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3354 | I Série - Número 060 | 06 de Março de 2004

 

Pensamos que estas recomendações do Parlamento Europeu, bem como a declaração do Cairo de 2003, poderiam ser um importante ponto de partida para uma discussão séria.
Vale a pena ainda consultar o interessante estudo da Associação de Planeamento Familiar, segundo o qual ficamos a saber que 97% dos profissionais de saúde inquiridos em Portugal não têm, de facto, dúvidas em afirmar que a mutilação genital feminina não deve, em caso algum, ser aceite e que 53% defende ainda a adopção de um protocolo de actuação a ser aplicado pelos profissionais de saúde perante eventuais casos.
O Bloco de Esquerda pretende contribuir para esta discussão com algumas propostas concretas: que mulheres ou suas filhas que tentem escapar à mutilação genital feminina possam ser acolhidas ao abrigo do direito de asilo, alterando-se assim, em sede de revisão constitucional, o artigo 33.º, de forma a consagrar o direito de asilo por razões humanitárias e para que não volte a acontecer o que aconteceu com a jovem Susan, mulher queniana, que fez um pedido de asilo e que ainda continua à espera de uma resposta; que o problema da mutilação genital feminina deverá ser incluído no Plano Nacional para a Igualdade de Oportunidades e nos planos de cooperação ao nível da educação e da saúde; que sejam promovidas acções junto dos profissionais de saúde em Portugal, nomeadamente para o estabelecimento de um protocolo médico que inclua também o acompanhamento psicológico, tal como recomenda a Organização Mundial de Saúde; e que seja promovido, apoiado e incentivado um trabalho de mediação social, cultural e de saúde nas comunidades.
A mutilação genital feminina deve ser punida no Código Penal. Mas se ficarmos por aqui, pouco mais faremos do que aliviar as nossas consciências. Exige-se mais. Exige-se uma atitude que vise transformar a realidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há dois ou três anos, integrei uma delegação europeia que visitou dois países de África, o Burkina-Faso e o Mali, na base de um programa do IPPF (International Planned Parenthood Federation) de apoio às comunidades africanas, nomeadamente às mulheres.
No Mali tive ocasião de ver o trabalho de organizações não governamentais em relação a esta questão das mutilações genitais femininas e descobri, através de vídeos que nos foram mostrados, a brutalidade destas mutilações. No final, todos os membros da delegação estavam com lágrimas nos olhos.
Verifiquei que no Mali é desenvolvido um grande combate à mutilação genital feminina através de programas de sensibilização da comunidade para a gravidade dessa prática. Tive, assim como toda a delegação, ocasião de confraternizar numa cooperativa de mulheres ex-excisadoras - neste crime as excisadoras e as mães é que são as arguidas - que abandonaram voluntariamente a prática da sua actividade - que é uma prática altamente rentável, sendo a excisadora muito venerada nestas comunidades - devido às tais acções de sensibilização.
Assisti a pequenos espectáculos de teatro, organizados por grupos de jovens, que os desenvolvem na rua, junto das comunidades, sobre a mutilação genital feminina.
Finalmente, os deputados malineses disseram-nos que criminalizar não resolveria o problema, porque num país vizinho (que não me lembro qual é), quando foi aprovada a lei da criminalização, houve uma rebeldia e fizeram-se excisões colectivas e em público.
Num trabalho muito importante do FNUAP (Fundo das Nações Unidas para a População) sobre esta questão, apresentado num seminário realizado em Portugal, podemos ver que a percentagem de execução das leis, que existem nalguns países, é praticamente nula. Lembro-me que a maior percentagem de condenações teve lugar no Burkina-Faso, que tem uma lei que pune, e onde 60 mulheres foram condenadas a prisão. Mas nos outros países trata-se, de facto, de uma lei meramente simbólica.
Criei, pois, a convicção de que se tinha de lutar contra este problema através de um investimento grande nesses meios preventivos, e que no Mali eram efectivamente utilizados dentro das possibilidades do país.
É por isso que, ao discutirmos esta questão assim, desligada de qualquer outro programa de prevenção, como existe na Noruega - a Noruega tem um importante programa de prevenção das mutilações genitais femininas -, parece que estamos a ter uma atitude xenófoba. Ontem, um jornalista da RDP África telefonou-me para que eu, como relatora da comissão, dissesse qualquer coisa sobre o problema, tendo-me colocado a questão da seguinte forma: "Diga lá por que é que o Parlamento português vai criminalizar uma prática cultural?" Foi assim!