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1036 I SÉRIE-NÚMERO 30

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para começar, não posso deixar de dizer quanto fiquei admirado com esta intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Damião. É que estava a aproximar-se o fim do seu discurso e eu a ver que a Sr.ª Deputada não dizia uma única palavra sobre as duas propostas de lei em discussão. No fim, lá conseguiu arranjar algum tempo para dizer que confiava no que esperava que o Governo viesse a fazer um dia.
Enfim, a Sr.ª Deputada confiará no que entender, mas penso que nós, na Assembleia da República, tratando-se de propostas de lei de autorização legislativa, não podemos ficar-nos por uma mera confiança abstracta e genérica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como tal, passo à apreciação destas duas propostas de lei.
Através da proposta de lei n.º 136/VII pretende o Governo alterar o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública. De entre os vários sentidos do artigo 2.º, o Governo exprime algumas pretensões que me permito identificar, pela sua completa generalidade.
Na alínea b) do artigo 2.º o Governo refere que a presente autorização legislativa visa «a flexibilização dos tipos de concurso e respectivos objectivos». Creio que, com esta afirmação, todos ficaremos esclarecidos sobre o que pretende o Governo, isto é, flexibilizar os tipos de concurso e respectivos objectivos. «Flexibilização» é uma palavra que o Governo deve entender como perfeitamente densificadora deste conceito para. efeitos da autorização legislativa.
Mais adiante, na alínea g), o Governo diz que pretende «o aperfeiçoamento da metodologia de selecção, com relevância para as provas de conhecimentos». Aperfeiçoar é sempre louvável mas, visto que estamos a apreciar uma autorização legislativa, gostaríamos de saber em que medida pretende o Governo aperfeiçoar.
Para além destas, há uma alínea perfeitamente incompreensível, a alínea e) do artigo 2.º, em que o Governo diz que pretende o «cumprimento dos princípios e regras do Código do Procedimento Administrativo (...)». Pretende dar cumprimento, através de uma autorização legislativa, a uma lei que está em vigor e é actual?!
É óbvio que a Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade e, como tal, aos princípios e regras do Código do Procedimento Administrativo. Vem agora o Governo dizer que não, que é através desta proposta de lei de autorização legislativa que, finalmente, vai dar cumprimento aos princípios e regras do Código do Procedimento Administrativo! Louva-se mais uma vez esta boa intenção, mas julgávamo-la desnecessária.
Finalmente, na alínea g) do artigo 3.º, o Governo diz que pretende determinar regras especiais em matéria de impugnações administrativas. Regras «especiais»'?! Especiais relativamente a quê e em que sentido?
Uma das matérias mais sensíveis num Estado de direito é a possibilidade de um particular, no caso um funcionário público na sua qualidade de particular, poder contestar uma decisão administrativa que envolve os direitos fundamentais da carreira em que se insere. E pretende-se agora, através de uma frase totalmente ambígua, criar «regras especiais aplicáveis em matéria de impugnações administrativas»?! Esta afirmação é suficientemente grave para que não possa deixa-la passar em claro.
Por seu lado, a proposta de lei n.º l38/VII contém algumas afirmações que também não quero deixar de referir.
Na alínea d) do artigo único, diz-nos o Governo que pretende criar um «regime de prestação de trabalho sujeito apenas ao cumprimento de objectivos definidos» e fica-se por aqui. O Governo certamente quereria que os Srs. Deputados se contentassem com dar-lhe autorização para fazer tudo o que bem entenda sobre a criação de um «regime de prestação de trabalho sujeito apenas ao cumprimento de objectivos definidos» quando, na Administração Pública, tem de haver regras claras e precisas relativamente aos regimes de prestação de trabalho, os quais se encontram clarificados no decreto-lei de 1988 que agora se pretende alterar.
Na alínea g) diz-se que o Governo pretende alterar o regime de trabalho a meio tempo. Alterar em que sentido? Alterar «para cima», alterar «para baixo», alterar «para o lado»...? Sr. Secretário de Estado, certamente não quer que esta Câmara se contente em aprovar uma autorização legislativa totalmente em branco, como a que estamos aqui a apreciar. E penso que estes exemplos são suficientes para demonstrar, à evidência, para não dizer ad absurdum. que V. Ex.ª deveria ter maior cuidado na apresentação a esta Assembleia de duas propostas de autorização legislativa sobre regimes essenciais da função pública, sem as acompanhar dos decretos-leis, das propostas de decretos-leis autorizados, os quais, obviamente, em face do Regimento e das elementares regras de comportamento democrático, deveriam acompanha-las, até porque, conforme diz o Sr. Secretário de Estado. resultam de um acordo com os trabalhadores da função pública de 1996. Estamos em 1998, Sr. Secretário de Estado! Dois anos não chegam para enviar a esta Assembleia as propostas de decretos-leis autorizados?! Parece-me que o Governo está claramente em falta relativamente a esta matéria e, obviamente, não veio preparado para discutir com a Assembleia uma matéria de tão grande importância.
Mas, Sr. Secretário de Estado da: Administração Pública, vou ainda fazer algumas considerações que, penso eu, nesta altura, importa sublinhar.
O Sr. Secretário de Estado, com certeza, tem noção de que o regime da função pública não é um regime equiparável ao dos restantes trabalhadores e que, pela própria Constituição, tem especialidades, como as previstas, desde logo, no artigo 50.º, com a prefiguração do direito de acesso, em igualdade de circunstâncias, à função pública, e no artigo 267.º, que fixa os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da imparcialidade que vinculam a actuação dos funcionários públicos.
Face a estas especificidades próprias clã função pública, as alterações que o Governo pretende fazer no regime da função pública, quer no recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, quer na duração e horário de trabalho, precisam, obviamente, de estar em' concordância com estas especificidades, inclusivamente constitucionais, do regime da função pública.
Ora, perante esta vaga proposta de autorização legislativa, falta-nos um parâmetro para verificar a prossecução do regime especial e constitucional da função pública.
Diz a Sr.ª. Deputada Elisa Damião: «damos a nossa confiança ao Governo. O Governo, nestes dois anos, tem actuado extraordinariamente bem em matéria de função pública e, por isso, tem a nossa total confiança para o que vier a fazer nos próximos dois anos».