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2 DE JULHO DE 1994 2825

Oscar Cardoso, o ex-agente da PIDE/DGS a que a SIC deu tempo de antena, num debate que deu o tom às comemorações. A arrogância que exibiu contrastou com a subserviência com que foi tratado. Nem uma, a arrogância, nem outra, a subserviência, escondem o seu currículo pessoal.
O Oscar Cardoso celebrizou-se em Portugal e nas ex-colónias pelo alto nível de responsabilidades que deteve e assumiu no aparelho repressivo do fascismo. Não foi nenhum santinho de gabinete, como a certa altura quiseram pôr a correr. Envolveu-se pessoalmente na tortura de presos. São muitos os que vieram publicamente afirmá-lo. Vou referir três.
Carlos Manuel Myre Dores: teve dois períodos de tortura do sono, um período de cinco dias e quatro noites e outro de quatro dias e quatro noites; foi agredido a soco, a pontapé e com matracas.
Armando Cerqueira: dois períodos de tortura do sono, um de dois dias e uma noite e outro de quatro dias e três noites; entre outras barbaridades, sofreu a aplicação de uma sonda pelo nariz, através da qual introduziam as coisas mais variadas que os Srs. Deputados possam imaginar.
Acácio Pinto Barata Lima: dois períodos de tortura do sono, um de quatro dias e quatro noites e outro de uma semana inteira.
O inspector responsável em todos estes casos foi o Oscar Cardoso. Este mesmo Oscar Cardoso está presente e activo na PIDE/DGS até ao seu estertor final. Por outro lado, há três episódios que merecem aqui particular registo.
É ele que, no dia 16 de Março, vai, pessoalmente, prender o General Almeida Bruno, por sua iniciativa. No dia 25 de Abril, é um dos PIDES/DGS que prepara a fuga de Marcelo Caetano, ainda na esperança de fazer sobreviver o regime fascista. Já acossado, é dos mais altos responsáveis que, ainda no dia 25 de Abril, fica a dirigir o corpo de 200 PIDES/DGS que ocupam as instalações da sede, na Rua António Maria Cardoso. É sob as suas ordens que são distribuídas armas aos agentes' É sob as suas ordens que eles são instalados nas janelas do edifício! É sob as suas ordens que os agentes disparam, para o ar, como sempre fazem! Resultado: as únicas mortes que se verificaram em toda a acção militar revolucionária do 25 de Abril!
A atribuição destas pensões a ex-pides esteve na origem de um dos mais sórdidos espectáculos que se pode imaginar. Foi a perseguição e levada a tribunal de Francisco Sousa Tavares, pelos artigos que escreveu a exprimir a sua comovida e exaltada reacção contra a atribuição dessas pensões. Disse Sousa Tavares: «Este escarro em tudo o que representou a Revolução de Abril ressoará muito tempo em todos os que sofreram, em todos os que foram perseguidos pela PIDE, em todos os que prestaram à Pátria o excelso serviço de luta pela liberdade, com sacrifício da sua vida, do bem-estar, da carreira e da sua própria segurança».
Ao fim e ao cabo, Sousa Tavares dizia, com indignação e repulsa, o mesmo que um Deputado, desta Assembleia, José Pacheco Pereira, escreveu com outro estilo: «Tudo isto não pode justificar qualquer acto que objectivamente revela uma validação a posteriori ou, pelo menos, uma indiferença face àquilo que a PIDE fez e significou. O conteúdo desses actos e o seu valor simbólico não podem ser incorporados numa democracia, muito menos pela via de um reconhecimento pelo Estado de serviços distintos, realizados por estes homens, por aquela organização e naquele regime. O mundo da força, num mundo para além da lei, não pode ser legitimado pela democracia».
Srs. Deputados, a atribuição das pensões aos «pides» foi da inteira responsabilidade do Governo. Os despachos que conheço são subscritos pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva e pelos Ministros das Finanças Cadilhe e Braga de Macedo. Tal como resulta directamente da lei, é a estes membros do Governo que cabe a decisão final, decisão que pode ser desfavorável mesmo que haja qualquer parecer favorável no processo, venha ele de quem for, como é o caso dos pareceres do Supremo Tribunal Militar.
O método que seguiram estes ex-pides para obterem as pensões foi o de aproveitarem a legislação existente, que permitia o requerimento daquelas pensões por serviços excepcionais e relevantes, invocando factos em que tivessem participado no teatro de guerra, durante a guerra colonial. Nos requerimentos, esses factos eram isolados de todo o contexto em que os requerentes, como agentes da PIDE, se inseriam. O processo foi submetido a parecer do Supremo Tribunal Militar, que apreciou somente os factos invocados, desinseridos das funções, do curriculum e da organização criminosa a que o requerente pertencia.
O Almirante Cerejeiro, então Presidente do Supremo Tribunal Militar, afirmou publicamente que a responsabilidade pelas pensões era do Governo, que era o único a ter o poder de as conceder ou de as negar, e não do Supremo Tribunal Militar, que se limitava a dar um parecer não vinculativo. Como já disse, isto é verdade, efectivamente. Mas isso não toma menos chocante e indigno que o Supremo Tribunal Militar ignorasse completamente todos os factos relativos ao curriculum e funções dos requerentes e às características da PIDE, isto ao mesmo tempo que denegava um parecer favorável a um requerimento de Salgueiro Maia, recusando-se a reconhecer - a ele. Salgueiro Maia! - os actos de abnegação e coragem cívica e os altos serviços prestados à Pátria consubstanciados na acção militar do 25 de Abril e no determinante papel que nele teve Salgueiro Maia.
Isso tomou a acção judicial contra Sousa Tavares posta pelo Supremo Tribunal Militar e o apoio dado ao Supremo Tribunal Militar pelo Ministro da Defesa, factos ainda mais inaceitáveis. Foi, assim, com base em pareceres que não consideram nem apreciam todos os factos relevantes que o Governo decidiu. E fê-lo sem dar a devida relevância à qualidade dos requerentes como agentes da PIDE/DGS e aos comportamentos que nessa qualidade tiveram - digo-o com toda a consciência.
Quando afirmo que o Governo não deu a devida relevância a esse facto, estabeleço uma presunção, segundo os princípios da boa-fé. Mas, se alguém aqui, incluindo a bancada do PSD, entende que o Governo deu as pensões dando relevância ao facto de eles serem agentes da PIDE, então é bom que isso fique esclarecido de uma vez por todas: que seja dito, aqui e agora, e com esse conteúdo exacto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Até lá, enquanto essa frase não for dita assim, em redondo, sem dúvidas, continuaremos a estabelecer que, para efeitos da decisão administrativa da concessão das pensões àqueles ex-pides, não fez parte dos seus fundamentos o facto de serem ex-pides.
O escândalo foi tal, na altura, que o próprio Governo alterou a lei, esclarecendo, através de um aditamento de um n.º 2 ao artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 404/82, que a «exemplar conduta moral e cívica» já exigível para atribuição das pensões ao beneficiário que a requeria se traduzia, designadamente, «no respeito das liberdades e direitos dos cidadãos». Este acrescento é de valor meramente simbólico. Se ao tempo da atribuição das pensões já era