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20 DE DEZEMBRO DE 1996 829

Na sequência do Decreto-Lei n.º 173/74, de 26 de Abril, da Junta de Salvação Nacional, que amnistiava os crimes políticos e as infracções disciplinares da mesma natureza, vários diplomas reintegraram em funções servidores do Estado, prevendo a possibilidade de ser contado o tempo relativo à suspensão de funções para efeitos de aposentação. Houve mesmo, com idêntico espírito, outro decreto-lei que alargava semelhante faculdade a todos os beneficiários de instituições de previdência que, por iguais motivos políticos, tivessem sido impedidos de exercer as suas profissões e o seu direito ao trabalho.
De notar, ainda, que o Governo vigente à época, de que era Primeiro-Ministro o Dr. Mário Soares, promulgou o Decreto-Lei n.º 171/77, de 30 de Abril, alterado na sua redacção posteriormente, que criava uma pensão a atribuir aos cidadãos portugueses que se tivessem distinguido por méritos excepcionais na defesa da liberdade e da democracia.
Ora, verifica-se que, por várias razões, uma das quais a do desconhecimento da lei e a de existência de períodos curtos de apresentação dos requerimentos, há cidadãos que não beneficiaram da faculdade prevista nos diplomas que referi, nem foram contemplados na atribuição dessas pensões por méritos excepcionais.
Trata-se, no imediato, de umas quantas dezenas de homens e mulheres, que contribuíram com o melhor de si mesmos para que hoje nós aqui estejamos, neste órgão de soberania pluralista, representando o povo português, sem quaisquer dúvidas de legitimação democrática.
Homens e mulheres que se aproximam do fim da vida e que num passado recente se empenharam anos a fio, com coragem e persistência, na luta pelas suas ideias, sofrendo, por isso, perseguições, exílios e prisões.
Homens e mulheres que, regra geral, não vieram a ocupar cargos de relevo nas instituições democráticas, nem são iluminados pelos holofotes da mundanidade mais ou menos política.
Homens e mulheres que não pedem benesses ao Estado, pois não se consideram nem heróis nem mártires por terem, com as suas grandezas e as suas misérias, recusado a passividade e a submissão.
Cabe ao Estado, isso sim, ao Estado Democrático e a nós próprios, enquanto legisladores, assumirmos as nossas obrigações perante eles.
Não se trata de lhes dar um prémio; o derrube do fascismo e a vitória da democracia foi o prémio por que ambicionavam. Não se trata de os indemnizar, como, aliás, fez a Espanha democrática aos presos políticos do franquismo.
Com efeito, não são indemnizáveis as humilhações sofridas, os espancamentos e as torturas, as carreiras profissionais interrompidas, as famílias separadas, os anos de vida passados por detrás de grades, as esperanças defraudadas, os sonhos frustrados, a raiva e o desespero que assolavam frequentemente mesmo os mais fortes, perante a longevidade de uma ditadura que quase atingiria os cinquenta anos.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como afirmou em artigo publicado no Expresso, de 18 de Fevereiro de 1995, o então Presidente da República, Dr. Mário Soares, é «em nome da mais elementar justiça» que se justifica uma iniciativa legislativa como esta agora em debate.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaria ainda, se me permitem, de acrescentar um outro aspecto. A aprovação deste projecto de lei por esta Câmara - como espero venha a acontecer - constituirá, além de tudo o mais, um gesto de grande significado político e cívico.
Têm os portugueses a infeliz tendência para as homenagens póstumas, para os elogios palavrosos, mas parcos de acções concretas em tempo útil. Seria bom que nós, Deputados, mas também os demais titulares de cargos públicos, em suma, o Estado, contrariássemos tal tendência, adoptando uma atitude mais efectiva e afirmativa de valorização daquilo que foi a luta contra a tirania salazarista-marcelista.
Não num sentido meramente comemorativista e litúrgico, mas de forma pedagógica que contribua para que, sobretudo, as novas gerações saibam bem valorizar o que há de diferente entre o passado, que felizmente não viveram, e o presente que lhes pertence, reforçando os valores e as referências que os devem nortear na construção do futuro, podendo, assim, defender e potenciar as virtudes da liberdade e da democracia, compreendendo melhor as razões que levaram alguns contemporâneos dos seus avós e pais a correr riscos e a não se acomodarem ao statu quo social e político. Um statu quo cujas arestas o tempo tende a esbater, até na memória daqueles que o viveram, mas que há quem activamente pretenda caricaturar, por saudosismo ideológico ou cinismo intelectual que relativiza as ideias e as causas.
De facto, já parece coisa de ficção esse país menorizado em que se viveu durante longos 48 anos, onde não eram garantidos os direitos e as liberdades essenciais. Um país onde quem trabalhava não podia fazer greve e só era possível realizar manifestações a favor do governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Um país que se diria ocupado, de tal modo se tinha de procurar a informação, que a censura prévia cortara, nas rádios que emitiam do estrangeiro. Um país onde dizer um poema de Manuel Alegre, cantar uma canção de Zeca Afonso ou de Adriano, para só falar destes, era um acto de resistência e de rebeldia. Um país onde se escrevia auto censurando a escrita, para que o pensamento não esbarrasse com o lápis dos censores. Um país onde se era julgado por delito de opinião em tribunais plenários, na base de processos elaborados pela própria polícia, sem que o réu fosse assistido por advogado e sujeito a penas que se podiam prolongar indefinidamente devido às medidas de segurança. Um país onde se tinha de assinar uma declaração de pureza ideológica se se queria ser professor ou funcionário público. Um país isolado do mundo, menosprezado, secundarizado, para vergonha de todos aqueles que têm brio em serem portugueses. Um país, onde, parafraseando o poeta, se vivia a medo, se amava a medo, se pensava a medo e a medo se morria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar, seja-me permitido repetir e acentuar: aprovar este projecto de lei é não só um acto de elementar justiça mas também um gesto cívico que honrará este Parlamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado António Filipe, está em condições de fazer a sua intervenção? Pergunto isto porque a Mesa tem a inscrição de dois Srs. Deputados do PCP, Ruben de Carvalho e António Filipe, para intervirem, pelo que não sei se...