2662 I SÉRIE-NÚMERO 82
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Como sempre, foi com muito agrado que o ouvi. Mas, ao ouvir V. Ex.ª, tive uma primeira dúvida: pareceu-me que o autor do discurso que aqui proferiu - e que, indubitavelmente, é apenas de V. Ex.ª - não é, com certeza, do autor do projecto de lei n.º 404/VI, mau grado ser o seu primeiro subscritor.
Diria mais: se V. Ex.ª tivesse vertido para o projecto algumas das ideias que desenvolveu da tribuna, naturalmente que estaríamos aqui a debater outro diploma que não aquele que VV. Ex.ªs apresentaram.
Talvez por isso se tenha verificado esta situação pouco normal na intervenção do Deputado representante do partido que tem a iniciativa legislativa, que é, em princípio, também, destinada a apresentar-nos o projecto e as soluções por ele veiculadas. Mas pouco ouvimos de V. Ex.ª nesse aspecto.
Para além disso, parece-me que há uma mácula original neste diploma: é extremamente estranho que VV. Ex.ªs, sendo um partido da oposição e sabendo que nesta Assembleia há outros partidos da oposição (e porque não, nesse aspecto, considerar também o partido no poder?), tenham caminhado isoladamente para uma iniciativa que, na sua essência, deve ter como prévia uma concertação, um diálogo, uma ronda pelos demais partidos - pelo menos, repito, pelos demais partidos da oposição.
Sr. Deputado, não faz sentido que VV. Ex.ª tenham caminhado para um projecto de estatuto da oposição sem terem tido esse cuidado prévio. Podia acontecer que essa exploração não conduzisse a nada, e VV. Ex.ªs ficavam moralmente à vontade para poderem então, isoladamente, caminhar para uma iniciativa destas.
Permito-me ler aqui uma passagem de um artigo sobre a oportunidade política deste projecto, da autoria do seu companheiro António Barreto, publicado no jornal Público do passado domingo. Diz o seguinte: "Não é fábula nem parábola, é uma história verdadeira. Após ter vencido as eleições europeias e logo a seguir a ter desvendado a sua palavra de ordem Uma nova maioria, qual é a primeira medida do Partido Socialista? Qual é?! Um projecto de lei, apresentado no Parlamento, sobre o estatuto da oposição. Será um seguro de vida para mais cinco anos?!"
Alguém disse que as derrotas começam dentro de nós próprios. Efectivamente este projecto é uma revelação de que a vocação natural e duradoura do Partido Socialista é para ser partido da oposição.
Mais, VV. Ex.ªs - e, em parte, isto foi denunciado pelo. meu companheiro, Dr. Pais de Sousa, relator deste projecto na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - tentam um certo golpe de Estado constitucional através do estatuto do direito da oposição.
Na verdade, há nele duas vertentes que é preciso denunciar: por um lado, VV. Ex.ªs, pela via do estatuto da oposição, querem ser aquilo que não conseguem pela via eleitoral, ou seja, querem ser Governo e querem assumir uma co-decisão nas decisões governamentais; por outro lado, sabendo estarem condenados à oposição, querem, nesta sede e neste local, ganhar poderes que não conseguem pela via eleitoral; querem ainda, por via deste projecto, fazer sair do centro próprio, que é o Parlamento - é nele que se deve exercitar, em primeira linha, o papel de fiscalização, sobretudo com o protagonismo dos partidos da oposição-, para sedes, aliás obscuras e pouco claras, o ponto central da oposição política.
Esta é uma forma veementemente reprovada, designadamente no estudo do Dr. Silva Leitão, que chama a atenção para a necessidade de, nos estatutos da oposição, ter-se claramente presente as linhas constitucionais, exactamente para evitar os desvirtuamentos que o vosso projecto largamente encaminha e consagra.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Almeida Santos, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, respondo já porque não quero prescindir do contributo da surpresa que me causaram as palavras do Sr. Deputado Guilherme Silva, meu amigo, porque esperava dele tudo menos a intervenção que fez. Vejo que a minha última ilusão se desfez, pois, ao que parece, vão mesmo votar contra e continuar a querer espartilhar as oposições na menorização a que as têm condenado. Se assim for, muito bem, tiraremos as nossas conclusões. Afinal, dizer adeus à última ilusão já não custa tanto, porque, de facto, é a última.
O Sr. Deputado disse que a minha intervenção não foi má, mas o projecto de lei é péssimo e nem parece meu. Devo dizer-lhe que assumo este projecto e, como é óbvio, sobre ele faço a minha própria, avaliação.
Em todo o caso, gostaria de ter ouvido uma crítica especificada, que dissesse o que está fora da Constituição, o que a ultrapassa, o que traduz zonas obscuras e pouco claras. É que as frases soltas no ar são fáceis e pôr defeitos em abstracto também é facílimo, dizer onde estão os defeitos é que dói.
Mas gostava de ter ouvido essa crítica, pois estaria agora a dizer-lhe por que é que lá está o que está.
Curiosamente, se este projecto de lei tem algum defeito é o de ter tido a preocupação de se cingir à Constituição. Não se trata de um projecto ambicioso e foi exactamente para possibilitar a actualização do Estatuto do Direito de Oposição, sem o obstáculo do voto da maioria, que não se quis pedir o céu, como, aliás, referi na minha intervenção. Pediu-se pouco, mas pediu-se o mínimo que a Constituição exige e nada que ela não consinta. Disso não tenhamos a menor dúvida. Aliás, essa demonstração poderá ser feita na especialidade, quando se vir o texto constitucional, em concreto e não em abstracto, que permite e legitima aquilo que está no projecto de lei.
O Sr. Deputado Guilherme Silva disse que o projecto dê lei é péssimo e, pela minha parte, estou aberto a melhorá-lo, com alegria, em sede de comissão. Deixem-no passar aqui, na generalidade, e haverá total disponibilidade para o melhorarmos em sede de Comissão, com o vosso contributo, a vossa ciência, a vossa generosidade, a vossa abertura ao pluralismo democrático. Vamos a isto.
Se o partido maioritário respeita as oposições, e quero admitir que sim - ainda tenho essa ilusão -, vamos melhorar o projecto de lei, no sentido do reforço dos direitos das oposições e não da sua restrição, porque o que dele consta está na Constituição, não existe é a lei ordinária para que possa passar à prática.
Relativamente à mácula original, quero dizer-lhe que, de facto, nunca vi uma mácula deste tipo. Se nenhum dos nossos projectos tiver outra mácula que não esta...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Para esta matéria é uma mácula!