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2970 | I Série - Número 75 | 27 de Abril de 2001

 

o de que lei velha derroga lei nova. Lei do regime dos direitos, liberdades e garantias! Lei geral da República!
Torna-se, pois, patente, o quanto estamos perante uma crise do próprio princípio da justiça que, em todos os casos, deveria orientar a opção do legislador. Se o legislador aprova leis revelando manifesta insegurança quanto à pertinência material das suas normas, ao ponto de as desaplicar a um largo espectro do caso concreto (da vida, evidentemente), que consciência revela da natureza justa do direito que aprova?
Tudo o que vem de salientar-se se afigura de uma meridiana clareza à luz dos princípios reitores da ordem constitucional democrática. É, pois, com evidente perplexidade que se testemunha uma orientação legislativa que, no momento em que revoga a anterior lei da liberdade religiosa - Lei n.º 4/71 - aprovada ao abrigo da Constituição autoritária e antiliberal de 33, em todo o caso opta por definir um âmbito de aplicação com critérios claudicantes que, singularmente, nem a lei velha perfilhou.
Em síntese, o que decisivamente está em causa na redacção do artigo 58.º é saber se a lei da liberdade religiosa, com salvaguarda do primado da Concordata e dos seus regimes especiais, cumpre a Constituição e é aplicável sem reservas de privilégio.
Na Lei n.º 4/71, base XVIII, n.º 2, dispõe-se o seguinte: «São aplicáveis às pessoas colectivas católicas as disposições desta lei que não contrariem os preceitos concordatariamente estabelecidos.»
A moral da história é, pois, bem simples: em vista até do grau de coerência do legislador da ditadura, pretender, em democracia, que a lei da liberdade religiosa, com respeito pelo primado da Concordata, seja eficazmente aplicável nos seus preceitos de natureza universal, tornou-se um combate pela justiça, elementar mas infelizmente em vias de não ser superado. Irónico sinal dos tempos. Triste prova para os valores democráticos. Rude teste para a autoridade do Estado constitucional.

Os Deputados do PS, Jorge Lacão - António Reis - Nuno Ferreira da Silva - Maria Santos - Gavino Paixão - Ricardo Castanheira - Luísa Portugal - Medeiros Ferreira - Fernando Jesus - Victor Moura - Jorge Strecht - Isabel Pires de Lima - Carlos Luís - João Sequeira - Marques Júnior - Manuel dos Santos - Eduardo Pereira - José Miguel Noras - Jamila Madeira - Gonçalo Almeida Velho - Carlos Santos - Carla Tavares - Maria Teresa Coimbra.

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Relativas à votação final global do texto final,
elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei
n.º 27/VIII

1 - Como afirma o Professor Antunes Varela, citado por José Vera Jardim no preâmbulo do projecto de lei de liberdade religiosa, «a Concordata é um instrumento jurídico-político que necessita de urgente revisão por assentar em pressupostos históricos ultrapassados pelas circunstâncias», razão pela qual, antes de legislar, «o primeiro passo deveria consistir nessa revisão». Por esse mesmo motivo, em 1970, Francisco Sá Carneiro perguntava ao Governo que diligências tinham sido efectuadas no sentido de se iniciarem negociações com a Santa Sé com vista à revisão da Concordata. E o Bispo do Porto, no seu exílio, chamou à Concordata de então uma Concordata clerical e ao regime salazarista uma ditadura católica. Nenhum dos portugueses atrás citados pode ser considerado jacobino.
2 - A Itália e a Espanha seguiram caminho inverso ao nosso: fizeram primeiro a revisão e substituíram as respectivas Concordatas por acordos com a Igreja Católica. Ora, o quadro legislativo que regula em Portugal as relações entre o Estado e as igrejas, designadamente a Igreja Católica, está claramente desactualizado e em contradição não só com a Constituição como com os princípios orientadores de uma sociedade livre, democrática e pluralista. Por isso, uma nova legislação sobre a matéria não podia deixar de passar por uma revisão da Concordata. Só assim seria possível adaptar a nova legislação aos preceitos constitucionais - sem, pelo menos, os pôr ostensivamente em causa, mesmo interpretando-os à luz das necessidades de estabilidade nas relações entre o Estado e a Igreja Católica.
3 - Não confundo laicidade do Estado com laicidade da sociedade. Nem ignoro o papel das religiões, nomeadamente o da Igreja Católica. Neutralidade e equidade do Estado não significam indiferença perante a esfera do sagrado na vida da sociedade e das pessoas. Mas essa atenção do Estado não deve ser confundida com qualquer tendência para a sua confessionalidade ou para a sua instrumentalização por uma ou várias confissões. A laicidade do Estado é condição da liberdade religiosa e de todas as outras liberdades.
4 - A Concordata é um tratado. A sua validade é supralegislativa e infraconstitucional. Está abaixo da Constituição, mas acima da Lei. O que significa que, sem revisão, a futura lei não se aplicará à matéria constante da Concordata. Por isso, em devido tempo, propus a revisão prévia da Concordata. E afirmei que, em nenhum caso, deveria fazer-se uma votação final global da lei antes de concluídas as negociações com a Santa Sé. A disponibilidade manifestada então pelo Episcopado português criou condições para que tal fosse possível sem dramatismos nem crispações desnecessárias. Outra qualquer solução enfraqueceria, em meu entender, a posição do Estado democrático e a sua natureza laica e tolerante.
5 - Com o PS republicano e laico dirigido por Mário Soares, nunca houve atritos com a Igreja Católica. Foram os socialistas republicanos e laicos, liderados por Edmundo Pedro, que defenderam a sede do Patriarcado quando esta foi atacada no Verão de 75. Foi o 1.º Governo socialista que indemnizou, por meu intermédio, a Rádio Renascença. E subsidiou, então, a Universidade Católica. O pior erro que o PS poderia agora fazer seria inventar um conflito com a Igreja Católica. Mas isso não significa que possa abdicar da defesa da autonomia do Estado e da sua própria natureza como partido republicano e laico.