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3003 | I Série - Número 071 | 09 de Janeiro de 2003

 

Quem entende que a democracia convive com um País em que uns não têm nada, ou têm cada vez menos, e outros têm amigos milionários, boleias milionárias e ilhas milionárias, está enganado.
Quem entende que o País e a democracia convivem com uns que pagam impostos e outros que não pagam, com uns que estão no desemprego e outros que fazem falências fraudulentas, está enganado.
Por isso, a política deve ser criticada pelo que faz, mas a política, Sr.as e Srs. Deputados, também deve ser criticada pelo que é. A política só pode ser séria ou não merece respeito - e todos nós, homens e mulheres com defeitos, temos de defender uma política e regras que não tenham defeitos e que, em primeiro lugar, na transparência e na responsabilidade, estejam abertos a toda a crítica.
Por isso mesmo, aliás, combatemos a decapitação da unidade que fazia o combate à corrupção económica na Polícia Judiciária. Por isso mesmo, vale a pena lembrar as lições da operação "Mãos limpas" em Itália. Quando um obscuro funcionário socialista Mário Chiesa foi preso por, ilegalmente, transferir fundos a partir das obras para a construção de lares de idosos, abriu-se um processo que descortinou o que era a Tangentopolis, um processo de "mãos limpas", que levou à prisão, ou à destituição, de centenas de responsáveis políticos, de ministros, de senadores, de deputados, à prisão de um primeiro-ministro e à prisão ou à perseguição judicial de muitos empresários. O resultado foi uma política mais transparente nas suas regras e é por isso, talvez, que hoje, em Itália, as auto-estradas tenham um custo de construção reduzido em 20%.
Em Portugal, demo-nos conta que o triângulo entre câmaras municipais, futebol e empresas de construção civil se transformou num gigantesco "polvo" de que descobrimos alguns detalhes quando grandes construtores civis comunicam que não declaram o seu IRS ou quando nos apercebemos do caso do Vitória Sport Clube de Guimarães, ou quando ouvimos as declarações de Maria José Morgado ou do Procurador-Geral da República, Souto Moura.
Mas temos agora em apreciação um caso que representa o pior que este "polvo" tem, que é o caso da Câmara Municipal de Felgueiras, e, a partir deste caso, a partir de todos os casos, temos de estabelecer critérios.
Há três anos atrás, começou uma investigação sobre um alegado "saco azul" que teria financiado campanhas do Partido Socialista em Felgueiras e alegadamente alguns gastos pessoais da Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras. Um juiz de instrução criminal decretou, há dois dias, a suspensão do mandato da Presidente da Câmara e esta será acusada no âmbito do processo que está em preparação.
De tudo isso decidirá a justiça, mas aqui temos de julgar da bondade, ou da inaceitabilidade, do argumento de que a justiça impede a actuação política neste contexto. Temos de julgar aqui politicamente sobre se é ou não uma desculpa aceitável que nada se faça e se espere pela decisão do tribunal. E é isto que quero contestar.
Há três razões para que o julgamento político deste caso conclua pela necessidade de regras transparentes que não foram seguidas em Felgueiras: provou-se que o expediente não é um bom processo político - "quem vai por atalhos, mete-se em trabalhos". Pode ganhar-se uma câmara municipal e, em consequência, perderem-se as eleições. Fátima Felgueiras não se deu conta, porque assim não disse o voto popular, mas ela perdeu as eleições, assim como o seu partido foi arrastado para a derrota eleitoral, em Dezembro de 2001.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - E se essa é uma primeira conclusão, as duas outras são mais importantes.
O financiamento ilícito dos partidos foi regulado neste caso, ou é regulado por este caso, e o partido que recebeu esse financiamento ilícito deve explicações. Aliás, devo sublinhar, porque amanhã o discutiremos, que, se não houvesse sigilo bancário em Portugal, a conta n.º 27674009, do Banco Espírito Santo, de Felgueiras, teria sido investigada há muito mais tempo e não seria preciso que um vereador, com medo das consequências do seu envolvimento no caso do alegado "saco azul", viesse denunciá-lo à Polícia Judiciária, porque esses financiamentos não teriam justificação e chamariam a atenção do fisco. E é assim que se pode, no futuro, saber a verdade.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas a terceira razão fundamental é a de saber se, perante esta investigação, um presidente de câmara se deve demitir ou se se deve "agarrar" ao lugar.
A opinião do Bloco de Esquerda é a de que a Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras (e assim o dissemos na altura, como repetimos agora) se deveria ter demitido assim que a investigação começou. Por uma única razão que vale para ministros, como vale para presidentes de câmara: quem está no poder, não pode exercê-lo quando esse exercício condiciona as investigações sobre si próprio.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - A Presidente da Câmara, se fosse inocente, tinha de sair do cargo para provar a sua inocência, para garantir que não influenciava quem dela depende: autarcas, construtores, agentes económicos locais. Tinha, naturalmente, de sair se, porventura, fosse culpada.
A esse respeito, o critério que o Ministro António Vitorino estabeleceu é conclusivo: António Vitorino demitiu-se quando não havia acusação, quando nem sequer havia investigação, quando exclusivamente um jornal alegou que ele não tinha pago de sisa 300 contos. E demitiu-se para provar a sua inocência, o que fez conclusivamente, podendo, depois, assumir altos cargos de representação do País na União Europeia.
Se este critério serve e se ele é valorizado e elogiado, quem o defende não pode defender o comportamento de Fátima Felgueiras. E, em contrapartida, quem defende Fátima Felgueiras tem de dizer que António Vitorino não podia ter-se demitido. Mas demitiu-se e estabeleceu um padrão correcto do comportamento republicano nesta matéria.
É por isso que noutros casos, sendo o mais gritante o de Avelino Ferreira Torres, Presidente de câmara, do Partido Popular, em Marco de Canaveses, implicam o mesmo critério. Ou seja, Avelino Ferreira Torres, que pelo Tribunal da Relação foi confirmado que será julgado por crimes gravíssimos de peculato - nada menos do que peculato! -, deve demitir-se nas mesmas condições em que qualquer outro autarca deve fazê-lo. Não é a cor partidária, não é a cumplicidade política que estabelece diferenças, enquanto que a regra deve tornar todos iguais.

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