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19 DE JUNHO DE 1991 3185

Gonzalez, quando rejeitou a expressão «Descobrimento da América» para designar as comemorações do V Centenário da chegada de Colombo ao Novo Mundo. «Já cá estávamos quando vocês chegaram!»- comentou, com sobriedade, aludindo à grande civilização que tinha Tenochtitlán por epicentro.
O desabafo não mudou apenas o título das comemorações: alterou o estilo e o diálogo. Passou a falar-se do «encontro de dois Mundos», de «culturas separadas pelo Atlântico», com mais rigor e sem paternalismo.
Srs. Deputados, nós também não fomos descobridores da índia. Quando Vasco da Gama aportou a Calicute, a índia era uma justaposição de culturas milenárias, muito anteriores às desenvolvidas na Europa.
Nós, Portugueses, «descobrimos» a ligação marítima entre a Europa e a Ásia oriental, mas não a índia e a China.
Os Gregos plolomaicos já navegavam no Índico e uma frota chinesa chegou a Melinde quase um século antes dos portugueses. As cidades que Vasco da Gama encontrou na África Oriental foram fundadas por navegadores vindos da península Arábica.
O restabelecimento da verdade histórica não reduz minimamente o mérito e a glória dos Portugueses: fomos os pioneiros das grandes viagens marítimas que puseram fim à história mítica! Os nossos navegadores deram à Terra a sua dimensão real. Eles permitiram e apressaram a integração da humanidade.
Reflectindo uma visão distorcida e «científica da história e da cultura, o discurso dos governantes persiste monotonamente em privilegiar batalhas e conquistas que muitas vezes não nos engrandecem e subestima ou omite o que de melhor fizemos pela humanidade. Aquilo que tornou o Mundo diferente e que fez o Homem saltar para o futuro não foram conquistas como a de Arzila ou Ormuz, ou derrotas infligidas às armadas do Islão nos mares da índia. Muito mais significante para a transformação revolucionária da vida e para o progresso dos povos foi, por exemplo, a viagem de Fernão de Magalhães, que rompeu muralhas de espesso obscurantismo e devas que assustavam. Apesar disso, pouco se fala desse português genial.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quase tudo o que pelo mundo está a ser feito no âmbito das comemorações dos cinco séculos do «Encontro de Culturas Europa-América» tem nascido, no campo oficial, de iniciativas latino-americanas e espanholas.
Porquê?
Esse distanciamento de Portugal traduz insensibilidade do poder. Na perspectiva portuguesa, subalterniza-se com frequência o fenómeno Brasil. Isso não obstante o facto de o Brasil ser talvez a mais profunda marca que o povo português imprimiu no processo civilizatório de criação, osmose e transformação de culturas.
As guerras com a Holanda, no século XVII, continuam a ser quase ignoradas. Foi preciso que, durante um almoço nas Necessidades, a Rainha daquele país recordasse ao Primeiro-Ministro que muitos tiros de canhão tinham sido trocados entre esquadras e exércitos de ambos os Estados para que o «mundo oficial» português tomasse consciência, não sem embaraço, de que quase desconhecia um capítulo fundamental da história pátria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:-Presentemente, historiadores holandeses e norte-americanos reconhecem que a aventura das
Províncias Unidas, no Caribe e, sobretudo, no Brasil, ficou a assinalar a arrancada para o grande desígnio imperial e comercial que, durante meio século, fez da Holanda revolucionária a primeira potência marítima da Terra. E, com a mesma honestidade, identificam na incapacidade holandesa para se manter em Angola e no Brasil a causa primeira e decisiva do início da decadência da poderosa república de mercadores.
Com o país em guerra simultânea com a Espanha e a Holanda, portugueses de nomes hoje quase ignorados modelaram nas selvas amazónicas fronteiras, onde, com o rodar dos anos, a diferenciação linguística viria a funcionar como agente de distanciamento cultural, político e económico do mundo colonial hispânico.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não pretendo fazer desta intervenção intercalar um passeio descontínuo, embora breve, pela história de Portugal. A motivação destas palavras é inseparável do mal-estar que sinto perante a tendência do Governo Cavaco para o regresso à fórmula da deificação do presente a partir da perversão do passado ou da anunciação de êxitos imaginários prestes sempre a serem concretizados. O apagar do passado não se limita a impedir o conhecimento do presente. Compromete também a construção do futuro imediato, como advertia o francês Marc Bloch.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Transcorreram quase cinco séculos desde a chegada das naus de Vasco da Gama à índia e sobre o ano em que Colombo avistou a primeira ilha do Novo Mundo, na convicção absurda de que estava próximo do Japão.
Incluo-me entre aqueles que no Gama admiram não um descobridor mas o estadista, o diplomata, o homem culto, de vontade inquebrantável, que soube regressar -a sua maior vitória, talvez - de um mundo muitíssimo diferente do esperado, um mundo cuja realidade física, espiritual, institucional e cultural desmentia frontalmente os relatos dos livros míticos. Admiro não o capitão que na segunde viagem bombardeou Calicute e derrotou o Samorim, mas sim, o herói renascentista de dimensão shakespearcana que aceitou fazer a terceira viagem para morrer do outro lado do planeta que a sua primeira travessia havia tornado menor e menos carregado de mistérios e modos.
Qual a relação entre Vasco da Gama e Fernão de Magalhães e a política cultural de Cavaco Silva, perguntai? alguns Srs. Deputados? Só a não enxerga quem projecto sobre o desenvolvimento cultural um olhar que lhe nega a significação.
O partido do Governo ofereceria nesta Câmara uma prova de respeito pela cultura se reconhecesse que executivo PSD tem falado muito e à maneira antiga se a contribuição portuguesa para o processo civilizatório mas tem feito pouquíssimo para que a juventude - seja, a continuidade do que é hoje Portugal- pode avaliar e entender melhor a dimensão e a profundidade dessa herança.

Vozes do PCP:-Muito bem!

O Orador: - As grandes viagens marítimas portugueses -epopeia que foi marco decisivo no do Renascimento, como sublinhou Joaquim Barradas Carvalho- não devem ser tratadas como tema pelo velho discurso apologético. Elas ficaram a assine entrada num tempo novo, um momento irrepetível história do Homem, precisamente porque abriram esta