17 DE OUTUBRO DE 1996 47
deposição de mais um resíduo sólido supérfluo nas nossas lixeiras, assim transformado em matéria-prima secundária.
Por outras palavras, papel reciclado a requerer duas ou três vezes menos energia que a produção de igual quantidade de papel fabricado à base de fibras virgens. Papel produzido a partir de papéis usados, a necessitar 50 a 200 vezes menos água do que o fabrico de papel novo, com uma poupança equivalente ao consumo diário de 1000 pessoas. Papel a exigir para a sua produção menos de metade da energia que papel novo. Papel produzido a permitir a redução de cerca de 75% das emissões atmosféricas, 25% das descargas no meio aquático e cerca de 45% do consumo de oxigénio durante o processo do seu fabrico. Papel reciclado a requerer duas ou três vezes menos energia que a produção de igual quantidade de papel fabricado à base de fibras virgens. Fibras de cuja importação até dependemos e que, em última análise - é bom não esquecer -, continuam a ser a justificação para o poder das celuloses e para a expansão indiscriminada da plantação do eucalipto, cuja herança ambiental tão negativa e cara Portugal já está e continuará ainda a pagar.
Dados que não são novos. Uma realidade que permanece velha, mas que, pela sua dimensão e pela possibilidade real de ser transformada, justifica plenamente, em nosso entendimento, a adopção de medidas específicas que o nosso projecto de lei sobre o regime de promoção do uso do papel reciclado, hoje em discussão, visa atingir. Um projecto de lei que, em bom rigor, não é novo, na medida em que retoma, no essencial, o projecto de lei de Os Verdes, apresentado em Maio de 1992, e que a então maioria do PSD, isolada, rejeitou.
O Sr. Paulo Neves (PS): - Exactamente!
A Oradora: - Um projecto de lei que não tem por objectivo a reafirmação genérica da importância da reciclagem como um dos princípios orientadores da política dos três Rs, mas pretende fundamentalmente fazer da reciclagem uma prática quotidiana na sociedade portuguesa, que a realidade até agora tem negado.
Com efeito, embora a reciclagem do papel tenha vindo a aumentar ligeiramente, a verdade é que não só a percentagem de papel recolhido continua muito longe do desejável como se verifica que a sua utilização em reciclagem é ainda menor, o seu consumo permanece escasso, o preço elevado, a sua oferta limitada, a sua valorização social e ambiental quase nulas. Razões que o explicam são várias, bem como os obstáculos que contribuem para esta situação: dificuldades na recolha, deficiente separação e armazenamento de papel, com reflexos na sua qualidade, desorganização na estrutura de produção, falta de apoio ao sector nacional, tecnologia obsoleta, mecanismos de mercado ultrapassados, insuficiente informação sobre as vantagens da reciclagem de papel e sua utilização, ausência de uma estratégia de promoção do seu uso. Causas que importa equacionar definindo uma estratégia que, em nossa opinião, faça passar do velho patamar da declaração do princípio - a importância da reciclagem
- ao novo patamar da definição de medidas que lhe dêem conteúdo e favoreçam o seu uso generalizado.
Um processo feito de objectivos concretos, definidos no tempo, sem excessos de voluntarismo nem retrocessos face ao passado, que permita gradualmente dar novos passos tangíveis e por isso mesmo, é nossa convicção, credíveis.
Uma estratégia de promoção de papel reciclado em que reservamos para o Estado e a Administração não um papel marginal ou passivo mas activo e interventor, criando condições que desbloqueiem o sector, permitam a modernização e reconversão das indústrias hoje em crise, estimulem o acesso a novas tecnologias, favoreçam a reorganização do mercado. Mas uma estratégia que, sobretudo, à semelhança do que há 15 anos atrás, numa resolução do Conselho da Europa de 3 de Dezembro de 1981, já se recomendava, «sobre a reutilização de papel usado e a utilização de papel reciclado», pretende fazer da Administração o principal animador deste processo.
Uma Administração que, pela primeira vez, não vem dizer, imperativa, aos outros o que devem fazer, nem pregar, moralista, práticas que para si própria recusa, mas uma Administração que vem, ela própria, dar o exemplo.
Uma Administração Pública que aos mais diversos níveis, das escolas aos hospitais, das autarquias à Assembleia da República, passando pelos institutos públicos e o imenso universo de entidades por si tuteladas, deve passar, do Continente às Regiões Autónomas, a evitar o desperdício, a proceder à separação do papel e cartão usados, a garantir a correcta recolha diferenciada do seu papel usado, permitindo um eficaz reaproveitamento. Passando para isso a ter de sensibilizar todos os organismos da Administração com campanhas de informação, sensibilização e educação ambiental próprias que expliquem os objectivos, façam compreender a sua importância, tornando-os a todos parceiros e aliados de um processo cujas vantagens também são suas.
Uma Administração que passará, progressivamente, a consumir produtos de papel reciclado de forma a atingir metas que nos aproximem dos demais países europeus, designadamente a França, a Dinamarca, o Reino Unido, a Alemanha, onde esta experiência há muito se verifica com assinalável êxito.
Uma Administração Pública, por fim, que, como grande consumidora, pode ter um efeito regulador nos mercados, mas que pode, sobretudo pelo seu
papel pedagogizante e pelo exemplo que pode dar, ter um efeito multiplicador noutros sectores da sociedade que induzam a comportamentos ambientalmente mais correctos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação do projecto de lei que o Grupo Parlamentar de Os Verdes hoje faz está concluída no enunciado dos seus contornos e dos objectivos que se propõe atingir. Trata-se de fazer da reciclagem uma opção, com vantagens ambientais e económicas óbvias, e da promoção do seu uso um meio através do qual a sociedade humana pode diminuir os custos de produção onerados pela compra de matérias-primas novas. Mas trata-se, sobretudo, de contribuir significativamente para a preservação do valioso património que a Natureza coloca nas nossas mãos e importa, com inteligência, saber utilizar, satisfazendo as necessidades do presente sem comprometer os direitos do futuro.
Os caminhos para o concretizar estão identificados. São medidas legislativas, técnicas, fiscais e ambientais que, como é evidente, na visão cultural implícita, exigem informação e participação democrática de todos e de cada um. Os protagonistas deste processo também. Desta feita, o Estado e a Administração que não se limitam a criticar zangados o que outros não fazem, mas que têm oportunidade de marcar pelo exemplo a diferença. Uma oportunidade que, no caso, também é nossa e começa neste Parlamento, cuja mudança de hábitos é tempo de iniciar e para a qual apresentamos, também hoje, um projecto de deli-