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I SÉRIE - NÚMER0 37
Orador: - 0 PSD, hoje, tem ainda a palavra e está prestes a ter a última oportunidade nestes domínios.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Uma sociedade corrompida é uma sociedade na qual os homens já não sabem exercer a sua liberdade. Montesquieu tinha razão quando dizia que «a corrupção na República» é «a corrupção da República» e o sinal da sua própria morte. E quando os eleitos políticos e económicos passam por corruptos, a República corre o risco de submergir nos labeus de todos os populismos fáceis e infantis.
E isto que temos de atalhar.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Narana Coissoró, Silva Marques, Octávio Teixeira e Manuel Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, à boa maneira do Manifesto Comunista, V. Ex ªiniciou o seu discurso dizendo que a sombra da corrupção atormenta o nosso regime democrático. Ninguém pode deixar de lhe dar razão quanto ao facto de esse cancro da corrupção, que alastrou e já penetra, com as suas metástases, não só na alta administração e nas empresas públicas mas até nos lugares dos titulares eleitos, ter chegado a um ponto em que pede respostas políticas urgentes. É isso mesmo que, desde há muito tempo, o CDS-PP vem reclamando.
Só que, em primeiro lugar, essa reclamação foi olhada com um certo descaso, depois, corri uma crítica feroz, dizendo-se que estaria ligada ao anti-politicismo ou a uma cruzada contra a classe política, e, em terceiro lugar, que visaria uma guerra surda institucional em que se buscava qual o lado de que vinham os corruptores - se os nomeados pelo Presidente da República se pelo Governo. Discutia-se se a cada «melancia» correspondiam duas os três «laranjas» ou se a cada «laranja» correspondiam alguns «mateus». E, efectivamente, passámos algum tempo a discutir não a corrupção e os corruptos mas as vítimas.
Mas agora pergunto: o que é que está em causa, sendo que a corrupção não é um fenómeno novo? Durante os governos do PS e do PSD criou-se a Alta Autoridade Contra a Corrupção, que acabou mal, sem deixar qualquer vestígio da sua acção - da bancada do CDS foi dito por um Deputado que ela era tão alta, tão alta, que toda a corrupção lhe passava por baixo! Depois, criou-se o chamado conflito institucional entre o Procurador-Geral da República e o Ministro da Justiça e estivemos entretidos, na Comissão e aqui, no Plenário, a saber de quem era a culpa. Mais uma vez, parecia que o conflito institucional passava por estas bancadas, na medida em que o PSD estava sempre pronto a atacar o Procurador-Geral da República, apoiando o Ministro da Justiça, e a oposição, dizia-se, apoiava o Procurador-Geral da República contra o Ministro da Justiça. Mais uma vez, também, a corrupção passava por baixo deste conflito institucional e da verdadeira corrupção.
Agora, parecem estar todos de acordo. 0 Procurador-Geral da República diz ter já nas suas mãos os meios necessários, o Procurador-Geral Adjunto, Sr. Procurador Bonina, está já especializado nas matérias, com jurisdição sobre a investigação destes casos. Ora, é exactamente quando este problema parece começar a ter alguma solução e alguma viabilidade que o PS vem levantar outra vez o aspecto de suspeição sobre a viabilidade de, rapidamente, serem resolvidos esses problemas de corrupção.
Em segundo lugar, não me parece que o problema da corrupção seja apenas um problema de leis, na medida em que está já prevista em leis especiais, no Código Penal, havendo, portanto, instrumentos legais que lhe são aplicáveis e politizar outra vez a corrupção significa deitar um anátema sobre os não corruptos.
Em vez de excepcionar os corruptos, dizer que tudo quanto se faz não chega, porque a corrupção é uma sombra que paira sobre o regime democrático, é começar já a duvidar de que o Procurador-Geral da República tem meios suficientes para a combater eficazmente ou temer, desde já, que com o «governo dos juízes» a corrupção é uma arma dos tribunais contra a classe política.
Não sei o que é que V. Ex.ª quis trazer aqui com esta suspeição nesta sua declaração política: se teme efectivamente que os meios dados à Procuradoria-Geral da República sejam anti-políticos ou ponham em causa o regime político ou se acha que o próprio Procurador-Geral da República deve ser balizado por medidas políticas votadas nesta Assembleia. Politizar a corrupção, retirando-a da alçada do Procurador-Geral da República e dos tribunais - que, entre nós, não correm o perigo de criar uma «república dos juízes» -, seria, com certeza, um contra-senso.
Por tudo isto, não percebi qual o alcance da sua declaração política. Apesar de a Procuradoria-Geral da República dizer que há um verdadeiro combate à corrupção, V. Ex ª duvida desse combate e precisa de politizar a corrupção, o que quer dizer que se, amanhã, por qualquer razão desditosa desta sociedade, o PS for poder, politizará a corrupção, retirando os meios à Procuradoria-Geral da República.
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
0 Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, agradeço-lhe a pergunta que está implícita na sua intervenção e devo dizer-lhe que a questão de fundo relativa à corrupção e à transparência, razão da minha intervenção, está no facto de considerar que esta é uma questão decisiva do Estado democrático em Portugal e não só, pois a questão da transparência e da corrupção, hoje, é uma questão vital nas modernas democracias ocidentais, não sendo, portanto, o caso isolado de Portugal. É um caso de rigor, de eficácia, de aprofundamento e de funcionamento das democracias.
Em Portugal, a questão é tanto mais premente quanto estamos, em certa medida, a lançar neste domínio os caboucos de um regime democrático - somos um regime democrático jovem. Como tive oportunidade de referir, deve-se ao PS o facto de, pela primeira vez depois do 25 de Abril, ter proposto a primeira lei da República sobre a incompatibilidade dos políticos. No entanto, isso só foi feito em 1988, o que significa que os domínios da participação política mereceram a atenção dos constituintes enquanto que os do rigor do funcionamento do sistema não a mereceram.
Não podemos pensar que a questão da transparência é uma questão penal, criminal ou repressiva, exclusivamente a cargo do Sr. Procurador-Geral da República, que tem um papel na iniciativa penal muito relevante, que nós, aliás, genericamente apoiamos. Os problemas da corrupção não são problemas repressivos, com V Ex.ª sabe e pareceu passar ao lado desse entendimento que sei que tem.
Os problemas da corrupção são problemas preventivos e dissuasores e é, sobretudo, no âmbito da prevenção e dissuasão que os queremos atacar. Por essa razão, propomos V. Ex.º, aliás, deu já o seu acordo - que seja completada a