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962 I SÉRIE-NÚMERO 26

Esta sanha contra o edifício jurídico-laboral provoca tremendas sequelas e consequências práticas no mundo do trabalho.
O dedo acusador da história não deixará de registar o resultado concreto de uma política de injustiça social e desumanizada, que tem vindo a ser prosseguida pelo governo de Cavaco Silva.
A componente social e laboral é intrínseca à democracia. Mas pode-se, em democracia, transformar o exercício de direitos colectivos num acto de alto risco, assumir o cargo de dirigente, de delegado sindical ou membro de uma comissão de trabalhadores num acto de coragem, como acontece hoje em centenas de empresas, já que são alvos primeiros das rescisões, despedimentos, da discriminação salarial e profissional? Que os excedentários, os disponíveis, os inadaptados, «os velhos que já não prestam», os improdutivos, sejam tantos que a nível da segurança social já exista 1,7 trabalhadores no activo por cada reformado, pensionista ou pré-reformado?
Que na lista de excedentários do Governo ainda faltam 50 a 100 000 da função pública, 10 000 bancários, 5000 ferroviários, 30 000 trabalhadores dos têxteis, milhares de outros nos sectores da cortiça, das pescas, na TAP, na RTP, na indústria da metalomecânica pesada, na Siderurgia Nacional, na EDP, nos Cimentos, na Marconi, na Setenave, na indústria vidreira, nos matadouros públicos, na EPAC, no Teatro de S. Carlos, na Petrogal?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Que hoje milhares de trabalhadores aduaneiros estejam a receber, ou em vias de receber, cartas de despedimento, ficando sem emprego, sem profissão, sem saber em que condições ficam, com que apoios, com que indemnizações, com que futuro?
Que da serra nos chegam os alertas dos mineiros da Panasqueira, onde a multinacional da Beraltin está a fasear os despedimentos, após receber vultuosos subsídios do Estado Português, numa zona dependente da mina, com capacidade de exploração rentável para mais de 20 anos do único filão de volfrâmio da Europa comunitária? Para onde vão esses mineiros? Para a Covilhã, confrontada com a crise dos têxteis? Para as cidades do litoral, perdendo o emprego, as casas, a sua aldeia, as suas raízes? Ficam sem saída como ficaram os mineiros de Jales?
Estes milhares de homens e mulheres, novos demais para ir para a reforma e velhos demais para arranjar emprego, são atingidos pelo «síndroma da inutilidade», como afamava uma equipa de jornalistas da revista do jornal Público. Nesse excelente trabalho, que constitui um grito de alerta, fala-se «dos batalhões de desempregados, de nunca empregados, de mal empregados, dos que trabalham já fora de horas, sem remuneração, sem feriados nem fins-de-semana, obrigados a abdicar de férias e regalias de conquistas históricas, dos que começam a sentir-se excedentários de fora para dentro, a sentir-se responsabilizados porque passaram a vida inteira a dar o seu melhor à empresa e se deixaram ficar. Veja-se o que se diz aos vidreiros da Stephens e aos aduaneiros, ficaram em actividades condenadas; repare-se o que se argumenta sobre os trabalhadores da função pública, não se actualizaram; recorde-se o que se responde aos operários têxteis, ficaram fora de moda, perderam a imaginação, envelheceram; veja-se como se marginalizam os criadores, os artistas, os cientistas».

Enquanto alastram os excedentários e disponíveis, cresce o trabalho forçado e a exploração de crianças, os jovens saltitam entre um curso de formação e um contrato a prazo, o recibo verde torna-se numa instituição, querem-se jovens dóceis, não sindicalizados, passivos.
Aliás, logo na primeira greve realizada pelos trabalhadores da CP, a administração, animada pelas alterações à lei, transforma os serviços mínimos em serviços máximos, violentando até os próprios pressupostos que serviram de argumentação ao PSD para mutilar a Lei da Greve, ameaçando com processos disciplinares em massa.
Simultaneamente, o Governo aplica a redução dos salários aos trabalhadores da Administração Pública em 5 %. Com um à-vontade impressionante vem à praça pública pressionar os patrões - como se estes precisassem de ser pressionados - para que se limitem os aumentos salariais a 6 %, ameaçando com falências e despedimentos.
Á duplicação dos fundos comunitários o Governo contrapõe a duplicação de sacrifícios para os trabalhadores portugueses, arquitecta e protagoniza o trabalho sem direitos, promove uma sociedade com novas inseguranças, novos excluídos, marginalizados e subsidiados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este quadro, rude mas real, que só peca por defeito, pode criar uma aparente contradição se confrontada com este nosso projecto de lei, de conteúdo socialmente justo, viável e credível.
Não é só por isso, mas também por causa disso, que esta iniciativa é justa e oportuna! Como alguém afirmou, este é o pior dos tempos, mas é também o «melhor dos tempos».
Os fascinantes avanços do homem nos domínios da ciência e da técnica devem contribuir para a melhoria das condições de vida e de trabalho e colocar no eixo dos benefícios desses fascinantes avanços o homem social.
A tendência histórica para a redução social de trabalho necessário à produção de bens e serviços é hoje aprofundada com a revolução científico-técnica, que, ao elevar a produtividade de trabalho, cria condições objectivas a uma acentuada e rápida redução do tempo de trabalho.
O nosso projecto de lei propõe a redução do tempo de trabalho e, consequentemente, o aumento dos tempos livres, perspectivado para uma melhor articulação entre o tempo de trabalho, a formação e a organização de horário, que compatibilizam o trabalho com as necessidades familiares e individuais dos trabalhadores.
O próprio PSD, consciente desta tendência, incluiu no seu manifesto eleitoral de 1991 a redução do horário de trabalho para as 40 horas. Posteriormente, assina, em sede de concertação, a redução faseada, mas perverte este avanço através do Decreto n.º 309/91, que, por via da chamada flexibilização do horário, permite que a duração normal do trabalho semanal atinja as 50 horas. E não se diga que fizemos a leitura por metade do manifesto do PSD, que nunca teve a coragem de dizer que queria a flexibilização dos horários para as 50 horas por semana.
A tendência histórica da redução do horário de trabalho verifica-se em, praticamente, todos os países da Europa comunitária, estando já na ordem do dia a semana das 35 horas. Esta questão é inseparável da Europa social.