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1064 I SÉRIE - NÚMERO 28

tradição cultural e envolve a consideração pelo bom nome e imagem dos dignatários da Igreja Católica, vale dizer que ainda mais do seu chefe supremo, o Papa.
Não interessará recordar que esse respeito foi na nossa História marcado por imposições que compreenderam actos de intolerância institucional expressos em inquisitoriais autos-de-fé e perseguições. No equilíbrio entre o bom e o mau que toda a História comporta, reclamemo-nos antes do convívio entre diferentes raças e culturas que os oito séculos portugueses igualmente contêm.
Haverá assim que saber como, no caso da caricatura do Papa João Paulo II do talentoso caricaturista António, se equilibram os dois direitos profundamente enraizados na nossa terra: o direito à crítica e à liberdade de expressão e o direito à consideração e ao respeito pelas crenças.
À semelhança do que escreve a Alta Autoridade para a Comunicação Social, pensamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que este equilíbrio não foi, neste caso, rompido. Trata-se, como não pode deixar de ser, de um juízo subjectivo, ancorado contudo em algo de substantivo: na compaginação de direitos como os aqui confrontados, pensamos que sempre sobreleva algo de tão intrínseco e essencial à democracia como o é a liberdade de expressão e de crítica.
Outro aspecto mais directo e concreto não pode, porém, deixar de ser referido.
É possível afirmar que, durante décadas, a questão do uso ou não uso de preservativos foi essencialmente uma questão do foro íntimo de cada um, uma metodologia exclusivamente visando o controlo da natalidade que a cada cidadão e cidadã, de acordo com as suas convicções e vontade, cabia decidir. Em certa medida, pode aceitar-se que a posição da Igreja Católica sobre o assunto apenas afectava os crentes que a acatassem ou não, assim constituindo caracterizadamente uma questão do foro íntimo dos católicos.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a pandemia da SIDA alterou substancialmente os dados da questão. Hoje em dia, de metodologia aplicável ao controlo da natalidade, o preservativo transformou-se numa terapia para um mal que afecta toda a Humanidade, todos os homens e mulheres, sejam quais forem as suas convicções religiosas. Não estamos já face a um problema de simples opção individual mas a algo que tem a ver com todos os cidadãos, uma problemática a que, legitimamente, há que conceder o estatuto de responsabilidade de cada um perante todos os outros.
Neste quadro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no quadro de um problema de incidência, já não exclusivamente do foro íntimo e pessoal mas do domínio da própria sobrevivência da Humanidade, a responsabilidade aumenta e generaliza-se e, com ela, os direitos à intervenção, à informação, à crítica.
Por isso pensamos que, social e colectivamente, não têm razão os subscritores desta petição. Mas pensamos também que não lhes cabe apenas o direito de recorrerem, como fizeram, à ordem constitucional para manifestarem o seu desacordo e a sua crítica mas também, e o que é mais, que tal afirmação de opinião é um efectivo contributo para a defesa do direito de opinião e liberdade de informação que todos, subscritores e os que com eles discordam, indiscutivelmente prezam.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero chamar a atenção da Assembleia para o facto de a petição que estamos a apreciar não sugerir sequer, e muito menos exigir, a "condenação à fogueira" de quem quer que seja, antes reclama um direito. Trata-se do direito ao respeito, que é um direito individual.
Nem vale a pena referir se Portugal é ou não um pais maioritariamente católico. Ainda que o não fosse, quando o respeito é desrespeitado não subsiste a crítica. E que a crítica e a discussão exigem alguma abertura entre os contendores, exigem uma capacidade de poder considerar o valor dos argumentos contraditórios. Quando se envereda pelo caminho da caricatura soez, da ofensa gratuita, num acto que em si próprio é anticultural - porque a cultura tem muito a ver com o respeito pelo que é respeitável -, não pode vir argumentar-se com a livre discussão de ideias.
Aliás, devo dizer que é muito duvidoso que alguém externo à Igreja possa discutir princípios que são internos à Igreja. Quando me refiro à Igreja poderia fazê-lo em relação a qualquer outra instituição. E que a pertença ou não a qualquer instituição, ainda que seja a Igreja, é um acto de liberdade em si mesmo e é também um acto de aceitação. E ninguém pode limitar o meu direito próprio de respeitar, de aceitar, de acatar as normas das instituições a que pertenço.
Nunca o Santo Padre nem nunca a Igreja levantaram o problema do preservativo que não nos estritos limites de defesa do direito à vida. Mas o direito à vida é mais importante do que qualquer instrumento e persiste na doutrina da Igreja quando se trata da SIDA. Em si mesma, a Igreja não pode admitir pacificamente que as pessoas se infectem umas às outras, se condenem à morte gratuitamente, seja qual for o motivo. E não o faz.
Poderia dizer, Srs. Deputados, que criticar a Igreja deve pressupor percebê-la. Ora, a Igreja é um complexo de homens e de santos, dos que estão na Terra e fora dela, de virtudes e de pecados. Por isso é que é humana, por isso é que é apaixonante, por isso é que é Mãe. Esta Igreja-Mãe merece o respeito de todos, mesmo dos que estão fora dela. É que ela é, indubitavelmente, a mãe dos que sofrem mais, dos pobres e de todos os outros. É-o sob a conduta do seu Chefe que é; incontestavelmente, uma figura respeitada e respeitável em todo o mundo.
O que se pede a esta Assembleia, através desta petição, é que desempenhe a sua função de balizar e que, sem condenar ninguém, diga o que está bem e o que está mal.
Peço a esta Assembleia que diga claramente que, sem prejuízo do direito de crítica nem do direito de discussão, está mal ofender gratuitamente uma figura como a do Santo Padre.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro que, na perspectiva de Os Verdes, todas as pessoas têm o direito de se indignarem e de contestarem. É um direito de todos e, portanto, também das pessoas que subscreveram esta petição.
A petição que está em discussão suscita-nos, aliás como já foi provado pelas intervenções anteriores. a abordagem de uma questão extremamente complexa, a da SIDA, um flagelo que urge de facto combater.