O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE MAIO DE 1993 2307

Não quero crer que V. Ex.ª tenha pretendido utilizar a sua intervenção sob a forma de declaração política feita na Assembleia da República para tentar influenciar o Conselho Superior do Ministério Público ou para, através deste órgão político, tentar exercer pressão sobre esse órgão de soberania, o Ministério Público, os tribunais, porque o Sr. Deputado é, com certeza, um respeitador - como, aliás, já foi recordado - do princípio da separação de poderes, que tem traduções e um modelo na nossa Constituição. V. Ex.ª conhece esse modelo, não vou repeti-lo, mas diria que, se está incomodado com ele, apesar dos acrescentos que lhe foram introduzidos aquando da revisão constitucional de 1989, esta oportunidade será boa. O Sr. Deputado faz estes ensaios, mas, em minha opinião, o que deveria fazer era preparar um projecto de revisão constítucional e nele construir outro modelo, pois, como sabe, há ainda outros modelos possíveis.
Assim, se entender propor um modelo em que os magistrados do Ministério Público e os juízes sejam nomeados pelo Presidente da República, pode fazê-lo; por outro lado, se entender propor que sejam eleitos pelo povo, isto é, pelos cidadãos eleitores, pode fazê-lo também. Mas serão esses modelos adaptáveis à nossa realidade?
Em minha opinião, o Sr. Deputado deverá apresentar um projecto com o modelo que entender mais adequado, mas não pode vir aqui, na qualidade de Deputado da Assembleia da República, fazer uma intervenção para lançar dúvidas na mente das pessoas sobre se o principal partido, o maior partido, o partido do Governo respeita ou não o princípio da separação de poderes.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª falou na natureza profunda do PSD, em Sá Carneiro e em modernidade. Porém, não me fez lembrar Francisco Sá Carneiro, mas antes Mário de Sá Carneiro, poeta futurista e autor de um belíssimo poema, que gostaria de evocar aqui e cujo título é A Dispersão.
Começa assim: «Perdi-me dentro de mim, porque eu era labirinto/Agora quando me sinto, é com saudades de mim!»
Sr. Deputado, é de dispersão que estamos a falar e dispersão é o título deste poema da autoria do poeta que se deu à morte em Paris.
Ora, dispersão, no grande dicionário de língua portuguesa, quer dizer separação de pessoas em sentidos diferentes, separação com espalhamento, desbarato e debandada.
Na verdade, a impressão que as jornadas parlamentares do PSD e a intervenção de V. Ex.ª, aqui, nesta Câmara, transmitem é, exactamente, a de dispersão, porque, em vez de porem a maioria à escuta do vosso actual Ministro das Finanças, puseram-na à escuta de um crítico do Ministro das Finanças; em vez de porem a vossa maioria à escuta do discurso panglóssico de um governamental Ministro da Justiça, da Defesa ou de um governamental Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, tudo escolhas do Primeiro-Ministro, puseram-na à escuta de um crítico liberal da ineficiência pública, da organização actual das magistraturas, etc., etc.
Pelo que se diz na imprensa, VV. Ex.ªs aplaudiram, por um lado, a revisitação do Estado-Providência e, por outro, a crítica da ineficiência do Estado-Providência. E um dos vossos ministros -ex-ministro da Justiça de sucesso - terá mesmo falado no crepúsculo dos juízes. Penso que estas ideias, a de crepuscular e a de dispersão futurista, dão, hoje, a imagem da vossa natureza. E se Mário de Sá Carneiro fala «nas saudades de mim» - nas saudades de si -, VV. Ex.ªs dão a ideia de estarem com saudades. Porquê? Porque para criticar o Ministro Braga de Macedo, quem é que VV. Ex.ªs vão buscar? Uma antiga e usada escolha do Primeiro-Ministro para o Ministério das Finanças! E quem é que VV. Ex.ªs vão buscar para criticar os vossos actuais ministros e a política sem alma que, segundo o crítico, eles estariam a fazer? Vão buscar uma antiga escolha do Professor Mota Pinto, um remoto antecessor do Professor Cavaco Silva à frente do PSD.
Por isso, eu diria que revisitação e crespúsculo fazem, hoje, parte da vossa natureza. E pergunto: Tal como no poema de Mário de Sá Carneiro, não estará o PSD com saudades de si?
Inspirando-me nas considerações que V. Ex.ª aqui teceu acerca da intervenção do Sr. Procurador-Geral-Adjunto, aquando da realização de um seminário parlamentar, nesta Casa, não posso deixar de dizer que, em meu entender, nos termos em que formulou a questão, revelou uma total impreparação democrática e uma total incapacidade para compreender quer a legislação vigente, quer a palavra regra da separação de poderes, quer, sobretudo, a cultura da liberdade a que, hipocritamente, se referiu. De facto, falou na ânsia de censura, mas essa ânsia, alada através da sua voz, não se identifica com o arauto de uma cultura de liberdade, mas com uma ânsia de censura.
Com efeito, a mensagem que V. Ex.ª quis passar foi a de uma pública censura ao Sr. Procurador-Geral da República, porque ele, embora estivesse presente quando o procurador-geral-adjunto interveio nesse debate, não exerceu a acção disciplinar que V. Ex.ª sabe que lhe compete exercer, uma vez que tem o poder-dever de ordenar inquéritos, sindicâncias e a instauração de processos. Portanto, o Sr. Deputado estava aqui a passar uma censura lesiva do princípio da separação de poderes.
Termino com uma última consideração: a cultura da liberdade e a dos cidadãos é inconfundível, quer seja com uma cultura de súbditos, quer seja com uma cultura de camaradas. Neste sentido, pergunto: O Sr. Deputado não estará, sobretudo, com saudades de si e do pior de si?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Solicitei agora à Mesa a palavra para responder aos pedidos de esclarecimento que acabaram de ser feitos, porque me senti estimulado pela devassa policial do meu passado ...

Risos do PSD.

..., que, como sabem, está contido em livro publicado pela Editorial Estampa, onde se podem ler múltiplos pormenores, salvo os que, em meu entender, poderiam ferir princípios humanos de solidariedade. E eu, embora tendo rompido com o PCP, jamais seria capaz de lhe causar um prejuízo mínimo, tal como não o faria com qualquer outro partido. Sou solidário livre, por isso é que saí do PCP; sou solidário, por isso é que não o traí!