O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2462 I SÉRIE -NÚMERO 71

realidade, o tempo e as regras de experiência acabam por impor.
Mas é dever dos responsáveis assegurar que as revisões se façam com mérito, com profundidade e independência, obedecendo a parâmetros jurídica e politicamente bem delineados e claramente definidos.
Esta proposta de lei transmite a sensação de quem esperou longamente pela diligência e constata que ela chegou tarde para todos, irremediavelmente tarde para muitos, só trouxe uma pequena parte da encomenda e transportou muita coisa que não serve.
Vamos concretizar. Já noutra oportunidade lembramos aqui como Portugal tem sido vanguarda e modelo na criação e desenvolvimento da figura do assistente em Processo Penal. Impunha-se aproveitar esta oportunidade para coligir legislação dispersa e abrir o leque das pessoas e entidades com legitimidade para se constituir assistente.
Na redacção proposta para o artigo 68.º, o Governo evidenciou timidez e receios para os quais não encontramos razão.
De que é que o Governo tem medo quando, com a redacção prevista para a alínea e) do n.º 1 daquele artigo, continua a impedir que, nos crimes de falsificação, nos crimes de natureza económica e nas burlas contra o Estado, nos crimes de abuso de poder..., pessoas ou entidades possam constituir-se assistentes, desse modo colaborando com o Ministério Público mas também controlando o exercício da acção penal?!
Já disseram não o compreender sectores representativos do Ministério Público, da Magistratura Judicial e de movimentos da sociedade civil. Nós também não o entendemos.
Este é um singelo exemplo de como o Governo ficou muito aquém do que se esperava e é bom que explique o motivo dos seus temores.

O Sr. José Magalhães (PS): - É espantoso!

O Orador: - Quer V. Ex.ª que, durante o inquérito judicial, nenhum juiz possa aplicar ao arguido medida de coacção diferente ou mais grave do que a indicada pelo Ministério Público. Se o Ministério Público entender que deve ser imposta ao arguido uma caução de 100 contos, não poderá o juiz fixar-lhe 110!

O Sr. José Magalhães (PS): - Figueiredo Dias explica-

O Orador: - Se o Ministério Público o não "indicar", ou porque não está de acordo ou porque não lhe ocorreu, não pode o juiz impor sequer ao arguido a obrigação de não frequentar certos lugares e certos meios ou de não contactar com determinadas pessoas.
Se o Ministério Público "indicar" caução, não pode o juiz fixar prisão preventiva. Mas se o Ministério Público "indicar" a prisão preventiva não pode o juiz ficar-se pela caução, porque esta é uma medida "diferente".

Vozes do PSD; - Muito bem!

O Orador: - Melhor seria, Sr. Ministro, se V. Ex.ª dissesse claramente que quer os juízes a promover e o Ministério Público a julgar e a decidir. Porque, na prática, é isso que se propõe consagrar. Mas é esta inversão de valores, é este atentado contra o principio da independência e a imparcialidade dos juízes, é esta deliberada ofensa à dignidade dos juízes portugueses, é tudo isso que merece o nosso total repúdio e liminar rejeição.
Este é um exemplo daquilo que não serve.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mau exemplo!

O Orador: - E esse caso não é afloramento único do afrontamento que esta proposta de lei faz à Magistratura Judicial.
Quer V. Ex.ª que, se o Ministério Público acusar um cidadão sem que nenhum indício sério haja da prática do crime, o juiz não possa rejeitar a acusação e evitar que ele seja submetido a julgamento.
A solução que propõe vem ao arrepio de toda a tradição do direito processual penal português. E é ostensivamente contra a jurisprudência obrigatória do Supremo Tribunal de Justiça, fixada no Assento 4/93.
Agora, Sr. Ministro, já se trata também de um desrespeito pelos cidadãos e de uma violência intolerável contra os seus direitos fundamentais. Sujeitar uma pessoa a julgamento sem que haja indícios sérios da prática do crime, ainda que seja para depois a absolver, é atentar de forma irremediável contra a sua dignidade, contra os seus sentimentos, contra o seu património, contra a sua carreira profissional, contra o seu bom nome e reputação social. E a experiência mostra como, infelizmente, casos desses acontecem com frequência.
Este é outro exemplo do que não serve.
Mas há mais, Sr. Ministro.
O projecto que nos apresentou ofende até a dignidade dos advogados, quando prevê que o primeiro interrogatório dos arguidos possa fazer-se na presença de qualquer "defensor", ainda que não seja advogado.
Lembramos aqui a cena caricata do detido que, entre a possibilidade de optar pelo porteiro, por um funcionário e por uma terceira pessoa presente, escolheu para seu defensor esta última que, por sinal, era o guarda que o tinha capturado...

Risos do PSD.

Mas despreza ainda mais a defesa dos cidadãos quando em interrogatórios subsequentes nem sequer exige a assistência do "defensor", a qual só tem lugar se o arguido a solicitar. Como se não soubéssemos que o arguido está fragilizado e quase nunca tem a coragem de exigir a presença do advogado. Em nome de que valores se transforma em excepção aquilo que deve ser princípio e regra?
Mas não ficamos por aqui, Sr. Ministro.
Uma prisão preventiva que pode durar até quatro anos não é medida de coacção, é tortura. E prorrogar a prisão preventiva ainda por mais seis meses (até quatro anos e meio!) só porque houve recurso para o Tribunal Constitucional ou porque se esteve aguardando outra decisão prejudicial é punir o arguido por exercer os seus direitos.
Os problemas de fundo não se resolvem prolongando a prisão preventiva, resolvem-se melhorando a máquina judiciária.