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2660 I SÉRIE-NÚMERO 82

sobre esses assuntos em andamento, isto é, na fase da formação da correspondente vontade e não apenas depois de formulada esta. O legislador constitucional quis obviamente que os partidos da oposição parlamentar participassem na formação da vontade do Governo.
O próprio facto de o legislador se ter eximido a definir o que entendia por principais assuntos de interesse público exprime a preocupação de não espartilhar o correspondente conceito, que relegou para a sensatez que deve reger o relacionamento político. Sabido o que são assuntos de interesse público, o legislador restringiu o dever de informar aos principais. Deixou assim, em aberto, margem para alguma discricionariedade, mas não tanta que seja possível secundarizar o que o senso comum considerar principal. A ajuizar pela raridade com que o Governo informou as oposições, teriam sido escassos, escassíssimos, no decurso da última década, os assuntos de interesse público não secundários! Alguém aceita isto? O comportamento dos Governos afunila a avaliação de grande número de assuntos públicos. .
Como se vê, a inovação constitucional representou um significativo avanço no dever de cooperar com a oposição parlamentar.
Que fizeram os Governos do PSD? Continuaram a mover-se no espaço estrito do velho estatuto e deixaram que continuasse a jazer, sem lhe "profanar" o cadáver!...
Pior do que isso! A própria dimensão exígua do estatuto de 1977, foi por eles comprimida até ao cumprimento apenas formal, por vezes na vigésima quinta hora das decisões a tomar, sem o menor resguardo do conteúdo essencial do próprio direito.
Sobre a orientação geral da política externa, numa fase tão rica em transformações que coube nela a parte já construída da União Europeia (sem falar nos casamentos prometidos), as ocorrências de consulta prévia- sempre tardia, sempre escassa, sempre reticente - contaram-se pelos dedos.
Sobre os Orçamentos do Estado e as Grande Opções dos Planos, as consultas foram sempre genéricas, não acompanhadas das respectivas propostas e, em regra, posteriores à sua aprovação pelo próprio Executivo.
O requisito da anterioridade foi sistematicamente incumprido. O efeito útil da consulta foi sistematicamente neutralizado. As raras observações dos consultados foram sistematicamente desprezadas.
Os Governos limitaram-se a cumprir mal uma formalidade, sem acatarem minimamente bem um requisito de legalidade e uma exigência constitucional de abertura à cooperação democrática.
A claudicar no terreno dos princípios se chegou até à segunda revisão. Novo avanço: o que na versão anterior só vinculava o Governo central perante os partidos com representação parlamentar e não representados nele, passou a vincular todos os executivos perante os partidos representados nas correspondentes assembleias, desde que designadas por eleição directa e que dele não fizessem parte.
Por miúdos: as assembleias legislativas regionais, as assembleias municipais, as assembleias de freguesia, amanhã as assembleias das regiões administrativas, perante os correspondentes executivos.
E se, no que se refere às assembleias legislativas regionais, tratou-se apenas de constitucionalizar o que já era objecto de uma remissão lacónica do velho estatuto, no mais trata-se de novidade relevante que a reiteração da anterior passividade veio a relegar para o rol das novidades caducas. Cinco anos volvidos sobre a última revisão, o Governo dorme e a rotina campeia! Os partidos da oposição parlamentar continuam a ter só os direitos que lhes foram reconhecidos em 1977 e a exercê-los na forma mitigada e sem conteúdo que os governos lhes consentem. Os partidos da oposição regional e local nem esses têm. Dificilmente se foge à impressão de que os governos regionais e locais se regem pelo mesmo missal de resistência passiva do Governo central, e que este despreza tanto o poder deliberativo local que não vacilou em expropriá-lo, de facto, de importantes direitos que a Constituição lhe assegura. Já a vários títulos o sabíamos.
Mas, por uma outra razão ainda, tanto o actual Governo como o que o precedeu têm em tudo isto uma responsabilidade acrescida. É que, sendo governos de maioria absoluta, maior é a exigência de uma visão plural. Em governos de maioria relativa, o pluralismo democrático já em certa medida é assegurado, com eficácia também relativa, pelo debate e pela deliberação parlamentar. Mesmo em governos de coligação maioritária, o número de partidos coligados assegura, em certa medida, o choque das opiniões plurais.
Não é assim no caso de maiorias absolutas. Aí ou se possibilita o choque conflitual com as oposições ou se cai na tentação de um sistema de Governo que, na prática, se limita a salvaguardar as aparências: autoritário na essência, pluralista e democrático na forma.
Somos, a este respeito, particularmente sensíveis. É preciso que se não reabram "as feridas da nossa memória"!...
O desrespeito pelos direitos dos partidos da oposição tem ainda uma outra vertente: pode legitimamente esperar-se de uma maioria que não faculta a participação democrática aos partidos que faculte a participação democrática aos cidadãos?
O desafio da necessidade de o sistema político abrir à sociedade civil está aí definitivamente colocado. E colocado não apenas em termos de urgência mas também de resposta que não iluda o que essencialmente se exige. O fim do monopólio da iniciativa política dos partidos, embora ainda não formalizado, já foi. Constato resistências neo-jacobinas predicatórias de todos os males.
E dou por mim a sobrepor aos riscos da abertura à efectiva participação dos cidadãos a convicção de que não é possível manter por mais tempo aquele monopólio sem riscos bem mais receáveis e mais certos.
Do que se trata é de fugir à tentação, sempre renovada, de recentralizar o poder. Fugir autonomizando-o por áreas, hierarquizando-o por níveis, combatendo o corporativismo remanescente nos grandes corpos do Estado. Mas sem a ilusão de que o Estado é algo a substituir pela sociedade civil, para lá da aplicação do princípio da subsidiariedade, isto é, da medida em que pode substitui-lo com vantagem. Assim, pois, sem retoma de "feudalidades e baronias". E, sobretudo, de insegurança e de desordem.
Não hei-de esquecer-me que, na origem, quem democratizou foi o Estado, e que o fez contra privilégios e mordomias regionais e locais. O que eu não quero é um fenómeno de sentido inverso: que a unidade nacional, construída em torno do Estado, passe a incorrer no risco, ainda que tendencial, de qualquer sorte de feudalismo ao nível da base - ou de federalismo, tanto faz -, que, a meus olhos, seria tão condenável quanto em certos termos - e dentro de certos limites - pode ser irreversível, se não defensável, um certo federalismo ao nível da cúpula.
Isso conjurado, estou com Tocqueville - sempre ele! - e com a necessidade de, "para lutar contra a passividade cívica, tratar (o mais possível) em comum os assuntos comuns, e multiplicar até ao infinito, pelos cidadãos, as ocasiões de agir conjuntamente...".