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0447 | I Série - Número 12 | 19 De Outubro De 2000

Ainda, a noção de que a rapidez dos avanços atrás referidos pode não dar tempo àquilo para que o tempo é essencial na sedimentação do conhecimento.
Finalmente, a sensibilidade das matérias em causa, a diferença nas legislações nacionais que as regulam, quando existem, e em relação às quais foi necessário encontrar os denominadores comuns.
Portugal participou activamente no processo de gestação da Convenção ao longo de sete anos.
O período que demorou a sua elaboração ilustra bem, por um lado, a sensibilidade da matéria e a dificuldade de encontrar consensos e, por outro, que o tempo a isso destinado não foi demasiado apressado. Foi um tempo sem pressa! O facto de as questões em causa serem de importância enorme e emergentes não pode, na verdade, dispensar uma adequada ponderação em matérias de tão grande complexidade.
A intensidade do debate nos diferentes fora que obrigatoriamente o projecto percorreu, designadamente a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na qual participaram membros desta Câmara, demonstra bem que estamos em presença de matérias complexas, de implicações em grande parte desconhecidas, sobre as quais não existem muitas vezes conceitos e ideias precisas, mas que se encaixam no conjunto de temas que, pela sua nobreza, carecem de, pelo menos, grandes enquadramentos, à luz de princípios gerais que limitem o livre arbítrio, pese embora a noção de que a investigação e o conhecimento não conhecem limitação para além da que lhe é inerente.
Por isso, a presente Convenção de certa forma emana de instrumentos jurídicos fundamentais dos quais o primeiro de entre todos, é certo, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também todos aqueles que têm vindo a ser produzidos ao longo dos últimos 50 anos e que visam fundamentalmente reforçar os direitos fundamentais à igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana através da regulamentação específica, designadamente de algumas potencialidades das novas tecnologias que podem pôr em causa esses direitos fundamentais.
O documento ora em apreço visa essencialmente definir balizas próprias que, na sua essência, garantam que as aplicações da biologia e da medicina sirvam a pessoa humana sem ofender a sua dignidade e a sua identidade e que, sem qualquer discriminação, garantam a toda a pessoa o respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais, na afirmação do primado do interesse e do bem-estar humano face ao interesse único da sociedade ou da ciência.
O estabelecimento da obrigatoriedade do consentimento informado, a regulação do suprimento desse consentimento em caso de incapacidade, as situações de urgência e a salvaguarda da vida privada e do direito de qualquer pessoa à informação ou à não informação relativa à sua saúde definem um caminho claro no sentido do reforço da capacidade individual de decisão sobre matérias que pertencem à sua esfera privada numa inversão do caminho tradicional de paternalismo no exercício profissional.
O capítulo afecto ao genoma humano é, a meu ver, de importância fundamental. A proibição da discriminação de qualquer pessoa em virtude do seu património genético, no mesmo consagrada, toca a essência das coisas. Na verdade, as potencialidades abertas pela descodificação do mapa genético são enormes, diria mesmo inimagináveis e extremamente virtuosas se postas ao serviço das pessoas!
Mas os riscos que a mesma encerra pela sua capacidade predictiva têm que ser acautelados de forma veemente e afirmativa porque não falta quem dela pretenda retirar os seu efeitos mais perniciosos contra as pessoas, ao serviço dos negócios.
E nesta, como nas matérias relativas à colheita de órgãos e tecidos em dadores vivos para efeitos de transplante e à proibição de obtenção de lucros e utilização de partes do corpo humano, o que a Convenção afirma e estabelece é que o «corpo humano» deve e tem que estar fora do «negócio» (entenda-se «comércio»).
Mas sejamos claros: não se pense que os riscos que a evolução do conhecimento encerra justificam a adopção de limites para além dos inerentes à protecção do ser humano.
A Convenção é inequívoca relativamente ao livre exercício da investigação científica no domínios da biologia e da medicina. Assim deve ser! E as pessoas devem colaborar com a investigação científica, porque esta tem como objectivo final servi-las, mas têm também que ser protegidos para evitar que, em vez de fim último, dela se transformem em seu instrumento.
Conscientes de que todos temos que estar de que nos encontramos no limiar de uma nova era de conhecimento, de que a rapidez da sua obsolescência corre o risco de nos deixar sem resposta para aspectos ou questões novas que ele traga, a Convenção prevê, para além da realização de debates públicos nos países subscritores sobre as matérias reguladas, a sua própria revisão no prazo máximo de cinco anos, após a sua entrada em vigor, o que significa que já em 2001/2002 esse processo venha a ter início.
Por último, no que à Convenção respeita, gostaria de sublinhar o papel consultivo atribuído ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para além de qualquer litígio concreto que esteja a decorrer perante a sua jurisdição.
A ratificação por Portugal desta Convenção enquadra-se perfeitamente nos parâmetros constitucionalmente estabelecidos, designadamente na revisão de 1997. A verificar-se, obrigará a conformação em termos de legislação ordinária. No entanto, essa conformação não colide nem com a prática já seguida, mais exigente com frequência do que a própria letra da lei, nem com aquilo que, creio, será pacificamente aceite.
No que se refere ao Protocolo Adicional, que proíbe a clonagem de seres humanos, importa referir que é o primeiro de uma série de outros que visam desenvolver aspectos específicos da Convenção, designadamente os relativos a transplantações e experimentação, que se encontram já em fase de elaboração. Visa este Protocolo Adicional afirmar fundamentalmente aquilo que já a nossa Constituição estabelece, o direito à identidade.
Finalmente, saliento que os documentos ora em análise, nos seus princípios enquadradores, estão contidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, embora ainda não aprovada, tem vindo a permitir durante o processo da sua elaboração uma ampla e profunda discussão sobre estas matérias.
Reconheça-se que aquilo que hoje temos perante nós é um «consenso de mínimos», cuja sedimentação é ainda incipiente, que obriga a ampla reflexão e debate alargado, que afirma com humildade a nossa ignorância cujo reconhecimento compromete e disponibiliza à partida para trabalhar com consciência e bom senso no sentido de caminhar, caminhando, no seu aprofundamento, mas também que afirma que a pessoa humana está primeiro, que tem