9 DE JANEIRO DE 1998 881
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate de urgência que decorre hoje, motivado por um projecto de diploma do Governo que veio a público recentemente e que pretende consagrar como objecto a formulação de um «código de conduta» e a explicitação de um «estatuto» para os alunos dos ensinos básico e secundário, parece indiciar que o problema fundamental do sistema educativo é a insurreição disciplinar nas escolas portuguesas - e desta errada constatação até ao desejo do PP de una escola repressiva foi um golpe de mágica.
Se, em 1912, Durkheim ainda afirmava que «Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor i1 criança modos de ver, de pensar e de agir,...», hoje. em matéria de educação e pedagogia, o objectivo fundamental é o de assegurar às crianças e aos jovens uma formação que tenha em conta a sua personalidade, o seu futuro e o reforço do respeito dos direitos e das liberdades fundamentais.
No entanto, as medidas adoptadas pelo Governo do PS têm-se evidenciado de tal modo inadequadas que têm permitido a alguns, demagogicamente, a apresentação de propostas que põem em causa a defesa da escola pública de qualidade e questionam o direito í1 educação e ao ensino em condições de igualdade de oportunidade de aceso e sucesso escolares.
Quanto ao projecto de diploma, merece-nos dois tipos de reflexão: o primeiro tem que ver com a metodologia utilizada pelo Ministério da Educação para a sua apresentação pública; o segundo com a validade pedagógica do conteúdo. A Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação, confrontada com as críticas generalizadas ao projecto, considera que não há razões para se preocupar, até porque, afirma «Em Portugal há pouco muito de debate». É esta leitura da sociedade portuguesa que explica o comportamento repetente do Ministério da Educação. Dá conhecimento à comunicação social do projecto, determina que o dia 15 constitui o terminus do debate e, porque em Portugal não há debate, não considera importante dar conhecimento do texto aos sindicatos, às associações representativas dos professores, dos pais e encarregados de educação, dos alunos, ou, simplesmente, enviar o documento para as escolas, atempadamente.
Mesmo assim, sem tempo para reflectir e debater, é aquilo que se vê. Imagine-se agora que o Ministério da Educação era mesmo defensor do diálogo, ouvia os parceiros sociais, avaliava as suas propostas. construía opiniões que fundamentassem as decisões. Mas não o é! Não o faz nem o fez, e é reincidente no incumprimento.
Se, quanto à discussão pública, o Ministério da Educação denunciou, mais uma vez, a sua incapacidade para cumprir qualquer Pacto Educativo com respeito pelos interlocutores, no que se refere à substância do diploma, é no mínimo um texto de literatura surrealista. Identificado o objectivo primeiro, que segundo o projecto é «construir unia escola de qualidade, capaz de garantir a todos o direito à educação e a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares», é inconcebível que, segundo os seus autores, este objectivo passe sumariamente pela estratégia da normalização de regras de conduta dos alunos, ou pela punição dos mesmos, quando os normativos disciplinares não forem cumpridos: E mesmo a este nível é irrealista.
Afirma-se no preâmbulo que são necessárias «respostas claras consistentes e sistemáticas da escola, da família e da comunidade». Comecemos pelas escolas sem biblioteca, sem espaços próprios para os alunos, sem espaços cobertos ou descobertos para actividades extracurriculares, sem bar ou sem refeitório e com salas para 20 alunos onde é necessário colocar 40. E as famílias que se confrontam diariamente com problemas de desemprego, de habitação, de saúde e de pobreza. E na comunidade, onde estão as instituições especializadas e apetrechadas para enfrentar as consequências do 4ue enunciámos ou para resolver as causas? Onde estão os recursos humanos e materiais acrescidos para responder aos problemas sociais que são transportados, cada vez com mais intensidade, para o interior da escola?
A tudo isto responderá o código de conduta explícito no regulamento da escola? Claro que não, e o Governo e o Ministério da Educação sabem-no!
Vale a pena agora reflectir sobre alguns dos itens que constituem os direitos dos alunos e que deverão integrar o regulamento. Dos 14 destacamos três, embora a leitura seja a mesma para os restantes: ter acesso a uma educação de qualidade; beneficiar de actividades e medidas de apoio específicas; beneficiar de apoios e complementos educativos adequados às suas necessidades específicas.
Formulam-se os direitos, mas ignoram-se as condições necessárias ao seu exercício e que são da responsabilidade do Ministério da Educação que não as garante na grande maioria das escolas. Seria indispensável que, hoje, o Governo desse número, sobre os serviços de psicologia e orientação escolares existentes, sobre os apoios e complementos educativos e depois os comparasse com a totalidade de alunos e escolas do País. Então constataríamos que este diploma se dirige a um sistema educativo virtual que em nada se assemelha ao sistema educativo português.
Se até aqui, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo identificámos a ausência de sentido entre o discurso do diploma e a realidade do País, a partir do capítulo IV a situação é outra.
Não tendo o Ministério da Educação dúvidas quanto à ausência de condições de trabalho para alunos e professores na maioria das escolas, e não tendo o Governo do PS tomado medidas pala inverter esta situação, só lhe restou uma alternativa: enviar para a escola e para a família todas as responsabilidades na resolução dos problemas, desresponsabilizando-se cada vez da construção de uma escola pública de qualidade.
É esta? a filosofia sempre subjacente às exíguas medidas (ornadas pelo Governo em matéria educativa. A proposta de lei do ensino pré-escolar retirava ao Governo a responsabilidade de criar uma rede pública de educação pré-escolar. A lei do financiamento do ensino superior desresponsabiliza o Governo em matéria de investimento e cobra o ensino superior aos alunos através das propinas. O decreto-lei dos curricula alternativos desresponsabiliza o Governo na obrigatoriedade de garantir a igualdade de oportunidades e responsabiliza os alunos pelo seu insucesso, excluindo-os dos curricula regular.
E nesta filosofia se enquadram também as medidas educativas disciplinares. Não temos tempo para analisar individualmente a validade pedagógica de cada uma; no entanto, há incorrecções de fundo que é indispensável referir. A tipificação dos comportamentos em leve, grave e. muito grave é Lima proposta inútil. O mesmo comportamento