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3 DE FEVEREIRO DE 1993

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que se julgaram necessários e se criaram, em Maio de 1991, para garantir as condições correctas para um processo eleitoral e a estabilização do regime democrático foram considerados dispensáveis em Setembro de 1992. Porém, não se ouviu nem uma palavra, nem um alerta. Estava tudo bem. Todos os mediadores queriam abreviar o processo angolano. E, todavia, o caso moçambicano vem demonstrar quão fácil é a mediadores e às partes pôr na agenda política o adiamento das eleições em caso de incumprimento dos calendários dos acordos.
É difícil esquecer a imagem, em véspera de eleições, de um general e de um embaixador portugueses, trajados a preceito, a avalizarem a investidura das chefias de estados-maiores de um exército nacional que não existia.
O Governo Português concebeu e aceitou como justa a estratégia do cumprimento puramente formal dos acordos de paz, responsabilidade que partilha com Americanos e Russos. O que importava era continuar, continuar sempre, chegar às eleições, não importava como. É sobre essa estratégia que recai hoje parte da responsabilidade do problema angolano.
Tive ocasião de, ao longo de quase dois anos, em sucessivas intervenções públicas, debates e artigos, alertar para as debilidades dos Acordos de Bicesse e para as consequências que acarrateria a estratégia que estava a ser seguida. Infelizmente, tive razão! Sob o verniz do cessar-fogo tão bem sucedido, tinham-se desenvolvido de forma evidente os germes da situação que hoje se vive. Só não viu quem não quis!
Foi assim que a genuinidade do cometimento do povo angolano, numas eleições reconhecidas livres e justas pelas Nações Unidas, foi comprometida pela inexistência das condições institucionais mínimas previstas nos acordos para evitar a possibilidade do recurso à guerra.
À Assembleia da República não cabe tomar partido na distribuição das culpas entre as partes angolanas em conflito. Os Deputados, como democratas, devem sobrepor a tudo o empenhamento em favor da consolidação de democracias políticas; como defensores dos direitos humanos, devem ser intransigentes na sua denúncia, onde quer que eles sejam violados, seja de quem for a responsabilidade por essa violação.
Mas, mais do que isso, é nosso dever como parlamentares confrontar o Governo com as suas responsabilidades perante o processo de paz e discutir abertamente a actual estratégia do Executivo para a mediação do conflito. É que as iniciativas da democracia de sucesso devem ser assumidas pelo Governo com coragem política, mesmo quando se prova serem um ínsucesso.
É necessário dizer sem rodeios que não podemos concordar, em circunstância alguma, com uma estratégia de menor comprometimento de Portugal na situação de Angola e nas tentativas internacionais de procura de solução para o conflito. Na cena internacional, não há cadeiras que fiquem vagas à espera de ser reocupadas. Se por questões de política interna - e creio que o Dr. Cavaco Silva diria de política politiqueira - o governo do PSD quer agora diminuir a sua visibilidade neste processo, essa opção tem de ser oondenada por todos nós.
Independentemente dos erros do passado, é necessário formular e perspectivar estratégias de envolvimento isento de Portugal na procura de soluções de paz. E, ao contrário da política de secretismo anteriormente seguida, procurar, no diálogo institucional com esta Assembleia da República e com o Sr. Presidente da República, as soluções necessárias a essa participação nacional.
A sensibilização da comunidade internacional, em geral, da Comunidade Europeia e dos EUA, em particular, para a necessidade de manter a pressão sobre uma nova iniciativa de paz é de importância vital. Portugal não pode diminuir o seu empenhamento, nem desprezar interlocutores internacionalmente credíveis só porque o Primeiro-Ministro sacrifica o interesse nacional à obcessão de ser o único interlocutor político.
O quadro dos Acordos de Bicesse tem de ser reavaliado, reanalisado e perspectivado à luz da situação actual, quer nos seus objectivos quer no número dos seus interlocutores nacionais e internacionais.
Mas, permitam-me que diga com franqueza, a nós Deputados, a par de todo o debate sobre a participação do Governo no processo de paz em Angola, que reputo fundamental e que o PSD incomodado evita a todo o custo, talvez deva caber também a responsabilidade - já que o Governo não a assume - de dar um sinal ao povo português para que não fique indiferente à tragédia angolana e organize uma vasta campanha humanitária que permita aliviar o sofrimento daqueles povos massacrados pela guerra.
Mas que sinal pode enviar este Parlamento, quando a maioria que o domina receia e evita o debate desta matéria, ou quando o faz em termos de transposição da questão angolana para o quadro dos conflitos políticos e institucionais nacionais.
Essa colaboração povo a povo é e será sempre o esteio mais sólido das relações de Portugal com a África lusófona. Perante o silêncio do Governo não temos de ficar todos silenciosos. Há direitos humanos que exigem a nossa atenção em Angola e aos quais devemos dar uma resposta que seja um sinal inequívoco da nossa relação com o povo de Angola, da nossa sensibilidade pelo seu sofrimento e da nossa isenção na procura de uma solução de paz. Há portuguesas e portugueses presos em situações que nunca foram esclarecidas pelo Governo Português.
Ao silêncio do Governo sobre tudo o que se passou no processo de paz em Angola só se devem associar aqueles que querem ficar com a responsabilidade política das consequências desse silêncio. Não é o caso do PS! Nunca foi o caso do PS!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes de Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques da Costa, a sua intervenção merece-me alguns comentários.
Em primeiro lugar, saliento que a relação de Portugal com Angola é diferente, pois, para além dos séculos de história comum, Portugal é parte e observador do processo de paz.
Em segundo lugar, estão a decorrer, neste momento, negociações no limiar da guerra civil ou já em clima de guerra civil com violação constante de direitos humanos.
Em terceiro lugar, a informação que nos chega poderá, muitas vezes, não ser fidedigna e, por vezes, poderão não existir condições para que essa informação fidedigna seja obtida por esta Câmara.
Em quarto lugar, há portugueses prisioneiros por ambas as partes do conflito e Portugal tem obrigação, e tudo tem feito, para os libertar.