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2974 | I Série - Número 75 | 27 de Abril de 2001

 

cos, nomeadamente aqueles que resultam da especial presença da Igreja Católica na sociedade portuguesa. Não deve haver dois regimes jurídicos diferentes.
Aliás, essa orientação estava já consagrada na base XVIII, n.º 2, da Lei da ditadura: «São aplicáveis às pessoas colectivas católicas as disposições desta lei que não contrariem os preceitos concordatariamente estabelecidos.»
Consequentemente, nesta matéria, o artigo 58.º do projecto de lei consagra um enorme retrocesso que não colhe o meu voto favorável.
Não obstante o que acima expus, entendo que não devo votar contra o projecto em votação final global, porque ainda existe a possibilidade de concluir a reforma do nosso direito religioso, evitando a consagração definitiva de dois regimes jurídicos distintos, ao arrepio do que é o espírito da Constituição.
De facto, muitos dos apoiantes do projecto concebem a lei de liberdade religiosa como lei universal. É isso que o próprio autor do projecto afirma muito claramente na sua recente entrevista ao Público. Designadamente, manifestando-se contra a possibilidade de dar à Igreja Católica «um estatuto jurídico diferente e superior ao das restantes igrejas», desenvolve o seu pensamento do seguinte modo:
«Na verdade, concebida a lei de liberdade religiosa como lei com vocação de regulamentação de todas as questões do direito das religiões, e do seu relacionamento com o Estado, é para mim claro que nas negociações com o Vaticano terá de ser este o guião e matriz da Concordata. Esta só poderá pretender consagrar o regime diverso para as questões em que haja razões especiais que justifiquem esse regime especial sem ofensa do princípio da igualdade e que são, a meu ver, muito poucos (festas católicas, consideradas feriados nacionais pelo Estado, casamento canónico).
Isto mesmo foi afirmado recentemente pelo Presidente da Conferência Episcopal ao declarar que conteúdo da futura Concordata seria precisamente (...) o da lei da liberdade religiosa.
Aliás a lei pretende precisamente atribuir a todas as igrejas e comunidades religiosas radicadas no país um estatuto idêntico ao da Igreja Católica.»
A sua objecção contra a proposta alternativa do artigo 58.º, a dificuldade de distinção entre o concordatário e o não concordatário, deverá ser removida, tanto quanto é humanamente possível, pela nova versão da Concordata. Isto é, a sua objecção valerá enquanto não for revista a Concordata, assumindo, assim, uma natureza conjuntural e transitória.
Conjugando a natureza transitória da objecção com a fortíssima afirmação da vocação universal do projecto, deveria seguir-se logicamente a consideração da exclusão da Igreja Católica da lei de liberdade religiosa através do artigo 58.º, como norma transitória a rever depois do fecho das negociações com a Santa Sé, sempre no total respeito dos textos concordatários.
Nestes termos, entendo que o voto contra o projecto em votação final global não é a melhor opção face à necessidade de propiciar a serena conclusão da reforma harmónica da Concordata e da Lei n.º 4/71.

O Deputado do PS, João Cravinho.

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1 - Congratulamo-nos com a aprovação por larga maioria do projecto de lei da liberdade religiosa. Ele vem pôr cobro a uma situação que impedia que parte dos portugueses usufruísse do pleno exercício do seu direito à liberdade religiosa, um dos direitos fundamentais da pessoa humana consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia.
Na verdade, faltava um estatuto jurídico que permitisse às igrejas e confissões religiosas não católicas e aos seus membros a plena realização dos seus objectivos. A nova regulamentação da assistência religiosa, do ensino religioso nas escolas publicas, do casamento por forma religiosa, o reconhecimento dos direitos dos ministros dos cultos, os benefícios fiscais, a possibilidade de celebração de acordos entre o Estado e as igrejas ou comunidades religiosas radicadas em Portugal são aspectos muito positivos que vão permitir alterar a situação anterior.
2 - Várias propostas do PSD foram aprovadas na votação na especialidade, introduzindo significativas melhorias no texto original do projecto.
Em primeiro lugar, o aditamento de um novo princípio fundamental (artigo 5.º), o princípio da cooperação. O facto de o Estado dever cooperar com as igrejas e comunidades religiosas radicadas em Portugal tendo em consideração a sua representatividade pode vir a constituir uma viragem muito importante.
Como já acontece em diversos países europeus, designadamente na Alemanha, na Itália e na Espanha, ainda que por formas diversas, a referida cooperação será certamente muito benéfica, especialmente no que respeita à promoção dos direitos humanos, desenvolvimento integral de cada pessoa e dos valores da paz, da liberdade, da solidariedade e da tolerância.
Tal cooperação tem sido recomendada por diversas organizações internacionais, como o Conselho da Europa.
Não é possível ao poder político ignorar quer a dimensão espiritual da pessoa humana quer a importância das igrejas na transmissão de valores, na formação dos jovens e na promoção da pessoa humana em geral.
A alteração aprovada na redacção do artigo 8.º (Conteúdo da liberdade de consciência, de religião e de culto) permitiu clarificar e reordenar uma disposição importante. Acrescentou-se que as acções desenvolvidas têm de respeitar os direitos humanos e a lei, assim se salvaguardando o primado da pessoa humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição.
Por outro lado, foi possível reduzir o peso do Estado na Comissão de Liberdade Religiosa (artigos 52.º e seguintes). Entendíamos que deveria ser um órgão de consulta da Assembleia da República e do Governo, e não apenas do Ministério da Justiça. Os representantes dos vários Ministérios não terão direito a voto e apenas terão assento quando a Comissão o entender necessário.
Foi também aprovada a criação de um capítulo novo relativo à Igreja Católica, retirando a disposição que ressalva a Concordata e a legislação que lhe é aplicável do último capítulo (Disposições complementares e transitórias) por razões de justiça e bom senso evidente.