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1910 I SÉRIE - NÚMERO 56

atitude positiva e construtiva por parte dos demais grupos parlamentares que decerto partilham connosco idênticas preocupações.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida, para uma intervenção.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Redundante, desnecessário, equívoco, ambíguo, incoerente, contraditório, irrealista e inútil são as qualificações mais apropriadas a este projecto de lei do Partido Socialista. É também, acredito eu, generoso e bem intencionado.
Começa por ser redundante e desnecessário porque não acrescenta nada de substancial ao quadro normativo que hoje regula o nosso sistema educativo. Se não, vejamos.
O projecto de lei em discussão vem estabelecer que seja criado um programa de educação para a cidadania no 3.º cicio do ensino básico, com conteúdo a aprovar por despacho do Ministro da Educação, depois de submetido a parecer do Conselho Nacional de Educação. Acrescenta ainda o projecto socialista que «a avaliação do aluno nesta matéria deverá ser considerada para a atribuição do diploma de escolaridade básica».
Passo agora a ler o que dispõe já o Decreto-Lei n.º 286/89 sobre o mesmo assunto: «O 3.º ciclo do ensino básico inclui obrigatoriamente um programa de educação cívica para a participação nas instituições democráticas, cujos conteúdos, depois de submetidos ao parecer do Conselho Nacional de Educação, serão aprovados por despacho do Ministro da Educação, devendo a avaliação do aluno nesta matéria ser considerada para a atribuição do diploma de escolaridade básica».
Convido os Srs. Deputados a descobrirem as diferenças entre o projecto socialista e o decreto-lei de 1989 que se encontra plenamente em vigor.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não há!

Orador: - Proponho-me dar uma ajuda.
O projecto socialista usa a expressão «educação cívica para a cidadania» enquanto o decreto-lei em vigor preferiu a designação «educação cívica para a participação nas instituições democráticas». Nenhuma diferença de conceitos, antes a mera substituição de palavras; nenhum conteúdo normativo novo, antes a manutenção de normas antigas.
Pode, no entanto, vislumbrar-se uma diferença relativamente à situação existente. A referência que no projecto se faz a uma carga horária parece sugerir a intenção de transformar o que é hoje um programa de uma área transdisciplinar numa disciplina autónoma. Quer o Partido Socialista criar uma nova disciplina de «educação para a cidadania»? Se é esta a intenção, como compatibilizar a nova disciplina com os programas da área-escola e com a disciplina, também já existente, de desenvolvimento pessoal e social?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas se não há a intenção de criar uma nova disciplina, como perceber, então, a referência à carga horária?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não se percebe!

O Orador: - O projecto é manifestamente equívoco e ambíguo. Mas também é contraditório. Contraditório com a opção do Governo de reduzir a carga lectiva dos estudantes. Está o Governo a anunciar a redução da carga lectiva e, ao mesmo tempo, o Partido Socialista a propor o seu aumento. É o Governo para um lado e o PS para o lado contrário; o Governo a anunciar uma coisa e o PS a propor o seu contrário.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Não é nada!

O Orador: - Recordo que, ainda na passada semana, os Deputados socialistas afrontaram o Ministro da Educação a propósito da localização da nova Faculdade de Medicina. Começam a tornar-se rotineiros os desentendimentos e contradições entre a bancada socialista e os independentes do Governo. O sector da educação está a transformar-se no palco privilegiado desses desentendimentos.
Mas, além de contraditório, este projecto é também irrealista e inútil: assenta na crença, muito socialista, aliás, de que a realidade se transforma com a aprovação de novas leis. Se isto não é verdade na vida em geral, é ainda menos verdadeiro no mundo educativo.
Não é por ausência de leis ou regulamentos ou por falta de circulares que se verificam deficiências na formação cívica dos nossos estudantes. O que falta é uma acção mais enérgica do Governo em criar condições concretas e os apoios necessários para o cumprimento dos programas já existentes.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Toda a área das formações trans e interdisciplinares está carente de um novo impulso que dê motivação aos professores, que interesse os alunos e que reforce a participação dos pais.
A educação para a cidadania, a educação para a paz, a construção do ideal europeu, a defesa da igualdade das mulheres, a defesa dos consumidores, a educação ambiental, todas estas áreas, face à sua natureza transdisciplinar, devem ser objecto de permanente e reforçada atenção pelos órgãos das escolas e do Ministério da Educação. As insuficiências que se verificam nestas áreas reclamam menos leis e mais apoio às escolas e em particular aos professores, começando pela sua própria formação.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Este projecto de lei é, pois, um exemplo de ilusionismo político: propõe-se uma lei sobre educação para a cidadania, criando a ilusão de que fica resolvido o problema. Não teria nenhum mal que este projecto fosse apenas inútil. O problema é que a sua aprovação pode ter o efeito de sossegar as consciências, tranquilizar os espíritos e desresponsabilizar aqueles que têm a obrigação de levar à prática os normativos que já existem sobre esta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde a Lei de Bases do Sistema Educativo está consagrada a responsabilidade da escola, não apenas na transmissão de saberes mas também no que respeita aos valores e aos comportamentos. A formação para a cidadania ou para a participação nas instituições democráticas é um pilar essencial da afirmação da própria dignidade e da liberdade de cada cidadão. E a escola tem de ter um papel essencial na formação de cidadãos.