2828 I SÉRIE - NÚMERO 87
lugar envolveu personalidades e instâncias da mais alta hierarquia do Estado correspondentes à dimensão desta mesma indignação.
Estava em causa a aplicação do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro, e a interpretação que do mesmo foi feita permitindo inclusive que se pudesse constatar o facto de, quase em simultâneo com a atribuição de pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País e agentes da extinta PIDE/DGS, ser recusada a mesma pensão a um dos heróis da Liberdade - o Capitão Salgueiro Maia. E. para além das explicações de ordem formal ou jurídica que foram invocados como justificativos de uma e outra decisão, a verdade é que a opinião e todos os democratas deste país condenaram de forma veemente tal decisão.
É na verdade incompreensível que no Portugal de Abril sejam louvados aqueles que foram os grandes responsáveis, na prática, pela mordaça, pelas prisões arbitrárias, pela devassa dos cidadãos, pela tortura e até pela morte de muitos cidadãos cujo único «crime» foi o de pensarem pela sua própria cabeça e defenderem os mais elementares direitos cívicos.
A Revolução de Abril foi reconhecidamente tolerante para com os seus inimigos e essa foi uma característica claramente assumida pelos seus principais responsáveis, mas isso não pode significar que os inimigos da Liberdade e da Democracia sejam louvados por um conjunto de acções que representam tudo aquilo contra o qual se revoltou em massa o povo português. O tempo ajuda a perdoar mas não deve levar ao esquecimento e ao branqueamento das acções contra as quais temos de estar continuamente prevenidos, se não queremos correr o risco de perder o que conquistámos com o 25 de Abril - a própria liberdade. Aliás, as gerações futuras não nos perdoariam que tal acontecesse e não podemos alijar a responsabilidade que pesa sobre nós - os que vivemos e conhecemos o passado que queremos definitivamente ultrapassado- que é a de permanentemente ser testemunho desse passado para melhor compreendermos o que significa viver em democracia.
A grande reacção da opinião pública àquilo que foi considerado como a recuperação de valores que queremos definitivamente eliminados teve como consequência a alteração do Decreto-Lei n º 404/82. Esta alteração, através do Decreto-Lei n.º 136/92, clarificou que a atribuição de pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País implica a necessária «adequação aos sentimentos democráticos dos cidadãos e pressupõe que o beneficiário revele exemplar conduta moral e cívica».
O novo quadro legal assim criado passou a implicar um reforço da exigência na atribuição das pensões, uma vez que implica, como refere o n.º 2 do artigo 3.º, que o beneficiário «observe de modo constante e permanente o respeito pelos direitos e liberdades individuais e colectivos bem como pelo prestígio e dignidade do País».
É, pois, evidente, que esta nova redacção implica um outro juízo de valor sobre os pressupostos na atribuição das referidas pensões, não permitindo que aqueles que atentaram contra os mais elementares direitos dos cidadãos possam vir a usufruir de tais pensões que se destinam, é bom sublinhar, como aliás consta do próprio decreto-lei, que «permitiu» atribuir as pensões aos agentes da ex-PIDE/DGS e que passo a citar: «origina o direito à pensão por serviços excepcionais e relevantes ao País: 1.º) a prática, por cidadão português, militar ou civil, de feitos praticados em teatro de guerra, de actos de abnegação e coragem cívica ou de altos e assinalados serviços à Pátria ou à Humanidade; 2.º) a prática, por parte de qualquer funcionário ou agente do Estado, de algum acto humanitário ou de dedicação à causa pública de que resulte a impossibilidade física ou falecimento do seu autor.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é possível que, mesmo na interpretação deste decreto-lei, no Portugal democrático, fossem atribuídas pensões a agentes da ex-PIDE/DGS, eis o que chocou e provocou as mais legítimas dúvidas, até mesmo do ponto de vista jurídico e constitucional.
Quem é que podia conceber, em Abril de 1974, que entidades do Estado com responsabilidades pudessem fazer tal interpretação? Que medos, que dúvidas, que receios, que compromissos podem ter estado na origem de tais decisões? Estas são as perguntas, entre outras, para as quais interessaria ter resposta.
O Grupo Parlamentar do PCP ao constatar, por um lado, que a nova redacção não fazia cessar as pensões entretanto atribuídas a agentes da extinta PIDE/DGS e, por outro, que as «pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País não é uma pensão atribuída no âmbito da Segurança Social, é antes a expressão material de uma dívida de gratidão do Estado português», entende «legítimo que o Estado português possa, após a atribuição das pensões, reconhecer a inexistência de qualquer dívida de gratidão e fazer cessar aquela expressão material».
As alterações propostas visam assim, em primeiro lugar, impedir que no futuro qualquer agente da ex-PIDE/DGS possa vir a usufruir de tal pensão, e, em segundo, permitir a extinção da pensão em resultado da «revisão com fundamento na inobservância de exemplar conduta moral e cívica, na definição que é dada pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º, suscitado oficiosamente por qualquer cidadão, a todo o tempo, através de requerimento fundamentado dirigido à Presidência do Conselho de Ministros».
Se, no que se refere à explicitação do impedimento de qualquer agente da ex-PIDE/DGS vir a receber as referidas pensões não oferece qualquer objecção, como, aliás, mesmo na redacção anterior não oferecia, já a possibilidade da extinção da pensão, apesar de moralmente justa, não parece, do ponto de vista jurídico, inteiramente pacífico, embora haja juristas que invocam a questão da inconstitucionalidade que não devia permitir a atribuição das referidas pensões.
De qualquer modo, a ideia geral subjacente ao projecto de lei do PCP corresponde àquilo que foram e são as grandes preocupações manifestadas pela opinião pública e com as quais o Partido Socialista está obviamente solidário, a exigir que o Parlamento encontre as soluções mais adequadas para que situações destas não se possam repetir.
Assim, embora sujeito a uma discussão tecnicamente mais aprofundada em termos de especialidade, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não só dá o seu voto favorável ao projecto de lei do .Partido Comunista Português como louva a sua iniciativa.
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português vem na sequência de uma conhecida decisão de atribuição de três pensões que causou alguma incomodidade em diversos sectores, nomeadamente políticos e parlamentares. E tanta incomodidade causou que, pouco tempo depois, por iniciativa do Governo, foi altera-