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0446 | I Série - Número 12 | 19 De Outubro De 2000

O nosso século viu aprofundar-se o movimento universal que reconhece ao ser humano, a cada ser humano, o respeito que advém da sua qualidade de indivíduo e da sua condição de pertença à espécie humana e sabemos que a medicina e a biologia, como todas as áreas do saber científico e técnico e das suas aplicações, não podem mediante o seu uso indevido pôr em causa a dignidade e a integridade da vida humana.
A cooperação internacional no sentido de toda a humanidade poder beneficiar dos progressos da biologia e da medicina, bem como da promoção do debate público em torno das questões que decorrem da sua aplicação, tornam-se, por isso, indispensáveis.
Aberta à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa em Oviedo, a 4 de Abril de 1997, a Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina obriga os Estados-membros, que dela se tornem partes, a proteger o ser humano na sua dignidade e identidade, garantindo o respeito pela sua integridade e pelos seus direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina.
A Convenção está enquadrada nos diversos instrumentos internacionais mencionados no seu preâmbulo, nos quais o Estado português é parte contratante, designadamente: a Declaração Universal dos Direitos do Homem; a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; a Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal e a Convenção sobre os Direitos da Criança.
No que respeita às matérias da Convenção propriamente dita o consentimento está tratado no Código Penal e as transplantações de órgãos estão reguladas em lei própria. Também a experimentação em seres humanos foi objecto de uma directiva da União Europeia, já acolhida na legislação nacional, e a criação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) deu satisfação à necessidade de haver debate interno sobre as questões de bioética, tendo-se este Conselho, aliás, pronunciado no sentido da ratificação da Convenção em causa pelo Estado português.
Trata-se, por conseguinte, de uma importante Convenção que, não pondo em causa o pleno desenvolvimento da investigação científica no domínio da biomedicina, garante, por outro lado, o integral respeito pela pessoa humana abrindo um novo domínio de iniciativa legislativa em relação ao futuro.
O outro instrumento jurídico em apreciação, o Protocolo Adicional à Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, proibindo a clonagem de seres humanos, foi aberto à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa, em Paris, a 1 de Janeiro de 1998, e estabelece a proibição de todas as intervenções que tenham por fim criar um ser humano geneticamente idêntico a outro ser humano vivo ou morto.
É igualmente a resposta do Conselho de Europa aos desenvolvimentos científicos em matéria de clonagem de mamíferos e, neste caso, tiveram-se presentes os progressos que determinadas técnicas de clonagem, em si mesmas, poderiam trazer, quer ao conhecimento científico, quer às suas aplicações.
Considerou-se que a clonagem de seres humanos poderia tornar-se uma possibilidade técnica; constatou-se que a divisão embrionária poderia produzir-se naturalmente e dar por vezes lugar ao nascimento de gémeos geneticamente idênticos; considerou-se, apesar disso, que a instrumentalização do ser humano através da criação deliberada de seres humanos geneticamente idênticos era contrária à dignidade do Homem, constituindo um uso indevido da biologia e da medicina. Considera-se que tal prática biomédica, usada deliberadamente, acarretaria problemas de ordem ética, psicológica e social.
Tendo em conta o objectivo da Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, anunciado no seu artigo 1.º - «Protecção do ser humano tanto na sua dignidade como na sua identidade», o objectivo do Protocolo Adicional é o de evitar que os cientistas que trabalham na área da embriologia humana iniciem intervenções que conduzam à criação de seres humanos por clonagem como tem sido conseguido em várias espécies de animais. A ratificação do presente Protocolo implica uma adequada legislação, se vier a ser publicada, sobre procriação medicamente assistida.
Como nota final, sublinhe-se que a articulação da Convenção com as políticas comunitárias está assegurada pela representação em Portugal no Grupo Europeu de Ética na Ciência e nas Novas Tecnologias, da União Europeia, e pela participação de representantes do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em reuniões internacionais promovidas pela União Europeia e outras instâncias.
Toda a política da União Europeia, nomeadamente do mencionado Grupo, vai no sentido de proteger o ser humano em relação a eventual ameaça de novas tecnologias.
Sublinhe-se, ainda, que foi recebido um parecer do Ministério da Saúde, elaborado pelo Prof. Daniel Serrão, na qualidade de perito representante nacional do Comité Director para a Biotécnica do Conselho da Europa, que considera urgente a ratificação da Convenção em causa, tendo ainda sido pedido parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que igualmente se pronunciou no sentido de que esta Convenção viesse a ser ratificada pelo Estado português.
Nestes termos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo solicita à Assembleia a ratificação dos dois instrumentos jurídicos em apreciação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os documentos que hoje sobem a esta Câmara para efeitos de ratificação, pela sua importância, são credores de uma apresentação que sublinhe os aspectos essenciais que rodearam a sua elaboração.
Desde logo, e no que respeita à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, ao facto de se tratar de uma emanação do Conselho da Europa no cumprimento dos seus objectivos fundacionais de salvaguarda e desenvolvimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Depois, também, o facto de a evolução do conhecimento científico nos domínios da biologia e da medicina vir colocar questões novas, de difícil resposta, mas cuja utilização sem critérios pode envolver riscos que poriam em causa o edifício jurídico fundacional da Europa.