3864 I SÉRIE-NÚMERO 106
É uma questão que, parece-me, suscita em Portugal um amplo consenso: as nossas Forças Armadas, se houver, em primeiro lugar, condições e, em segundo lugar, vantagem nisso, devem estar disponíveis para uma situação como esta. Portanto, pela nossa parte, há inteira concordância com estes objectivos.
Num registo mais analítico, Sr. Presidente e Sr. Primeiro-Ministro, permitam-me que diga o seguinte: entendo que, se houver uma força suficiente da comunidade internacional e, sobretudo, de alguns dos actores mais relevantes da comunidade internacional, a começar pelos membros permanentes do Conselho de Segurança e pelos Estados Unidos da América do Norte, que também têm aqui uma especial responsabilidade, desde logo a de serem nossos aliados, desde logo a de afirmarmos, como temos afirmado tantas vezes, que existe uma lealdade especial entre os Estados Unidos da América e Portugal, desde logo a de confrontarmos a grande potência americana com os ideais que proclama e diz defender, repito, se houver força bastante e suficiente da parte dos actores principais no plano internacional, a começar pelos Estados Unidos da América do Norte, é possível impor à Indonésia algo que é uma evidência: a aceitação de que a Indonésia não foi capaz de garantir a segurança nesta transição. Por isso, devemos todos fazer convergir esforços neste objectivo. Entendo que tudo deve ser feito neste sentido e que é possível conseguirmos este objectivo.
Quero também informar a Assembleia sobre aquilo que, no nosso âmbito de actuação, o Partido Social-Democrata está a fazer. Eu próprio, como Vice-Presidente do Partido Popular Europeu, estou a desenvolver contactos - aliás, estava a fazê-lo mesmo antes de vir para a Assembleia junto dos nossos parceiros no plano internacional no sentido de, também aí, os sensibilizarmos de modo a conseguirmos realizar esses objectivos.
Vamos continuar a desenvolver esses esforços e estamos abertos à colaboração com o Governo e com todas as forças políticas no sentido de tomarmos iniciativas conjuntas, sobretudo no plano externo, porque é nesse plano que interessa, obviamente, maximizar esta vontade e esta convergência de esforços.
Quero também, nesta altura, dizer-vos que tenho dificuldade em exprimir-vos o que penso, tenho dificuldade em encontrar palavras para exprimir aquilo que sinto perante a tragédia de Timor. Não sou pessoa para acreditar no destino, mas, às vezes, parece que quase somos levados a acreditar que há destinos malditos para certos povos e não compreendemos por que razão é que um povo, que já sofreu tanto, tem de continuar a sofrer tanto como tem acontecido em Timor Leste.
Por isso, é pouco tudo aquilo que for esforço de Portugal para ajudar a minorar este sofrimento, para acabar com aquela situação trágica e absurda, que é a de, precisamente quando o povo timorense estava mais perto de alcançar a sua independência, precisamente quando o povo timorense, sem qualquer ambiguidade, deixou clara qual era a sua vontade, nesse momento, abater-se sobre ele a sanha assassina de quem não respeita as mais elementares normas da convivência internacional e dos direitos humanos. Somos levados a pensar o que terá feito este povo, que maldição terá caído sobre este povo para que continue a sofrer nestas condições!
É por isso que quero dizer a esta Assembleia que devemos, talvez, embora do ponto de vista analítico seja interessante, não ir hoje por muitos caminhos de conjectura sobre qual é o comportamento deste ou daquele sector na Indonésia. Muitas vezes, não resistimos à análise das situações - e nós estamos mais ou menos informados acerca das dificuldades da transição, das divisões do regime indonésio -, mas a verdade é esta: do ponto de vista internacional, quem deve ser responsabilizado é o presidente da Indonésia; do ponto de vista do Direito Internacional, quem deve ser responsabilizada é a Indonésia. Não podemos estar agora - ou, melhor, podemos estar no plano analítico - com conjecturas sobre se se trata de uma divisão nas forças armadas, se a responsabilidade é do general A ou B... Do ponto de vista internacional, é muito simples: a responsabilidade é da Indonésia e nós temos de a responsabilizar. Houve um acordo assinado por Portugal, que não foi apenas mediador; Portugal assinou um acordo internacional, em Nova Iorque, com a Indonésia e com as Nações Unidas. A Indonésia violou esse acordo, não está a cumpri-lo. Mais tarde, podemos deixar para o registo analítico conjecturas acerca de quem é a responsabilidade, porque senão podemos ser arrastados para um plano que não nos convém.
Peço-vos desculpa por vos dar conta de um aspecto pessoal mas recordo-me quando, tratando deste dossier em funções que desempenhei anteriormente, o, então, Secretário-Geral das Nações, Sr. Boutros Ghali, me dizia para eu ser simpático para com o meu colega Ali Alatas, porque ele até era um homem que queria mudar as coisas no bom sentido na Indonésia... Quer dizer: queria o, então, Secretário-Geral das Nações Unidas levar-nos a nós, diplomacia portuguesa, a entrar no jogo do que é o problema interno do poder na Indonésia. Esse jogo não nos serve! O que nos interessa é responsabilizar a Indonésia e a Indonésia não cumpriu as suas obrigações. Agora, quem é que não cumpriu é um problema...
Pessoalmente, já que, apesar de tudo, estamos a entrar no plano analítico, deixem-me que diga que a minha sensibilidade, que vale o que vale, é a de que, de facto, há um poder e esse poder está em Jacarta. Eu não acredito, das informações que têm vindo a público, que tudo isto seja espontâneo ou que seja apenas acção de gangs mais ou menos desesperados. São demasiadas consequências. Até onde é que vai a cadeia de comando, não sei e penso que nenhum de nós saberá dizer, mas que há aqui uma operação montada, premeditada, maquiavelicamente premeditada contra o povo de Timor Leste isso parece-me evidente e temos, agora, de perder quaisquer ilusões, que, porventura, ainda subsistam, acerca dos bons ou dos maus da Indonésia.
Temos de passar a ver que a responsabilidade é da Indonésia e que houve aqui programada ao milímetro uma operação que visa pôr em causa não apenas o Direito Internacional, não apenas a vontade do povo timorense mas também a própria legitimidade internacional, as Nações Unidas e as mais elementares regras do direito e também da pessoa humana.
Portanto, a nossa atitude, que queria que ficasse claramente expressa sem quaisquer ambiguidades, é a de que responsabilizamos a Indonésia.
É por isso que me permito, Sr. Presidente da Assembleia, a, em relação ao projecto de resolução, que foi aqui apresentado e que merece o nosso acordo na generalidade, embora haja um ou outro ponto que eu gostaria que mais tarde fosse visto em termos de assegurarmos melhor ainda a expressão do consenso nacional nesta matéria, aditar um ponto, na parte dispositiva, condenando expressamente a Indonésia. Há, na parte dos considerandos, algumas menções à Indonésia mas não há na parte dispositiva.