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1621 | I Série - Número 028 | 05 de Dezembro de 2003

 

compensado através da transferência de receitas fiscais.
Cumpria-se, assim, um duplo patamar de redistribuição, directamente assente no esforço contributivo sobre os rendimentos do trabalho, e um outro de solidariedade geral, assente no objectivo de justiça fiscal de redistribuição de rendimentos, sob condição de recursos.
Portugal, para esta viagem no sentido da promoção da dignidade da condição humana, mais uma vez partiu tarde, com um atraso de cerca de 30 anos, tantos quantos mediaram entre a ratificação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a consagração na Constituição da República Portuguesa da universalidade do direito aos sistemas de protecção social, entre os quais o da segurança social, decorrente da integração da previdência e da assistência.
Um longo atraso, ainda por cima agravado com a quase coincidência temporal com o primeiro choque petrolífero que constituiu o grande ponto de viragem no longo período de crescimento económico que caracterizou o século passado.
Apesar dessas debilidades e das dificuldades acrescidas, foi inequívoco, fortemente expressivo e de inegável valia social o desenvolvimento, o progresso e o aperfeiçoamento que os sistemas de protecção social conheceram nestas últimas décadas, melhorando os níveis de justiça social. E é tão diferente o panorama que hoje vivemos daquele que conheci no início da minha vida activa, que não me canso de valorizar este património e a responsabilidade colectiva que constitui a sua defesa, sustentação e aperfeiçoamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, insistentemente afirmo, nas intervenções públicas que sou chamada a fazer sobre esta matéria, que o século passado foi um século de afirmação de direitos e que o século XXI terá de ser um século de afirmação e consciencialização dos deveres correlativos, para que se garanta a sustentabilidade dos direitos adquiridos.
Quero com isto dizer que considero um verdadeiro crime social, porque é contra a solidariedade colectiva, o acesso indevido a benefícios quando não se verificam as condições inerentes à sua atribuição.
O combate à fraude tem de ser, pois, uma acção permanente, persistente e cada vez mais competente e constitui responsabilidade inalienável do Estado, para cujo exercício eficaz deve contar com forte sustentação social, porque visa defender valores e patrimónios colectivos.
Contrário a isto, porém, é, perante níveis apenas presumivelmente elevados de acesso indevido às prestações, cortar os valores destas, não àqueles que a elas acederam, violando os critérios legais de atribuição, mas a todos, numa aplicação simplista de um princípio próprio das sociedades pouco sofisticadas de "pagar o justo pelo pecador", que o mesmo é dizer, aplicar uma pena mesmo a quem não cometeu qualquer crime.
Vem tudo isto a propósito das medidas recentemente aprovadas pelo Governo relativamente ao subsídio de doença que se concretizam na diminuição em 15% do montante do subsídio até agora em vigor nas baixas até 30 dias e de 10% nas baixas entre 30 e 90 dias.

O Sr. António Costa (PS): - Um escândalo!

A Oradora: - Uma alteração com estes contornos é absolutamente errada, contraproducente e só pode contar com a oposição frontal do Partido Socialista, por várias ordens de razões.

Aplausos do PS.

Em primeiro lugar, é errada, por razões de natureza conceptual. O subsídio de doença integra o conjunto de prestações de natureza previdencial, que o mesmo é dizer de seguro público obrigatório, que devem estar ligadas ao nível remuneratório que visam substituir e não à duração do período de doença. Este é o contrato de cada segurado com o Estado e não pode ser objecto de redução por iniciativa unilateral através de medidas de cariz assistencialista.
Por sua vez, a alteração unilateral com base em razões de combate à fraude transfere para os cidadãos, e para os cidadãos doentes, uma responsabilidade que é do Estado e dos seus agentes, que ele não pode alienar, porque a decisão de atribuição é sua, ou dos seus agentes, e não de quem se candidata a essa atribuição.
Para além disto, é uma medida fragmentadora da solidariedade colectiva, porque, em ambiente de "plafonamento", os mais ricos tenderão a fugir para modalidades de seguro privadas, que apenas ao próprio beneficiarão, aumentando a clivagem entre ricos e pobres e debilitando a sustentabilidade financeira do sistema público.