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12 DE MAIO DE 1994 2291

reparo. Em vez de mitos euforizantes, sobressaltos de advertência. Um Governo que não vivesse narcisicamente encantado com a ideia que faz de si próprio, diria obrigado. Um Governo que é presa desse encanto, diz, cinicamente, não comento.
Do discurso do Presidente, não se há-de dizer que não deixou pedra sobre pedra. Mas o prestígio já precarizado do actual Primeiro-Ministro, construído a partir do espírito acomodatício de muitos à realidade, caiu do seu pedestal e escaqueirou-se de encontro às intervenções e reacções dos congressistas.
Desde logo, porque esse prestígio vive da desinformação e da mentira e não suporta o embate com a verdade. E depois porque o anima um projecto hegemónico e centralizador e o discurso do Presidente relançou um projecto de participação democrática sem ardis e sem sofismas. A este propósito, o Presidente condenou «a excessiva hegemonização de um partido em relação aos outros», «os fenómenos de osmose (sempre nefastos em democracia) entre os interesses partidários e o aparelho de Estado», as «exigências de clientelas ávidas de benefícios, nem sempre legítimos». Referências, como tantas outras, com destinatário certo.
Já ao referir-se à «crise dos partidos», à «falta de transparência nas regras democráticas do (seu) funcionamento», ao «sistema do seu financiamento» e ao «excesso de pragmatismo das soluções preconizadas, esquecendo os valores e princípios básicos que os diferenciam», o Presidente não poupou «nenhuma das diferentes famílias político-partidárias europeias».
Depois de ter considerado a ausência de uma política cultural como «o primeiro dos nossos problemas», e a «qualidade do homem português a nossa maior riqueza» o Presidente deplorou as perversões anti-valorativas da informação televisiva e erigiu a política de educação-formação em prioridade das prioridades.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas de facto, e não apenas nas intenções programáticas e nas proclamações oraculares dos responsáveis políticos. Declarou «sem sentido» as «guerras nas escolas e nas universidades», recomendou que se derramem os perfumes financeiros investindo na educação, e sentenciou que «quem não sabe dialogar com a inteligência e com a juventude, deve dar como perdida a batalha do futuro».
Como devem ter-se ruborizado as orelhas da Sr.ª Ministra da Educação, que acaba de se colocar na contra-mão desse avisado conselho e de estabelecer uma estreita relação causal entre a formação universitária especializada e o emprego, em termos que recomendariam que não ocupasse o lugar que ocupa. Está, manifestamente, impreparada para ele.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Num discurso tão densificado, não podiam faltar referências à gestão dos fundos comunitários. Teremos sabido aproveitá-los bem? A resposta é conhecida!
Nem ao novo Quadro Comunitário de Apoio e à necessidade da «máxima transparência», do «máximo consenso», de «participação e corresponsabilização». Isto é, a antítese do que tem sido a atitude do actual Governo.
Nem podia faltar a pergunta angustiante, já noutros lugares deixada, sobre «como iremos viver, como Nação, quando os fundos comunitários acabarem ou diminuírem sensivelmente?» Terá o Presidente culpa de o actual Governo aparentemente se não preocupar com isso?
Nem podia faltar a angústia com que agricultores, pescadores, industriais e mineiros perscrutam, sem um sinal de esperança, os céus do seu futuro.
Quanto ao sector dos serviços, o Presidente receia a justo título que nos resignemos a ser «os criados dilectos do resto da Europa». É duro de ouvir. Mas a verdade nem sempre respeita os amavios da acústica.
No plano económico, o Presidente aflora o regresso dos salários em atraso e do crédito mal-parado, a diminuição dos salários reais, a permanência do trabalho infantil, a crescente predominância dos contratos a prazo, as falências consumadas e o espectro das anunciadas. No plano social, destaca «o aumento da pobreza», a evolução incerta da segurança social, a marginalidade, o aumento crescente do tráfico da droga, a exclusão de certos grupos sociais, como os imigrantes», a desumanização das prisões, transformadas em «depósitos de presos sem direitos humanos», verdadeiras «escolas superiores de criminalidade». Tudo «problemas sociais muito sérios», susceptíveis de «transformar-se em matéria explosiva».
E pergunta: «como vamos sair desta situação, de cores tão sombrias»? «Com verdade» e «sem eleitoralismo», é a resposta que a si mesmo dá. Eis a contra-face da «democracia de sucesso» tão cara às ilusões do Primeiro-Ministro!
Depois de constatar que «a internacionalização das economias é um fenómeno universal e inelutável», e que o mítico Terreiro do Paço «perdeu poderes de condicionamento e intervenção», o Presidente condena «certos pruridos» que eu identificaria com o regresso de uma cultura autoritária de ódio e de violência, traduzida em actos de desvalorização da Revolução de Abril e dos seus heróis, de glorificação de criminosos e torcionários, de hostilização dos pilares institucionais do estado de Direito, de neutralização concentracionária do princípio da separação de poderes, de desautorização e neutralização do poder legislativo, de tentativas de redomesticação do poder judicial, de relativização das garantias de direitos fundamentais, de desvalorização da magistratura presidencial, de tiques de cultura, ou da ausência dela, que completam o ramo, com este a pôr de novo em causa princípios e valores que julgávamos definitivamente enraizados no coração dos portugueses.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Que rol trágico!

O Orador: - Não de todos, como se vê.

Sobre a União Europeia, o Presidente declara a nossa integração nela como uma situação «sem alternativa e sem recuo» e denuncia o risco de o alargamento da União vir a tornar-nos ainda mais periféricos e débeis. Encontra remédio para isso em «termos o nosso próprio projecto europeu e sabermos lutar por ele, deixando de seguir apenas como alunos aplicados as decisões de Bruxelas», optando sem evasivas pela «Europa dos cidadãos». Acrescenta que «quando ouvimos certos tecnocratas preocupados com um monetarismo de vistas curtas ... duvidamos de que seja a mesma a Europa de que estejamos a falar».
Enjeitando preocupações que julga infundadas ao nível do risco da «perda de identidade», o Presidente exproba a falta de uma política consistente para o es-