e que hoje constituem as melhores fontes de lucro editorial - seria a de utilizar uma, aliás, pequena fracção da venda das suas obras para que a Associação Portuguesa de Escritores pudesse, autónoma e eficazmente, contribuir para o melhor conhecimento nacional e internacional, para o melhoramento das condições de trabalho literário e para um esquema mínimo de segurança social do escritor profissionalizado, que seria mais decoroso funcionar a esse título do que, como actualmente acontece, a título de subsídio oficial por um Fundo de Fomento Cultural, o que implica a desnecessária publicidade dos nomes dos seus beneficiários.
Comportamento tipicamente criticável da actual Secretaria de Estado da Cultura é aquele que se relaciona com o acordo ortográfico entre Estados de língua oficial portuguesa. Como se sabe, o texto foi assinado antes que fosse do conhecimento público, antes que fosse sequer conhecido pela Comissão Nacional que criticara severamente o anteprojecto do texto - texto que, com excepção de um resumo apresentado em conferência de imprensa pelos académicos responsáveis, se manteve secreto até para o próprio coordenador da CNALP, que dele só teve notícia através da Assembleia da República. Não posso deixar de, pelo menos, lembrar alguns factos graves decorrentes desse procedimento precipitado e antidemocrático. Em primeiro lugar, no mesmo dia em que o Acordo era aprovado por esta Assembleia da República, um dos dois responsáveis signatários do Convénio de Paz em Angola declarou, em Coimbra, que se oporia à sua execução nesse seu país. Por outro lado, o texto contém erros que exemplifiquei em diversas circunstâncias e que, num colóquio realizado nesta mesma Casa, foram reconhecidos pelo próprio Professor António Houaiss, embora a título de lapso, título cujo eufemismo poderia facilmente demonstrar; além disso, coisa em que