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U DE MAIO DE 1993 2239

Santos. De facto, damos o nosso acordo à realização dessa reunião. Mas gostaria de dizer ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues que a nossa ideia, ao participarmos numa reunião extraordinária da Comissão de Economia, Finanças e Plano, é a de nos informarmos relativamente a esta matéria e não a de criar agitação, até porque não compete à Assembleia da República resolver este assunto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate sobre ò anteprojecto do Código Penal instalou-se por iniciativa da sociedade civil, não por iniciativa do Sr. Ministro da Justiça, ou mesmo pela sua disponibilidade para este debate. Líquido é o actual Código ter de ser revisto, mas seria mirífico acreditar que de uma revisão do Código Penal pudesse surgir a resolução do problema do aumento da criminalidade.
Com efeito, o combate à criminalidade passa por um programa integrado, cujos pontos essenciais são: primeiro, uma política que vai erradicando factores que conduzem à marginalidade e à criminalidade, que combata o desemprego, a pobreza, a toxicodependência, geradora da grande maioria de crimes contra o património; segundo, uma reforma do direito penitenciário, que considere que o recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais do homem; terceiro, uma lei penal que proteja os bens jurídicos fundamentais da comunidade, despida de excrescências moralistas, de valores normalmente muito discutíveis.
Relativamente ao primeiro ponto -o da política social -, pode afirmar-se que a comunidade tem perfeita consciência de que a criminalidade, que atinge entre nós proporções alarmantes, tem por base uma política que conduz ao desemprego, à impossibilidade de inserção na vida activa à pobreza. Foram estes, aliás, os factores indicados pelos inquiridos, num trabalho do CEJ, em 1991, como os mais importantes nas causas da violência que se verifica na sociedade portuguesa.
Quanto ao nosso sistema penitenciário, foi o Sr. Ministro da Justiça a referir nos jornais, sem apontar qualquer réstia de esperança para a reformulação do sistema, que as nossas cadeias eram escolas do crime.
Assim, não será de esperar, ainda que a revisão do Código Penal fosse totalmente de aplaudir, que da aplicação da mesma resulte um eficaz combate à criminalidade, nestas circunstancias.
Como diz Giuseppe Lattanzi, uma nova lei penal vale pouco se não lhe corresponder uma eficaz execução. E foi, aliás, o que aconteceu com algumas das disposições do actual Código Penal.
Assente a necessidade de se fazer a revisão do Código Penal de 1982, mas que tem de ser acompanhada de outras medidas que não se vislumbram, pese embora o pessimismo que daqui resulta, constata-se que o anteprojecto obedeceu, pelo menos em teoria, a um primeiro objectivo: o de punir mais gravemente os crimes contra as pessoas do que os crimes contra o património.

O Sr. João Amaral (PCP): - Um escândalo!

A Oradora: - Ora, este objectivo foi, em parte, conseguido, embora os valores estivessem, e ainda estejam, invertidos, mas não na totalidade, quer porque, inexplicavelmente, se baixam medidas abstractas da pena em crimes graves contra a vida e a uberdade, quer porque se chegam a descrímínalízar comportamentos contra a Uberdade e autodeterminação sexual, quer porque, 'em alguns crimes graves, se optou pela multa em alternativa à pena de prisão. Aliás, a revisão do Código teve esse mesmo objectivo: a de privilegiar, sempre que possível, a pena de multa sobre a pena privativa da liberdade. Não rejeitamos esta filosofia mas há que doseá-la bem!
Face à completa omissão da política do Governo quanto a medidas de combate à criminalidade, ou, melhor, face à política governativa que conduz à formação de uma nova pobreza, a opção do anteprojecto pelas penas de multa não surge sempre como uma opção de ressocialização do delinquente mas como uma medida, objectivamente economicista e não foi isto o que esteve, de facto, na mente da comissão revisora e do Prof. Figueiredo Dias, em especial.
Não somos dos que defendemos as longas penas de prisão, uma pena caracterizada pela expiação retributiva do condenado, nem nos parece que devam ser afastadas opções que assegurem a punição através de penas não privativas da liberdade. O que temos de prevenir é que se beneficiem certos estratos sociais, os de melhor fortuna, fregueses dos tribunais em certos crimes, como os de burla qualificada, que, segundo o anteprojecto, em certos casos, e casos graves, expiam apenas com o pagamento de multas. Há que impedir que as anunciadas boas intenções da lei revisora não a tornem num instrumento de poder da classe dominante contra os mais carenciados, aqueles que não podem pagar a multa e que acabam por cair nas chamadas escolas do crime.
De facto, a reforma anunciada no tratamento da pena de multa substitutiva da pena de prisão merece nota negativa pois acentua as desigualdades entre os que tem capacidade económica para pagar a pena e os cidadãos de fracos recursos.
Neste aspecto, a reforma é um retrocesso face à lei vigente, porque o Código actual trata a pena de multa que substitui a pena de prisão sempre como pena de multa, mesmo que esta não possa ser paga quando são frustradas todas as tentativas de a pagar e não se regressa nunca na óptica do actual Código, à pena de prisão originária. Deste modo, o cidadão de parcos recursos seria discriminado perante os favorecidos pela fortuna Dir-se-á, claro, que a pena de prisão originária pode ser suspensa e manter-se a liberdade, mas o legislador não deixou, mesmo assim, de acentuar as desigualdades.
Paga a pena de multa o cidadão que a pode pagar, ficando livre de ser julgado reincidente, mas o outro, o de bolsos vazios, que também é cidadão, fica com a pena de prisão suspensa, e se cometer um outro crime, mesmo que seja não doloso, como um simples atropelamento de um peão com uma bicicleta, vê quebrada a suspensão da execução da pena tendo de cumprir a pena de prisão. Ora, isto deve ser corrigido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Somos ainda críticos em relação a outras opções, como a da extinção do regime de prova e em relação a outras soluções, que destacaremos, não sem antes afamarmos o nosso distanciamento face a críticas erradas, sem fundamento, retrógadas, e não sem antes destacarmos que é positivo que, nomeadamente em relação aos crimes sexuais, em grande parte, se pretenda despojar o Código vigente de concepções moralistas discutíveis. Estes crimes surgem, positivamente, como crimes contra a liberdade e autodeterminação das pessoas.