1496 I SÉRIE-NÚMERO 41
prios países, mas também de outros com que se propõem cooperar.
E estes são os países ditos em desenvolvimento. Aqueles que outros, ditos desenvolvidos, submeteram durante anos, no passado colonial, ao atraso secular, aqueles cujas riquezas tomam delapidadas; aqueles cujos recursos energéticos foram e são explorados de forma desenfreada; aqueles que foram condenados à subnutrição, à guerra, à fome, ao analfabetismo; aqueles que, importando modelos ditos de "desenvolvimento", foram, não raro, violados na sua identidade cultural, obrigados à perpetuação da dependência exterior, aqueles a que foram impostas opções estranhas à sua identidade cultural, social e económica, opções que geraram inúteis necessidades de consumo, falsos conceitos de desenvolvimento, a anulação das suas capacidades endógenas, a eternização do seu estatuto subalterno.
Países, alguns deles, que, alcançada a independência e libertos do colonialismo e das ditaduras, ficaram marcados pela fome, pela guerra, pelo analfabetismo, pela agressão ecológica; países em relação aos quais a humanidade está em dívida; países perante os quais as organizações não governamentais têm, pois, uma responsabilidade acrescida de cooperar.
Trata-se não só de cooperar, dirigindo experiências, estabelecendo redes de contacto e comunicação, compartilhando conhecimentos, vontades, capacidades, meios, recursos, saberes, o que seria, em si mesmo e só, um frutuoso e gratificante como processo de intercâmbio entre os povos, mas também de algo mais profundo, uma responsabilidade bem maior, um desafio apaixonante, se bem que mais complexo.
Isto exactamente porque as organizações não governamentais são portadoras de unia visão específica e crítica do mundo que as rodeia; porque os valores de que são partidárias não têm o cariz utilitário que preside à relação entre os povos; porque se situam no terreno e são sensíveis aos problemas que afectam o planeta e os homens e interpretam as causas que lhe estão na origem; porque são animados de novos modos de agir e do desejo de protagonizar novos caminhos como agentes activos dos seus destinos que reclamam.
E trata-se de "novos modos de agir" que permitam o estabelecimento não só de uma nova ordem económica internacional que ponha fim à pobreza e à exclusão, que ponha em causa o poder patriarcal, que permita criar novas relações entre os povos, mas também a criação de uma nova ética de conduta que tenha como propósito o desenvolvimento sustentado, unanimemente entendido como condição indispensável para ultrapassar a crise ecológica e preservar o futuro comum.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: A Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento e, em particular, o Forum Global como ponto de encontro planetário de cidadãos de todos os cantos do mundo, através das suas organizações não governamentais é, neste contexto, um acontecimento que convém reter e que marcou indiscutivelmente a história da participação cívica dos cidadãos e das suas organizações autónomas, participação simultaneamente generosa e responsável.
Aí, apesar das naturais fragilidades e contradições de um caminhar que se inicia, as organizações não governamentais provaram a riqueza das suas potencialidades como parceiros sociais, a importância e utilidade do seu papel que, aliás, de modo inédito, a Organização das Nações Unidas reconheceu. Aí, cidadãos provenientes dos mais diversos países, portadores de história, saberes, culturas e experiências extremamente diversificadas, encontraram-se. E traduziam
desiguais relações de e com o poder. Eram provenientes de diversos e diferentes países. Simbolizavam, eles próprios, os desequilíbrios e as desigualdades económicas, sociais e religiosas que separam as próprias regiões do planeta.
Poder-se-ia dizer que ilustravam bem aquilo que se convencionou designar por relação Norte-Sul, que simbolizavam o abismo regional e o fosso entre os chamados países desenvolvidos e os países ditos em vias de desenvolvimento.
Mas esses cidadãos e as organizações que representavam mostraram e foram capazes de transportar para o seu diálogo os outros valores e não trouxeram a visão espartilhada dos Estados nem as concepções fechadas que lhe estão associadas. Eram, foram e são só cidadãos do mundo, habitantes de um mesmo planeta e com ele solidários e preocupados. Falaram da paz, da desmilitarização, da igualdade, da eliminação da pobreza, do equilíbrio ecológico e da sua premência, bem como da urgência em estabelecer uma nova ordem económica internacional.
Igualmente, falaram da necessidade de alcançar o desenvolvimento sustentado, criar um novo código de conduta ecológica pautado por uma nova ética. Falaram, ainda, da necessidade de impor um novo modelo de organização da sociedade.
Do Norte ou do Sul, indiferentemente, convergiram na diferença dos seus olhares, nas suas múltiplas linguagens, provando que a relação entre os povos, em igualdade, é possível, que os sinais de esperança existem e que é preciso interpretá-los, colhendo a experiência dos cidadãos e dos seus movimentos.
Assim, apoiamos e subscrevemos os projectos hoje em discussão na convicção profunda de que eles sejam portadores de sementes que corporizem uma efectiva aproximação solidária entre os povos, que respeite os cidadãos e as suas organizações como parceiros sociais, mas que salvaguarde, igualmente, a sua autonomia face ao poder.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estatuto em análise, hoje, nesta Câmara, visa definir juridicamente a natureza, âmbito ou áreas de actuação das organizações não governamentais para o desenvolvimento (ONGD) e, bem assim, as formas de colaboração entre estas organizações, reconhecidas como pessoas colectivas de utilidade pública, e o Estado.
Considera-se desejável que as suas actividades se processem em harmonia com as políticas nacionais de cooperação definidas para os países em vias de desenvolvimento, mas dá-se-lhes, previamente, o direito de participar na definição dessas políticas através da sua representação em instâncias consultivas com competência na área da cooperação.
Prevê-se a concessão de apoio técnico e financeiro do Governo quando seja pedido, isto é, quando as ONGD o quiserem e devido para a prossecução dos seus fins neste domínio sem, por tal, naturalmente comprometer a plena autonomia e Uberdade de iniciativa das ONGD.
O primado dêmo-lo à sociedade civil que, no esforço de diálogo e colaboração com o Estado, quando o quiser desenvolver com o Estado, pode, nesta área da mais alta importância da nossa política externa, que é a das relações históricas com os países de língua oficial portuguesa, potenciar os resultados esperados não só pelos governos como pelos povos.