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2973 | I Série - Número 75 | 27 de Abril de 2001

 

A reforma é necessária porque os dois diplomas jurídicos fundamentais sobre a matéria, de nível infraconstitucional, a Concordata de 7 de Maio de 1940 e a Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto, por vezes designada de liberdade religiosa, concebida no quadro constitucional de um regime antidemocrático, articulam um entendimento de liberdade religiosa e da separação entre o Estado e as religiões não conciliáveis quer com a Constituição, quer com a doutrina católica formada no Concílio Vaticano II, as quais são entre si coincidentes.»
Tão coincidentes que só por vontade expressa de criação de conflitos artificiais poderá ser ressuscitada uma qualquer «questão religiosa» em volta da reforma harmonizada da Concordata de 1940 e da lei da liberdade religiosa. Só nessas condições poderá desenvolver-se à volta desse tema um clima de suspeição ou conflitualidade, latente ou aberta, por parte seja de quem for.
Estando já abertas as negociações com a Santa Sé para a revisão da Concordata, o bom senso e o rigor lógico aconselhariam finalizar a lei da liberdade religiosa depois da conclusão das referidas negociações. Como fez a Espanha, com evidente benefício para o povo espanhol, o Estado e a Igreja Católica.
Uma vez assegurada a plena conformidade da nova Concordata com a nossa Constituição, tarefa muito facilitada pela já assinalada convergência dos princípios constitucionais com a doutrina formada no Concílio Vaticano II, não haveria qualquer dificuldade em reconhecer e fazer jus à especial importância da Igreja Católica na sociedade portuguesa no âmbito de uma lei de liberdade religiosa com a natureza inalienável de lei universal da República Portuguesa, com integral observância das novas normas concordatárias garantidas à Igreja Católica.
A preparação do ora projecto de lei n.º 27/VIII foi iniciada no âmbito do XIII Governo. Essa iniciativa tinha então plena justificação, dado que nessa altura a revisão da Concordata se encontrava totalmente afastada do horizonte previsível. Nesse contexto, a iniciativa era oportuna e útil, sobretudo tendo em atenção a discriminação que atingia as outras confissões que não a Católica, mau grado as limitações e dificuldades decorrentes da não revisão prévia da Concordata.
Mas, recentemente, o sentido da sua oportunidade sofreu uma inversão total face à abertura de negociações, já efectivada, com a Santa Sé. Esse desenvolvimento justificaria, por si só, que todas as actuações se conjugassem neste preciso momento para efeitos de reforço da serenidade e objectividade necessárias à boa ponderação e resolução das matérias em causa de acordo com os princípios constitucionais. A inversão da ordem lógica da revisão da Concordata e da aprovação da lei da liberdade religiosa já teve efeitos nefastos.
Tivesse prevalecido o bom senso e o País teria sido poupado a uma polémica perfeitamente dispensável que, voluntária ou involuntariamente, falseou a informação pública sobre o conteúdo e o alcance real das propostas oferecidas em alternativa. Hoje, essa distorção já é perturbadora de um clima de total serenidade e objectividade essencial ao tratamento da matéria com tal carga de potencial melindre. Amanhã, se continuar a projecção pública desse abuso, haverá que recear eventuais reflexos indesejáveis sobre a boa e rápida condução das negociações através da criação de algumas dificuldades aos negociadores, quer do lado do Estado português, quer da Santa Sé, para rapidamente acordarem soluções que não pressuponham a existência definitiva de dois regimes jurídicos diferentes, um para a Igreja Católica, outro para todas as restantes confissões.
A proposta alternativa ao artigo 58.º ressalva a Concordata. Vai até bem mais longe, ressalvando, no n.º 1, «o primado da Concordata e o seu Protocolo Adicional (...), bem como os regimes especiais daí decorrentes na legislação aplicável à Igreja Católica» e estabelecendo, no n.º 2, que «não são ainda aplicáveis à Igreja Católica as disposições desta lei relativas ao regime dos benefícios fiscais e ao estatuto das igrejas e comunidades religiosas inscritas ou radicadas no País, sem prejuízo da possibilidade de adopção dessas disposições mediante acordo entre o Estado e a Igreja Católica ou por disposição legal remissiva.»
O artigo 58.º do projecto ressalva não só a Concordata mas também toda a legislação passada aplicável à Igreja Católica, declarando expressamente também que não são aplicáveis à Igreja Católica as disposições da nova lei de liberdade religiosa relativa às igrejas ou comunidades religiosas inscritas ou radicadas no País, sem prejuízo da adopção de quaisquer disposições por acordo entre o Estado e a Igreja Católica ou por remissão da lei.
Esta última redacção aponta claramente para a existência de dois regimes jurídicos de liberdade religiosa, um para as confissões minoritárias, outro para a Igreja Católica. A melhor prova desta indicação é o facto de fazer a ressalva de toda a legislação existente aplicável à Igreja Católica conjugada com a expressa interdição da aplicação da nova lei.
Dirão mesmo alguns que, neste contexto, a alusão da lei remissiva afigura-se de tal maneira excepcional que esta referência seria mais útil para consolidar, nomeadamente no plano constitucional, um regime exclusivo da vontade da Igreja Católica para o alterar no sentido da universalidade via intervenção do Estado, sem acordo prévio da Igreja.
José Vera Jardim, autor do projecto, faz justiça no sentido da proposta alternativa. Mas opõe-lhe uma dificuldade prática, a dificuldade de «distinguir no conjunto da legislação aplicável à Igreja Católica aquela que derivasse da Concordata e a que não tivesse essa característica.»
Todavia, esse é um argumento poderoso a favor da revisão prévia da Concordata. Não é, de modo algum, um argumento contra a aplicação futura de normas do tipo da proposta de substituição.
De facto, é em sede de revisão da Concordata que se pode e deve fazer tudo quanto é juridicamente possível para estabelecer a destruição entre o que é e o que não é de natureza concordatária. Por enumeração ou por fixação de adequadas normas que dêem segurança à distinção.
A aplicação universal da lei de liberdade religiosa, sem prejuízo da Concordata e legislação derivada, é desejável. Esta aplicação inclui necessariamente a possibilidade de celebração de acordos destinados a salvaguardar a boa aplicação dos princípios constitucionais a casos específi