O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1294 I SÉRIE-NUMERO 39

O Orador: - E é revoltante que o PS lhe acene com a sua concordância de imediato, tão de imediato que legitima á ideia de algo premeditado ou pré-acordado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O que pomos em causa e contestamos não é, naturalmente, a legitimidade de o PS, ou o PSD, poderem optar, em consciência e por convicção, por um referendo para decidir sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. O que está em causa, o que é indesculpável, são a forma e as razões pelas quais o PS e o PSD pretendem, ou aparentam pretender, impor esse referendo. A verdade é que a seguir à rejeição, em Fevereiro do ano passado, dos projectos de lei do PCP e do PS, nunca o PS ou o PSD reclamaram um referendo sobre a matéria, isto é, nunca levantaram a hipótese de ser necessário testar essa decisão através de uma consulta popular. E toda a gente sabe que, se a Assembleia da República tivesse novamente rejeitado o projecto do PS, nem o PSD estaria a reclamar um referendo nem o PS estaria a aceitá-lo, com ou sem negócios associados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É grave o significado e detestáveis as concepções que esta duplicidade de critérios e atitudes. revela. Por detrás dela, o que se esconde é a ideia de que a actual criminalização da mulher e penalização do aborto corresponderiam a uma «ordem natural das coisas» e a, um dado de civilização. De tal forma que só para a sua anulação é que careceria de se ouvir o povo, mas já a manutenção dessa alegada «ordem natural» não exigiria uma consulta popular!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Recordando tudo quanto alguns Deputados do PS aqui disseram no passado dia 4, justifica-se que deixe às suas consciências a pergunta sobre se afinal, e renegando o que então disseram, também partilham a ideia de que a criminalização e a penalização constantes actualmente do Código Penal são a ordem natural das coisas, ou se, pelo contrário, são a injusta ordem jurídica da hipocrisia e da insensibilidade social para o flagelo do aborto clandestino.

Aplausos do PCP.

É indesculpável a autêntica farsa de que se reveste o facto de, menos de 24 horas após a aprovação do projecto de lei do PS, quando os aplausos dos Deputados socialistas ainda ecoavam no hemiciclo, o PS ter dado o dito pelo não dito, lançando o descrédito sobre o grupo parlamentar socialista, sem dúvida, mas pondo ainda em causa as próprias decisões e a legitimidade da Assembleia da República.
Após os inflamados discursos de Deputados socialistas fundamentando as razões que justificam plenamente a não realização de um referendo sobre as alterações à lei do aborto e a exigência de ser a Assembleia da República a «eliminar uma inaceitável intromissão da lei penal no domínio da consciência individual da mulher», o que é chocante é que o PS venha agora juntar-se àqueles que, pretextando posições referendárias, de facto, apenas querem manter o actual estado de coisas e impedir que algo se faça para a resolução séria do problema do aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O' Orador:_ - É lamentável, mas politicamente significativo, que o PS, a pretexto de um «desafio» do PSD, corra a aliar-se à direita para congelar, inevitável e indefinidamente, a solução que, no passado dia 4, tinha. sido conseguida à esquerda e, mais do que isso, para garantir a efectiva' paralisia dó processo legislativo e ir prometendo que se vai fazer.
O que não se sabe é quando, como ontem o deixou claro o Ministro Jorge Coelho, admitindo aquilo que sempre se soube: que o referendo não é passível de ser realizado no próximo mês de Junho. Cabe perguntar, aliás: por vontade do PS e do PSD, alguma vez o será?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ou melhor: não iremos, a seguir, assistir, não estaremos já a assistir, aos próximos capítulos desta tragicomédia com o PS e o PSD irmanados na vontade de não fazerem qualquer referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, mas cada um tentando responsabilizar o outro pela sua não realização?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos restam dúvidas de que a questão mais grave de todo este entendimento entre o PS e o PSD reside na utilização da dignidade e do sofrimento da mulher como moeda de troca num negócio politiqueiro.
Mas não podemos deixar de, igualmente, criticar vivamente a inclusão neste pacote negociai da dignidade institucional do Tribunal Constitucional e o colocar em causa a própria credibilidade da sua independência.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Identicamente, verberamos a intromissão, política e institucionalmente inaceitável, que o PS e o PSD fazem no terreno dos poderes exclusivos do Presidente da República; quando, sem pudor, negoceiam quais os referendos a realizar, às respectivas datas e a junção ou não de mais do que um referendo no mesmo dia.
E, a este respeito, não podemos deixar de manifestar estranheza e incompreensão por, perante esta situação totalmente abusiva, o Sr. Presidente da República não se ter ainda pronunciado, delimitando, de forma clara e categórica, a sua indelegável e exclusiva competência nesta matéria.

Aplausos do PCP.

Pela parte do PCP, Srs. Deputados, podem estar certos de que continuaremos a orientar-nos por convicções, por princípios e por valores. Nunca alienaremos este património de seriedade e responsabilidade na voragem de um qualquer negócio.

Aplausos do PCP.