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4 DE MARçO DE 1999 1999

A Oradora: - Em terceiro lugar, no que diz respeito ao regime de bens, devo dizer que damos toda a liberdade na forma como entendemos este regime. Damos todo o leque de opções a quem queira beneficiar de um regime de bens ou, ainda, a primeira opção que é a de ninguém beneficiar de nenhum regime. Julgo que não existe maior liberdade do que esta. É que se alguém quiser beneficiar de um regime de bens, terá de exprimi-lo. A não expressão de uma vontade tem como sinónimo que as pessoas que vivem em união de facto não querem estar sob a tutela de qualquer regime de bens.

O Sr. Presidente: - Para introduzir o debate do projecto de lei n.º 527/VII, de que é primeiro subscritor, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao consumar hoje, finalmente, a apresentação na Assembleia da República do seu projecto de lei das uniões de facto, o Partido Socialista e a Juventude Socialista reintroduzem na vida política nacional as chamadas questões de sociedade ou questões civilizacionais.
Erradamente, há quem entenda que as ditas questões de sociedade são laterais à política, integrando um universo à parte, dominado pela consciência individual, ora porque não exprimissem preocupações reais sentidas pelos cidadãos, ora porque fugissem aos conteúdos tradicionais dos discursos partidários, ideologicamente arrumados à esquerda e à direita.
Mas não é assim.
O debate em torno das questões de sociedade é, hoje, um dos principais refúgios da discussão intrinsecamente política nas sociedades modernas.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Justamente porque as principais condicionantes da diluição e do empobrecimento das alternativas pouco ou nada se fazem sentir neste domínio. Perante problemas novos, os partidos são convocados a buscar respostas que correspondam à maior afirmação dos seus valores.
Falamos, portanto, de ideologia. Falamos, pois, de pura política.
Não é possível a um partido político que resista à colonização pelas sondagens tomar posição face à realidade social das uniões de facto sem equacionar, coerentemente, o modo como entende a família, a sociedade, o direito à diferença, ou a justiça fiscal e o próprio Estado providência.
Política é confronto, clarificação, moderação e compromisso.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - No plano dos costumes assistimos a uma tensão permanente entre razão e tradição, voluntarismo e reacção, tolerância e preconceito, optimismo sobre o homem e pessimismo sobre a sua natureza.
Que estamos, hoje, aqui, no cerne da política e não numa qualquer zona adjacente, demonstram-no os fortes debates que, desde há dois anos, quando anunciámos a nossa iniciativa, vêm animando a vida política espanhola e francesa, em tomo das uniões de facto.

Pela nossa parte, cedo assumimos o dever de reconhecer juridicamente uma realidade que ganhou significativa expressão social nos últimos anos, fiéis, aliás, ao espírito da Constituição.
A nossa Lei Fundamental, não obstante as suas disposições sobre a família, tem, até aqui, pairado, ignorada, sobre este vazio legal.
A união de facto, forma de convivência duradoura e estável, é uma realidade social quotidiana, não pode permanecer à margem do direito positivado que, como instrumento conformador da sociedade, deve proceder à sua adequada regulação jurídica.
Mas importa, desde já, afastar uma série de equívocos.
Em primeiro lugar, há que esclarecer que este diploma não pretende, nem vem operar, uma equiparação das uniões de facto ao casamento. Porque quem deseja beneficiar do conjunto de efeitos jurídicos associados ao casamento, casa-se.
Quem vive em união de facto exerce o direito de não se casar e a protecção concedida às uniões de facto não pode significar a sua transformação, hiper-regulamentadora, em casamentos de segunda.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Do que falamos, nas uniões de facto, é não de equiparação mas de uma aproximação de direitos relativamente ao casamento que assegure uma protecção jurídica mínima compatível com a particular natureza desta forma de vida em comum.
Trata-se, por um lado, de isentar as uniões de facto do formalismo, do registo, dos problemas levantados pela dissolução, dos efeitos patrimoniais e sucessórios associados ao contrato de casamento. Trata-se de afastar as consequências por regra indesejadas pelas partes em união de facto ou, se desejadas, redundantes relativamente ao casamento.
Trata-se, por outro lado, na linha da Constituição, de conceder protecção à família, independentemente de esta se apresentar, ou não, formalizada pelo casamento.
Poderia colocar-se a questão de saber se o Estado deve ser neutro relativamente à opção entre a união de facto e o casamento ou se deve favorecer activamente o segundo.
Ao distinguir, o direito a constituir família do direito a contrair casamento, a Constituição é clara, banindo qualquer discriminação em função das formas familiares.
Ao Estado compete a protecção activa da família - casada ou não -, nos termos adequados a um caso e a outro.

Não seria aceitável que o Estado protegesse activamente
o casamento à custa da discriminação

negativa das famílías constituídas à sua margem.

A Constituição exige, portanto, a neutralidade contra concepções, hoje inaceitáveis, fundadas na distinção entre formas familiares normais e formas familiares marginais, estas últimas meramente toleradas.
Diga-se, de passagem, que semelhante entendimento conduziria a que a retrógrada e preconceituosa reprovação moral e social dos filhos fora do casamento, que manteve lamentável expressão legal até ao 25 de Abril, se fundaria, afinal, numa sabedoria intuitiva e profunda orientada para a defesa da sociedade.
Sr.ªs e Srs. Deputados: A extensão de direitos agora proposta para as uniões de facto, com os objectivos e os limites expostos, abrange um conjunto de domínios que se entendeu regular unitariamente.