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19 DE JUNHO DE 1991 3189

Sirvam de exemplo o Museu de Soares dos Reis e o Museu de Etnologia. No primeiro, um responsável declarou, para quem o quis ouvir, que «quase todos os anos são retiradas as verbas prometidas ao Museu». O que se torna mais grave, sabendo nós que as verbas via PRODIATEC ainda não foram aprovadas pela comissão competente da CEE. No Museu de Etnologia, para além dos objectos guardados em condições precárias, o tecto ameaça ruir a qualquer momento e o risco de incêndio é uma realidade.
Para o Centro Cultural de Belém, os contribuintes pagam um excedente de 12 milhões de contos. Por falta de previsão e incompetência do Governo estraga-se no Centro Cultural de Belém o dinheiro que faz falta, muita falta, nos museus, em São Carlos, na recuperação do património. No IPPC fala-se de crise «sem precedentes». Sempre a mesma causa: «desvio de verbas para outros fins».
No Instituto Português do Livro e da Leitura suspendeu-se todo o programa de apoio à presença do livro português em África, designadamente as feiras do livro de Cabo Verde, Angola, São Tomé e Guiné-Bissau. Mas houve dinheiro, e muito foi, para, no l.º de Dezembro de 1990, Cavaco Silva e Santana Lopes irem a Vila Viçosa - cito - «comemorar a memória e exaltar a identidade». Melhor fora que o dinheiro fosse aplicado em livros para as bibliotecas municipais e escolares. Ficaríamos com mais memória do passado e mais identidade para o futuro.
Estes, Srs. Deputados, são alguns exemplos do estado dos organismos dependentes da Secretaria de Estado da Cultura. O que custa, acima de tudo, é que, para onde quer que se olhe, não se vislumbra uma proposta credível, uma medida adequada, a procura de soluções. Só autoritarismo, capricho, megalomania.
O panorama é desolador. A agitação, os conflitos, a instabilidade profissional e psicológica são o pior inimigo da actividade artística e criativa. Toda a gente sabe isso, menos o Secretário de Estado da Cultura.
Com Cavaco Silva e Santana Lopes é o caos cultural. Não ficará pedra sobre pedra. Só ruínas e pó.
Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: já aqui fiz referência ao célebre documento «1990-1994 - Cultura, anos de projecção». São 35 páginas de retórica gasta e medidas boas e originais. Só que o que é bom não é original e o que é original não é bom.

O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Isso é que não é original!

A Oradora: - Quer quanto ao fundo, quer quanto à forma, tal documento é bem digno de alguns epítetos que lhe foram atribuídos: nacionalista, propagandístico, fútil, superficial, dirigista, estatal e irresponsável.
Com ou sem valor, esse documento é o programa cultural de Santana Lopes. Demarcando-se claramente da política seguida pela sua antecessora, Santana Lopes pretende, com tal documento, inaugurar uma «Nova Era». Se o Secretário de Estado da Cultura estivesse a cumprir o programa, neste momento estaria a decorrer, no Porto, a Feira da Arte e em preparação, em Lisboa, o Congresso da Imaginação, o início do ciclo Verão da Nova Dança Portuguesa e a Semana dos Artistas Portugueses Ausentes ou Semana dos Artistas Portugueses Universais.
Não estão, e tenho dúvidas que alguma vez se concretizem. O certo é que, mal ou bem, o Secretário de Estado da Cultura prometeu e não cumpriu.
Nem estes pontos nem muitos outros.
Não apoiou sa instalação de novas livrarias por todo o país», nem patrocinou um «programa regular na RTP de divulgação de livros e autores». Estas iniciativas até eram louváveis. Note-se que, só em 1990, 77 postos de venda de livros fecharam as portas. A alteração da lei do mecenato, constantemente anunciada e invariavelmente adiada, é um outro ponto do programa por cumprir.
Muito mais haveria a dizer sobre o incumprimento do programa do Secretário de Estado da Cultura. Detenho-me, para já, numa medida necessária e urgente - o «lançamento imediato» de uma campanha da inventariação do património nacional, com «registo exaustivo dos bens patrimoniais» do Estado, da Igreja e dos particulares.
Porque a tarefa se afigurava complexa, dela se encarregou a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura.
Porque o mercado único está à porta e a data para conclusão do inventário está a chegar, pergunto: o que já foi feito? O que foi publicado?
S.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A cultura não se gere do mesmo modo que se gere a construção de estradas ou de habitações. Criar uma rede de orquestras não é o mesmo que instalar uma rede de aviários. A música é outra.
Quando o Secretário de Estado da Cultura quer iludir um problema, cria um Instituto, e foi assim criado o Instituto dos Museus e o das Artes Cénicas. Quando Santana Lopes procura soluções para os problemas orçamentais, aligeira a responsabilidade para as autarquias, invoca São Mecenas e defende o liberalismo cultural, esquecendo que «os verdadeiros liberais são aqueles que permitem aos artistas e intelectuais criar e exprimir-se» - e citei um nosso colega deputado francês.
Quando Santana Lopes não sabe que fazer, divide para reinar. É por isso que o Secretário de Estado da Cultura se prepara para desmembrar o Teatro São Carlos, pondo em risco o único teatro lírico português - aliás, não respondeu, há pouco, às minhas perguntas nesta matéria.
Esgotados os modelos, puídos os remendos e rotas as finanças, bem precisa o Secretário de Estado da Cultura do tal congresso da imaginação para descalçar a bota em que se meteu. Aliás, ainda para informação do Sr. Deputado Sousa Lara, nós não pensamos que a política cultural possa ou sequer deva ser consensual. Nós somos em tudo diferentes, dos conceitos aos métodos, dos princípios aos programas até às prioridades.
Por tudo isto, Sr. Secretário de Estado da Cultura, se é um homem de palavra, está na altura de «pedir desculpa do que não foi realizado e assumir as responsabilidades». As palavras são suas, como é sua a afirmação de que se falhasse se demitiria ou pintaria a cara de preto. Como, obviamente, não lhe vou pedir que pinte a cara de preto, peço-lhe que se demita.

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente José Magalhães.

A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos o Sr. Secretário de Estado da Cultura e o Sr. Deputado António Sousa Lara. No entanto, a Sr.ª Deputada Edite Estrela não dispõe de tempo de resposta. Se não houver cedência de tempo para resposta, não haverá pergunta, uma vez que não há tempo de resposta.

Pausa.