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5869 | I Série - Número 108 | 03 de Setembro de 2004

 

PCP, e depois de, mais uma vez, ter anunciado falsas aberturas para a alteração da lei e hipócritas comiserações com as mulheres levadas a julgamento, "chumbou" todas as propostas de alteração da iníqua lei que, entre nós, continua a reger a interrupção voluntária da gravidez.
As portuguesas e os portugueses já perceberam que, sempre que o assunto se torna mais visível, a direita, que quer manter a lei que trata as mulheres como criminosas e determina a sua prisão, aparece com um discurso aparentemente tolerante para logo desmentir na prática aquilo que insinua no discurso. O mesmo acontecerá, provavelmente, com as declarações de ontem do Primeiro-Ministro. Elas serão mais um episódio de uma anunciada abertura que, depois, não se concretizará e acabará por manter uma clara opção pela continuada perseguição judicial das mulheres que tenham de recorrer ao aborto, cujas consequências políticas o Primeiro-Ministro e a maioria pretendem atenuar.
Não tardará, aliás, que voltem os compromissos com a necessidade de promover a educação sexual e o planeamento familiar, logo esquecidos na primeira oportunidade, tal como aconteceu com a resolução aprovada pela direita, nesta Assembleia, no dia em que rejeitou a alteração da lei.
Ora, pergunto, em relação ao que foi aprovado nessa resolução: que medidas foram tomadas na área da educação sexual em meio escolar? Que medidas foram tomadas para apoiar as mães ou as grávidas adolescentes e jovens, visando a continuação do seu percurso escolar? Que medidas foram tomadas para garantir os direitos das trabalhadoras grávidas, para apoiar as famílias com filhos deficientes ou com doenças crónicas? Que medidas foram tomadas para garantir que todas as farmácias, de forma permanente, assegurem - como se lia na resolução - "a dispensa de todos os meios e métodos contraceptivos previstos na legislação em vigor"? Que medidas foram tomadas "com o objectivo de alargar a efectiva cobertura de consultas de planeamento familiar e saúde materna a um grupo particularmente vulnerável, como são os adolescentes e os jovens"? Que medidas foram tomadas visando "reforçar as condições de acesso aos meios contraceptivos de forma a prevenir a gravidez indesejada e/ou inesperada"?
Nenhuma destas medidas foi, de facto, concretizada. Mais uma vez, as intenções declaradas no momento oportuno - politicamente - não passaram do papel.
A disparatada intervenção militar imposta pelo Governo ao navio em causa não tem fundamento legal nem político. Os argumentos são, aliás, inacreditáveis!
O Secretário de Estado dos Assuntos do Mar justificou a presença de uma embarcação de guerra junto do navio, dizendo que "por acaso, estava naquela área". Afirmou, ainda, que a organização que enviou o navio em causa visava "promover a prática do aborto" em debates, reuniões e através da comunicação social e admitiu até ponderar a proibição de anúncios de clínicas espanholas em jornais portugueses.
Para este governante, debater a questão da interrupção voluntária da gravidez e defender a sua despenalização significa promover a prática do aborto, como se as mulheres que decidem recorrer a este último recurso, em difícil e violenta decisão, o fizessem estimuladas por qualquer debate ou campanha e não por sua íntima convicção.
Entretanto, o Governo tentou invocar o facto de a pílula RU486 não estar licenciada em Portugal, mas isso não significa que seja um medicamento clandestino. A mesma foi aprovada pela Agência Europeia do Medicamento, é utilizada na maioria dos países da União Europeia por ser um método seguro de interrupção da gravidez.
Invocou, ainda, o Governo argumentos de saúde pública. Mas, como bem lembrou a Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, tratou-se de um argumento de "propaganda", porque a situação, nem de perto nem de longe, corresponde ao que tecnicamente é o risco para a saúde pública, nem tem o Ministério da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar qualquer competência nessa matéria!
Ao contrário, o que é um verdadeiro problema de saúde pública é a continuação do aborto clandestino para o que a actual lei empurra milhares de mulheres que não podem deslocar-se ao estrangeiro; o que é um verdadeiro problema de saúde pública são os milhares de mulheres que acabam por recorrer às urgências hospitalares por complicações pós-abortivas; o que é, também, um verdadeiro problema de saúde pública é a taxa de gravidezes indesejadas que continuamos a ter.
Esta decisão e atitude do Governo - e da maioria de direita que por ele aqui responde - é, sobretudo, um grave atentado à liberdade de expressão e de informação que o Executivo continua a negar a esta iniciativa.
O Governo sabe que o objectivo fundamental desta iniciativa era o alerta sobre a situação medieval a que continuam a estar sujeitas as mulheres portuguesas. É isso que o Governo quer impedi-la, mas não consegue, porque é insuportável a situação em que a lei coloca as mulheres portuguesas perante a hipocrisia dos que a defendem. E nada nem ninguém pode esconder isso dos olhos dos cidadãos portugueses e agora, também, de muitos outros na Europa e no mundo.
Pela nossa parte, continuaremos a intervir na exigência da alteração desta lei, indispensável para a dignidade das mulheres portuguesas e para resolver o grave problema de saúde pública que constitui o aborto clandestino no nosso país.