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0129 | I Série - Número 05 | 27 de Setembro de 2001

 

assim que se faz a remodelação do Governo, anuncia a possibilidade de se abandonarem estes princípios sobre as mais-valias - logo confirmado por uma declaração do Primeiro-Ministro que estendeu este princípio abandonatório a algumas outras regras da reforma fiscal não explicitadas -, percebemos que estávamos numa situação de grande delicadeza política.
O Governo anunciou-nos, Sr. Primeiro-Ministro, que iria fazer não sabia o quê, por causa do que os espanhóis não sabiam que iam fazer. Porque, como rapidamente se constatou, em Espanha não havia nenhuma iniciativa legislativa, nenhuma proposta, para alterar o regime espanhol sobre as mais-valias. Corrijo: havia um debate no Parlamento espanhol,…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Ah!… Sempre havia!

O Orador: - … curiosamente suscitado pelo partido socialista espanhol, para tornar mais intransigente o imposto sobre as grandes fortunas que vigora em Espanha. Mas, enfim, de Espanha, pelo menos, bom vento e boas ideias não parecem bafejar os socialistas dos dois lados da fronteira, e esse imposto não tem viabilidade em Portugal.
Ora, o emaranhado de contradições permitiu a leitura política de que esta reforma se tinha esgotado. Surge da primeira reunião do novo Governo, surge depois das declarações do Primeiro-Ministro no Congresso do Partido Socialista, reafirmando a reforma fiscal como a grande prioridade do Governo; desde então, temos o silêncio absoluto. E a escolha com que estamos confrontados, na opinião do Bloco de Esquerda, é combater para viabilizar a reforma fiscal, ou ceder.
A competitividade deve ser valorizada pela reforma fiscal. Pois claro! Mas nada de melhor para beneficiar a competitividade do que regras claras e universais, do que taxas de referência únicas e não taxas liberatórias ou taxas especiais, que são sempre formas de distribuir privilégio.
O Governo fica, então, confrontado - e o Ministro das Finanças certamente deverá responder a esta questão - com a necessidade e a obrigação democrática de nos esclarecer sobre o destino do princípio da tributação e do englobamento das mais-valias.
Fica o Governo também convocado, Sr. Ministro das Finanças, para nos responder quanto ao que falta aplicar na reforma fiscal, que começou, foi prometida e não se concretizou.
A reforma fiscal tem instrumentos poderosos, precisa de muitos mais, e estava previsto no articulado da lei um conjunto de normas, de regulamentos e de portarias que, nove meses depois, pecam pela ausência: primeiro, a regulamentação sobre a comunicação dos movimentos transfronteiriços de operações não comerciais, para se saber a verdade sobre quem, como, quando e quanto nas operações de capital; segundo, a portaria que define a imputação de custos às sucursais financeiras exteriores, que é a única forma de tributar o sistema bancário em Portugal; terceiro, a determinação das regras para a venda do produto das execuções fiscais, nomeadamente proibindo empresas sediadas em off-shore de concorrerem nesse contexto; quarto, a determinação das regras para os preços de transferências; quinto, a determinação das regras para o cruzamento de informações sobre a segurança social, os cartões de crédito, sobre todo o sistema tributário e o sistema económico; sexto, a determinação das regras para aceder ao controlo da subcapitalização das empresas. Em nenhum destes seis casos o Governo tomou as medidas com as quais se comprometeu, perante a Assembleia e o País, há nove meses atrás.
Quero concentrar-me em duas destas medidas para argumentar da sua importância.
Em primeiro lugar, a banca. Em 1995, a banca, em vez de 35% de imposto, pagava uma taxa efectiva de 21%. No ano passado, pagou 12,6%.
Em Espanha e na Irlanda, países cujas taxas de imposto são utilizadas como argumento para o favorecimento da competitividade em Portugal, se fossem estendidas a Portugal, paga-se 15% a 20%, muito mais do que a taxa de imposto paga pela banca portuguesa.
Mas algumas empresas em particular merecem atenção.
Há uma empresa sediada no off-shore da Madeira, a CETLEM, que não tem qualquer funcionário - zero funcionários -, nem sequer um terminal de computador, é um endereço virtual, é um «@ flutuante», que gera 5 milhões de contos de lucro, sobre os quais o Estado perde 1,5 milhões de contos de imposto, porque se trata da ponta do iceberg de uma rede de crédito ao consumo, ou seja, o disfarce de operações que não são tributadas em Portugal.
Passo ao segundo exemplo, o Banco Madesant. Uma empresa que não tem agências, apenas sete funcionários, que gera metade do lucro líquido gerado pelos 19 000 funcionários de um dos maiores bancos portugueses, o BCP - 46,4 milhões de contos, o que equivale a 15 milhões de contos de imposto perdido pelo Estado -, e que é, exclusivamente, uma frente do Banco Santander Central Hispano para gerir as suas carteiras de acções. Tem mais lucro do que o BPI, do que o Totta, do que o Montepio Geral, mas não paga um tostão de imposto!
A existência do off-shore da Madeira, que em nada contribuiu para a tributação portuguesa, como é natural, porque paga 0% de IRC, e que em quase nada contribui para a criação de emprego, ao ponto de sermos ridicularizados, como país, no relatório da OCDE, é a fonte para um sistema que permite aos bancos deixarem de pagar os seus impostos e terem mesmo o atrevimento de disputar em tribunal situações extremas como aquela que o BPI recentemente veio ganhar no Tribunal Administrativo. Em 1991, o BPI registava 19% das suas operações financeiras na Madeira; em 1992, passou para 92%, ou seja, deixou de pagar impostos, e isto é aceite pelo tribunal português face à legislação!
Finalmente, quero chamar a atenção para a importância desta política e da alteração neste contexto.
Dizia a Dr.ª Maria José Morgado, Directora-Adjunta da PJ, que os off-shore são fortalezas do crime organizado. Alguns deles, como, por exemplo, os de Gibraltar ou do Luxemburgo - Gibraltar é inglês e Luxemburgo é um parceiro da União Europeia -, nem sequer respondem aos pedidos judiciais de investigação. Os Estados Unidos da América, que agora começam a tomar atitudes em relação aos off-shore, rejeitaram recentemente um acordo com vista ao seu controlo.
Deste ponto de vista, Portugal tem uma responsabilidade, que é a de fazer tudo o que puder contra estes paraísos do crime. É também por esta razão que se deve avançar na reforma fiscal no que diz respeito à matéria em falta, que é completar as regras de intervenção da administração tributária quanto ao sigilo bancário.