O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1836 | I Série - Número 46 | 08 de Fevereiro de 2001

 

O propósito era simples: trazer aos media globais o contraponto ao Fórum Económico Mundial, de Davos. A repercussão obtida justifica o êxito.
Olhemos para Davos e constatamos o impasse mundial.
Em Davos, a alta finança preocupou-se com a previsível recessão da economia dos Estados Unidos, com a estagnação do Japão, com a bolha especulativa dos mercados de capitais e tomou nota das fracturas produzidas pela exclusão digital e pela exclusão social.
Nada que se assemelhe a soluções saiu de Davos, mas apenas ortodoxia monetária, apelos piedosos à consciência social e o fetiche da nova economia como algo a que o mercado induzirá para incluir no emprego 1600 milhões de desempregados em idade activa.
Davos, com muitas sombras negras, segue o receituário neoliberal e os seus dogmas de privatização, Estado mínimo e «desregulação».
Por contraste, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre reclama uma globalização diferente, não a globalização selvagem mas, sim, a das solidariedades e da sustentação.
Qualquer lucidez sobre a realidade contemporânea indica que o mundo não aguenta a política dominante: quase metade da humanidade tem um dólar per capita/dia como rendimento; a fome, a subalimentação e as doenças endémicas são o quotidiano de largas zonas do globo; a relação de potencial económico entre o grupo de países mais ricos e o grupo de países mais pobres atingiu já o termo de 70 para 1; o combate ao efeito estufa e a protecção da biodiversidade são letra morta, apesar das Conferências do Rio e de Quioto, e a insipiência dos sistemas de solidariedade social e dos direitos sexuais e reprodutivos não atenuam a bomba demográfica.
A concentração de capitais num restrito núcleo de grupos financeiros e económicos, praticamente um núcleo bunker, esvazia os povos e periga o equilíbrio da natureza.
Mas Porto Alegre apresentou propostas que passarei a expor.
É incontornável que a dívida externa dos países do Terceiro Mundo tem de ser abolida; são somas gigantescas, de dívidas várias vezes pagas, que sugam os meios de desenvolvimento. Por exemplo, e não é o caso pior, mais de metade do orçamento do Brasil é para a dívida. Esta proposta é tão esquerdista que tem a benção espiritual de João Paulo II.
É urgente a constituição de um fundo alimentar e sanitário mundial, produto de uma taxa quase marginal a cobrar nas transacções financeiras, a consabida taxa Tobin, na modalidade prevista pelo autor, ou num modelo próximo. A proposta é tão esquerdista que tem o apoio dos governos do Canadá e da Finlândia. A Food and Agriculture Organisation (FAO) estaria pronta a entrar em cena na administração do fundo.
Porto Alegre reclama também o encerramento dos paraísos fiscais que inibem os Estados de cobrar as receitas necessárias para as suas políticas públicas e que trouxeram os movimento de capitais para o chamado imposto negativo, tudo em nome da competitividade. A proposta é tão esquerdista que hoje já vários trusts financeiros a consideram.
Porto Alegre exigiu respeito pelas conferências internacionais sob a égide das Nações Unidas (as Conferências do Rio ou de Quioto, em matéria ambiental), como um mínimo «regulatório», e pelas realizações de Copenhaga, em matéria social, de Pequim, sobre direitos das mulheres, ou do Cairo, sobre direitos, sexuais e reprodutivos, o que tem incidência no planeamento demográfico. Esta exigência é tão esquerdista que foi assinada por quase todos os governos do mundo, mas genericamente não cumprida pelas potências, com os Estados Unidos da América à cabeça.
E esta questão traz-nos ao âmago do problema político imediato da globalização: que instituições internacionais?
Porto Alegre pronunciou-se pela democratização das Nações Unidas e pela democratização e reorientação do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial de Comércio, numa agenda pela paz e pelo desenvolvimento, que tem de ter no centro a redistribuição do rendimento.
Sr.as e Srs. Deputados: Como podem conferir, de Porto Alegre saiu uma aproximação moderada às contradições do mundo de hoje, muito aquém daquilo que será, e terá o seu tempo, uma abordagem mais à esquerda, pondo em causa o imperialismo e revertendo em transformações sociais em vários países mais centrais ou periféricos.
Só pela cegueira e dogmatização do pensamento ultraliberal e dos interesses da hegemonia americana se pode considerar que a Carta de Porto Alegre é extravagante.
Só por completa submissão ao «pensamento único» se pode entender que se juntaram em Porto Alegre uns milhares de pessoas exóticas que estão aborrecidas com a globalização e que detestam os satélites da comunicação.
A Carta de Porto Alegre foi tomada em assembleia de 400 parlamentares de muitos países, entre os quais representantes de partidos governamentais da França e da África do Sul.
Aqueles que se divertem com as diatribes em torno dos estabelecimentos MacDonalds tornariam menos pitorescas as notícias de jornal se soubessem a lista verdadeiramente impressionante de académicos de renome que abraçaram a esperança num outro mundo possível. Dessa lista destaco o português Boaventura de Sousa Santos e das ONG de reconhecimento e referência a portuguesa AMI.
Sr.as e Srs. Deputados: Quis o Partido Socialista congelar numa comissão o debate da taxa Tobin e aí hiberna. De duas, uma: ou Portugal e o seu Parlamento são demasiado pequenos para discutir a globalização e os seus caminhos, e assumimos o localismo e a inércia da política europeia, ou este Parlamento tem uma palavra a dizer, recomendando posições e atitudes ao Governo da República.
Desse debate motivado pela taxa Tobin, ou por outras das chamadas políticas de regulação, depende alguma coisa da nossa consciência como Estado. Da visão daí resultante clarificam-se escolhas sobre o que entendemos em matérias tão diversas como a elasticidade do sistema fiscal e da harmonização fiscal europeia; o comercio; os direitos de preferência; a reforma do orçamento comunitário; o financiamento da PAC; uma eventual nova ronda da Organização Mundial de Comércio; decisões acerca das patentes de código genético e da implantação das indústrias da biotecnologia, ou até, e mais singelamente, as vantagens comparativas de Portugal que não sejam só sol, trabalho barato e boa disposição.