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2504 | I Série - Número 045 | 30 de Janeiro de 2004

 

Ora, o assunto que tratamos - a inevitabilidade da quebra do segredo profissional em determinadas situações - tem sido abundantemente tratado na doutrina, tem sido criteriosamente abordado na jurisprudência (até na jurisprudência constitucional) e foi alvo de profundo debate no processo legislativo que antecedeu a revisão de 1995 do Código Penal.
Para que todos os Srs. Deputados entendam o assunto de que estamos a tratar, vejamos o que está estabelecido: as entidades referidas no n.º 1 do artigo 135.º do Código de Processo Penal (ministros de religião ou confissão religiosa, advogados, médicos, jornalistas e outras pessoas que possam invocar o segredo profissional) podem escusar-se a depor sobre factos abrangidos precisamente por esse segredo profissional. É o direito ao silêncio ou ao sigilo, como lhe chamou o antigo Deputado desta Casa, e também Professor, Costa Andrade.
O direito processual penal reconheceu, portanto, este verdadeiro direito de recusa de depoimento.
Ora, no momento em que este direito é exercido (o que sucede quando o seu titular invoca o segredo e recusa o depoimento perante determinada autoridade judiciária), esta deve proceder a averiguações sumárias, as quais conduzirão necessariamente a uma de duas conclusões: ou o juiz (sempre o juiz e não o Ministério Público) decide que a recusa é ilegítima ou infundada, e, neste caso, o depoimento é ordenado, não podendo ser recusado, cabendo, no entanto, recurso de tal decisão; ou o juiz decide que a recusa é legítima, e, neste caso, ou se prescinde do depoimento ou se solicita ao tribunal superior que aprecie a questão, que pondere os valores em jogo, que aplique o princípio da prevalência do interesse preponderante e, se for caso disso, que ordene a quebra do segredo profissional e o consequente depoimento.
Note-se que o legislador quis que fosse o tribunal superior àquele em que o incidente é suscitado a apreciar e decidir esta questão, não tanto (como se diz no douto relatório elaborado pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho) para se obter uma maior independência, mais e antes, segundo creio, para se conseguir um acrescido grau de certeza e acerto na decisão.
E não se esqueça ainda que a decisão a proferir deve ser precedida de parecer emitido pelo organismo representativo da profissão relacionada com o segredo em causa, seja ele, por exemplo, a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Médicos ou o Sindicato dos Jornalistas.
Ao tribunal superior competirá, pois, sopesar os interesses em confronto, na busca do interesse dominante ou prevalente.
Somos da opinião, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a regra deve ser esta: o tribunal só pode impor a quebra do segredo profissional se verificar que os interesses que o segredo visa proteger são manifestamente inferiores aos prosseguidos com a sua revelação. Para isso, há-de o tribunal reflectir sobre múltiplas circunstâncias: o peso relativo das representações em confronto, a natureza e a gravidade da infracção, as consequências da revelação, etc.
Chegados aqui, sabemos que isto é assim e que isto se aplica, harmoniosamente, a todos os segredos profissionais, excepto, como dissemos, ao segredo religioso e ao segredo de Estado, por razões óbvias, pacíficas e que agora não vêm ao caso.
Chegados aqui, dizia eu, o que pretendem os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda? Que esta construção equilibrada só se aplique aos jornalistas quando ela seja a única e última forma de prevenir, directamente, um crime.
Srs. Deputados proponentes, vou ser prático. Estou convencido de que o Bloco de Esquerda aceita que esta sua iniciativa baixe, sem votação, à 1.ª Comissão, como por vezes é praxe parlamentar, para ser integrada no processo de reflexão e de audições que se vem fazendo a propósito de eventuais alterações aos Códigos Penal e de Processo Penal. Mas, se não for esse o caso, não quero deixar de transmitir desde já à Câmara a nossa opinião concreta sobre o projecto de lei.
Ele é, antes de mais, redutor para o próprio segredo profissional dos jornalistas, pois que só regula a hipótese da sua quebra como forma de prevenir directamente um crime.
Então, pergunto: e em relação a um crime já cometido e que está sendo investigado, não pode ser quebrado o segredo profissional?
Então, e a questão coloca-se assim, como os senhores colocam, em termos de absoluta paridade perante a iminência de qualquer crime?
É que, em tese, Srs. Deputados, o projecto de lei apresentado não permitiria, por exemplo, ordenar um depoimento de um jornalista quando se estivesse a investigar um acto terrorista e houvesse fundados elementos para supor que ele, jornalista, era conhecedor da identificação do criminoso, mas o segredo profissional do jornalista já poderia ser quebrado como forma de evitar a prática de um crime de injúrias, por exemplo.
Por isso, somos levados a concluir que este projecto é muito, mesmo muito deficiente.
Por outro lado, Srs. Deputados, é o próprio projecto que, pretendendo (pretendendo só aparentemente, diga-se) proteger as fontes dos jornalistas, as mistura com o segredo sobre factos, sobre o conhecimento de determinadas informações, na medida em que, no articulado proposto, nem uma palavra se diz a