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1306 | I Série - Número 33 | 22 de Dezembro de 2000

 

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O direito à identidade pessoal é um direito fundamental que a Constituição da República Portuguesa consagra, sendo parte integrante dos direitos da personalidade que encerram o núcleo essencial da autonomia individual. Essa identidade é a matriz da personalidade biológica e biográfica de cada ser humano e, como direito fundamental, compete ao Estado de direito democrático garanti-la a cada pessoa, como indivíduo singular e irredutível.
Esta garantia pressupõe não só o direito ao nome mas, igualmente, o direito à «historicidade individual», aí incluído o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores e, consequentemente, nele se fundamentando o pleno direito à investigação da paternidade e da maternidade.
É, pois, neste contexto, Sr.as e Srs. Deputados, que a presente iniciativa de Os Verdes se entende, com a redacção dada pela proposta de alteração ontem distribuída a todos os grupos parlamentares, já que a nossa proposta inicial não incorporava as modificações ao Código Civil ocorridas em 1998.
A nossa proposta visa permitir que a acção de investigação da maternidade e da paternidade possa ser proposta a todo o momento, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal.
É uma iniciativa legislativa que pretende corresponder a apelos que vários cidadãos têm lançado e aos quais importa, segundo o nosso entendimento, dar voz. É um projecto de lei que vai ao encontro das recomendações que o Provedor de Justiça, nesta matéria, tem feito e dirigido à Assembleia da República.
Trata-se de um imperativo constitucional, já que a lei só pode restringir os direitos nos casos expressamente previstos na Constituição mas, actualmente, ultrapassa esse limite ao impedir que o investigante, embora pretenda obter apenas efeitos pessoais, possa propor a acção de investigação da maternidade ou da paternidade em qualquer momento. Este impedimento, a manter-se, configura, de acordo com a nossa leitura política, um obstáculo, um bloqueio, uma restrição efectiva ao exercício pleno ao direito à identidade pessoal de cada indivíduo, direito inalienável que se pretende, deste modo, corporizar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão dos prazos de propositura das acções de investigação da paternidade/maternidade conheceu, durante a história, profundas alterações.
Na verdade, as Ordenações estabeleciam um prazo de 30 anos para as acções de investigação de paternidade; porém, o Código Civil de 1966 viria a encurtar o prazo de proposição da acção, aparentemente «como forma de combater a investigação como puro instrumento de caça à herança paterna.»
Enquanto países como a Itália, a Alemanha, os nórdicos, a Áustria e a Espanha, mais recentemente, optaram pela imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, por considerarem que a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor, em Portugal, na sequência da redacção dada ao n.º 4 do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa, que aboliu a distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos, o Código Civil foi reformulado em 1977, embora dessa revisão não tenha resultado alteração aos prazos estabelecidos para as acções de investigação da paternidade.
Ora, afirmando a Constituição que os filhos nascidos do casamento e fora dele se encontram em idêntica situação, é manifesto que o regime legal consagrado no artigo 1817.º do Código Civil constitui uma restrição ao exercício daquele direito fundamental e uma discriminação relativamente às pessoas em tais condições.
O motivo que aparentemente originou a limitação do prazo para a instauração das acções de investigação de paternidade foi o «combate à acção da determinação legal do pai, como puro instrumento de caça à herança paterna, quando o pai fosse rico». Porém, como refere o Sr. Provedor de Justiça em recomendação do ano passado, a nosso ver bem, «a verdade é que o decurso do prazo cala a revelação da progenitura e a relevância jurídica do parentesco, ainda que nenhuma herança exista ou se pretenda.»
Por outro lado, e não havendo dúvidas sobre a legitimidade da tutela do interesse patrimonial do investigante subjacente à acção de investigação da paternidade, já que não se vislumbra por que é que os seus direitos nesta matéria devem ser distintos de quaisquer outros herdeiros, também é verdade que nem todos os filhos de pais incógnitos visam a obtenção de uma herança.
A este propósito, lê-se, ainda, na referida recomendação, citando o Prof. Moitinho de Almeida, «(...) Continuam a existir filhos de pai incógnito, porque não se ousou permitir que os filhos, que, mercê das circunstâncias várias, entre as quais avulta a ignorância, já deixaram passar o prazo para investigarem a sua paternidade, pudessem ainda fazê-lo, embora sem efeitos sucessórios. O que sobretudo lhes interessa não é qualquer herança, na maior parte dos casos inexistente, mas sim a atribuição de um pai conhecido para se poderem apresentar perante as repartições públicas, onde têm de declinar a sua filiação, sem exibirem o ferrete da sua inferioridade de filhos de pai incógnito.»
Com efeito, Sr.as e Srs. Deputados, não obstante o reconhecimento do facto de as acções de investigação terem, ao longo dos anos, sofrido alterações no nosso quadro jurídico; apesar dos passos extremamente positivos que decorrem, sobretudo, da Constituição da República Portuguesa de 1976, concretamente ao eliminar a diferenciação entre filhos nascidos dentro ou fora do casamento, o que foi manifestamente um facto de extrema importância para pôr fim a uma discriminação inaceitável na nossa sociedade e garantir uma outra dimensão, mais solidária, mais humana e, sobretudo, mais autêntica dos valores da solidariedade, do afecto e da família; embora reconhecidas, ainda, as melhorias introduzidas com a proposta de lei n.º 133/VII, apresentada na última legislatura, e com o projecto de lei n.º 474/VII, da mesma data, subscrito por todos os grupos parlamentares, um e outro visando alterar o Código Civil, melhorias, essas, que, embora pontuais, tiveram uma relevância política que acabou por ser