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0195 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a realizar um debate que se está a tornar muito sui generis. É que estamos a discutir um projecto de lei que é político, mas que, segundo os seus proponentes, não o é.
Isto, aliás, vem um pouco a propósito de um belíssimo tema de Valdemar Bastos, um excelente cantor e autor de música de expressão portuguesa, que tem uma personagem, a avó Chica, que diz para o seu neto: "Xé menino, não fala política". O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo propõe-se fazer aqui o papel da avó Chica - o que até nem é propriamente antipático -, mas o Sr. Deputado terá de ter paciência pois vou falar de política.

Aplausos do PCP e do BE.

Vou falar de política para dizer que o Grupo Parlamentar do PCP acolhe muito favoravelmente as iniciativas legislativas que tenham como objectivo conferir efectividade à aplicação de quotas mínimas de difusão de música portuguesa na rádio.
Em Fevereiro deste ano, tivemos oportunidade, nesta mesma tribuna, de manifestar a nossa solidariedade para o com um amplo movimento cívico que foi então lançado por um número muito significativo de cantores, músicos e autores portugueses em defesa da música portuguesa, particularmente em defesa da sua difusão e promoção. Temos acompanhado este movimento de opinião com o maior interesse e com toda a disponibilidade para colaborar na aprovação de iniciativas que tenham como objectivo promover a música portuguesa.
Se, como esperamos, apesar de tudo, vier a ser aprovada uma nova lei relativa à difusão da música portuguesa, se esse objectivo for conseguido e se se tratar de uma lei razoável, como acreditamos que possa vir a ser, estarão de parabéns todos aqueles que se lançaram nesse combate cívico em defesa da cultura portuguesa. Estão particularmente de parabéns a Associação Venham Mais Cinco e os subscritores do Manifesto sobre o Estado da Música Portuguesa. Aliás, alguns dos dinamizadores deste movimento estão hoje aqui a assistir a este debate e, por isso, quero daqui expressar-lhes uma particular saudação.
A música portuguesa é parte essencial da nossa identidade como País e como povo. É a nossa música, criada, cantada e executada por portugueses, que une o povo português nos quatro cantos do mundo. Muitas das vozes da música portuguesa constituem referências incontornáveis da nossa cultura e da nossa História contemporânea e exprimem os nossos sofrimentos, os nossos valores, as nossas causas e as nossa esperanças.
E são também os que hoje fazem música em Portugal, contra "ventos" fortes e "marés" adversas, que mantêm viva a nossa cultura e que, mesmo no quadro triturante de uma globalização que é ditada pelos mercados e que sacrifica as identidades e as diferenças no "altar" do lucro mais fácil das multinacionais, insistem, apesar disso, em levantar a voz, a nossa voz, e em difundir os sons e as palavras que nos distinguem e com que nos identificamos.
Pode ler-se no Manifesto sobre o Estado da Música Portuguesa que "(…) Portugal cuida muito mal dos seus artistas", e são dados exemplos disso: "Camões morreu na miséria. Muitos notáveis morreram às mãos da Inquisição. Pessoa foi contabilista, Virgílio Ferreira professor de liceu até à reforma. José Afonso contou essencialmente consigo e com os amigos na doença que o vitimou. Eduardo Lourenço, Jorge de Sena, Anabela Chaves e tantos outros tiveram de emigrar. Carlos Paredes foi (…) arquivista de radiologia do Hospital de S. José. É, ao que parece,…" - concluem - "… um défice de auto-estima crónico. Mas doentio e absurdo".
E, assim, a música portuguesa está a "bater no fundo", porque a educação musical é desprezada nos currículos escolares, porque os instrumentos musicais são objectos de luxo e pagam IVA a 19% e porque a rádio e a televisão portuguesa, salvo honrosas excepções, quase não passam música portuguesa. Consequentemente, a música portuguesa é pouco editada, é pouco promovida, é pouco vendida e promovem-se poucos espectáculos com músicos e cantores portugueses.
O problema não está na falta de qualidade da música portuguesa - veja-se o reconhecimento nacional e internacional que muitos cantores e executantes portugueses vão obtendo - nem no facto de os portugueses não gostarem da música portuguesa, porque gostam, seguramente - veja-se a enorme adesão que suscitam os espectáculos de muitos músicos portugueses e particularmente a grande adesão da juventude aos espectáculos de músicos e autores portugueses; o problema é que nós estamos a cuidar muito pouco daquilo que é nosso e daquilo que deveria, efectivamente, ser apoiado.
As rádios brasileiras passam 80% de música brasileira e em quase todos os países europeus as rádios passam preferencialmente a sua própria música, portanto não há qualquer justificação aceitável para que, em Portugal, a grande maioria das rádios se limite à difusão mecânica dos temas constantes das play list que lhes são impostas por conluios de natureza comercial. Da mesma forma, não é aceitável que as televisões, que têm como finalidade, nos termos da lei que lhes permitiu obter as licenças para emitir, a promoção da língua portuguesa e dos valores que exprimem a identidade nacional, se caracterizem pela quase total ausência de produção e difusão de programas musicais em português.
Esta situação não pode continuar. A música portuguesa não pode definhar à vista de todos, com as leis a não serem cumpridas e com as rádios e as televisões portuguesas ocupadas quase exclusivamente por música importada, na sua maioria de duvidosa qualidade, e tudo isto sem que cada um assuma por inteiro as responsabilidades que lhe cabem.
É um imperativo nacional que o movimento de opinião que hoje mobiliza os criadores da música portuguesa seja ouvido pela opinião pública mas também pelos poderes públicos, particularmente por esta Assembleia da República.